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O Brasil possui hoje 165 milhões de hectares de pastos, porém cerca de metade desse número apresenta algum grau de degradação. Identificar as melhores alternativas para recuperar essas áreas e entender como essa melhoria pode contribuir para que o país cumpra suas metas climáticas é o cerne do projeto Melhorando o manejo da pastagem como solução baseada na natureza para sequestro de carbono no solo no Brasil. O estudo está sendo desenvolvido no âmbito do Research Centre for Greenhouse Gas Innovation (RCGI), centro de pesquisa financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pela Shell.
“No Acordo de Paris, durante a COP21 [Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas], em 2015, o país se comprometeu, dentre outras medidas, a recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas, o que, inclusive já aconteceu. Porém esse é um número baixo se pensarmos que cerca de 50 por cento dos pastos permanecem em algum grau de degradação”, diz o engenheiro agrônomo Carlos Eduardo Pellegrino Cerri, coordenador do projeto e professor da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo (ESALQ-USP).
De acordo com o especialista, pastos bem manejados podem sequestrar e estocar carbono no solo. “No projeto queremos descobrir a quanto isso pode chegar”, explica Cerri. Essas informações, diz o pesquisador, podem servir de subsídio para a elaboração de novas políticas públicas que incentivem a recuperação de pastagens, por exemplo. Ou então contribuir para a avaliação de iniciativas já existentes, como o Plano ABC -- Agricultura de Baixa Emissão de Carbono. Lançada em 2010, pelo governo federal, a proposta busca incentivar a adoção de tecnologias produtivas sustentáveis para reduzir as emissões de gases de efeito estufa pelo setor agrícola no país.
O projeto começou no ano passado e deve ser concluído até 2026. No momento, a equipe, composta por dez pesquisadores e 20 estudantes de graduação de várias partes do Brasil, além de consultores dos Estados Unidos e Reino Unido, se dedica ao trabalho de campo. “Até agora visitamos 12 localidades na região nordeste, como o município de Limoeiro do Norte, no Ceará. Em breve seguiremos para os estados de Rondônia, Mato Grosso e Tocantins”, conta Cerri. Ao todo estão previstas 47 viagens pelo país. “Vamos visitar pastagens em todas as regiões brasileiras e com variados graus de conservação”.
Segundo Cerri, a ideia é conhecer em cada localidade pelo menos uma dupla de pastos -- um deles saudável e outro, degradado. “A ideia é comparar essas duas situações. A partir de amostras de uma pastagem bem cuidada, podemos saber, por exemplo, qual é o máximo de acúmulo de carbono possível de se obter naquela região com a adoção de boas práticas de manejo”.
Em todos os lugares, os pesquisadores coletam amostras do solo, de gases do efeito estufa e de vegetação. Depois, esse material segue para o laboratório para ser analisado. “Avaliamos, por exemplo, a quantidade de carbono estocado naquela amostra de terra e como ele se comporta em profundidade de acordo com a prática de manejo. É como se fizéssemos um exame de sangue ou um raio-X daquela amostra”, explica Cerri.
Após essa fase, os pesquisadores vão aplicar modelagem para avaliar em conjunto os dados coletados por meio da bibliografia disponível e também do estudo de campo. “Vamos testar no computador diversos cenários, levando em consideração as características de cada região do Brasil”, diz Cerri. “Não adianta recomendar, por exemplo, uma gramínea que cresce nos pampas para uma pastagem situada no nordeste do país”.
O projeto integra o programa Soluções Baseadas na Natureza (cuja sigla em inglês é NBS, de Nature Based Solutions) do RCGI, também coordenado por Cerri. A iniciativa engloba outros dois projetos: Sequestro de carbono do solo por meio de sistemas agrícolas integrados, encabeçado Maurício Roberto Cherubin, e Restauração de vegetação nativa para sequestro de carbono -- Restore C, comandado por Pedro Brancalion - ambos são professores da ESALQ-USP. “São projetos em conexão com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável [ODS] estabelecidos pela Organização das Nações Unidas”, diz Cerri.
O pesquisador lembra que as pastagens exigem manutenção constante, o que implica, por exemplo, no controle efetivo de plantas daninhas e na reposição de nutrientes. “É também preciso ficar de olho na ocorrência de processos erosivos”, aponta Cerri. De acordo com o especialista, parte considerável dos pastos degradados no país está nas mãos de proprietários que não são profissionais do setor agropecuário. “No Brasil há muitos casos de pessoas que vivem em grandes centros urbanos e ao herdar uma propriedade no interior resolvem fazer um pasto para demarcar a terra, sem, contudo, acompanhar de perto o processo de criação”, relata Cerri. “Daí não tem jeito: sem cuidado, o pasto se degrada”.
Segundo o pesquisador, em um pasto saudável o rebanho bovino não precisa percorrer grandes distâncias em busca de alimento. “Dessa forma, o gado não perde energia e atinge o peso para abate em um período mais curto. Em alguns casos, esse número pode chegar a 22 meses, cerca de um ano a menos do que o padrão. Isso contribui para a redução das emissões de metano da pecuária”, prossegue Cerri. “Além disso, com uma quantidade maior de gramíneas é possível criar o mesmo número de animais em uma área menor, sem comprometer a qualidade do rebanho. Ao reduzir a área de pasto, outras culturas, como de soja, milho e arroz, podem se expandir sem lançar mão do desmatamento. É o que sempre digo: não precisamos criar mais pastagens no país, mas sim recuperar aquelas já existentes”.
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