ABCSEM realizará evento online e gratuito sobre produção de mudas de hortaliças
Viveiristas e produtores de todo o Brasil poderão participar do evento virtual, que abordará os aspectos mais atuais da produção de mudas no país
Sem ceticismos nem suspeitas, dentre as enfermidades que atingem a citricultura paulista e no restante do mundo, a leprose dos citros (LC) é uma das mais inquietantes. De caráter crônico, a LC causa lesões localizadas em folhas, ramos e frutos (Figura 1). Na ausência de um manejo adequado, os principais danos decorrem da intensa desfolha, queda dos frutos e morte progressiva das árvores afetadas. A forma prevalente da doença no Brasil é disseminada por um ácaro tenuipalpídeo, achatado, marrom-avermelhado, cujos adultos medem apenas 0,3mm. Outrora identificados como membros da espécie Brevipalpus phoenicis, foram reclassificados na espécie B. yothersi.
A LC foi originariamente descrita na Flórida no início do século 20, e a partir dos anos 1920 na Argentina, Paraguai e Brasil. Na atualidade, encontra-se na maioria dos países do continente americano, da Argentina ao México. Mesmo que indetectável nos EUA desde a década de 1960, a sua reemergência naquele país é de plausível iminência considerando o seu grau de disseminação no México. Embora considerada aparentemente restrita ao Novo Mundo, um relato de 2009 evidencia a presença da LC na África do Sul.
A LC é uma enfermidade de disseminação lenta, mas agressiva se ineficientemente controlada. Os prejuízos se devem à redução na produtividade como consequência da queda das folhas e dos frutos infetados, além da eventual seca dos ramos e a morte da planta. Todas as laranjeiras doces são altamente suscetíveis à doença, sendo os pomelos e as tangerinas mais tolerantes, uma vez que os limoeiros são aparentemente imunes. O manejo da LC baseia-se principalmente no uso de acaricidas específicos contra o ácaro vetor, o que acarreta gastos de aproximadamente 50 milhões de dólares anualmente. O uso de acaricidas é determinado pelo grau de infestação do pomar, no entanto a aplicação contínua de um dado produto pode resultar na seleção de populações de ácaros resistentes. Consequentemente, a rotação de diferentes princípios ativos torna-se indispensável, porém, em um cenário complexo onde um número crescente de princípios ativos tem sido gradualmente descontinuado devido às restrições regulatórias. Por sua vez, a poda parcial ou severa dos ramos afetados contribui para o controle da LC. Contudo, a ação é economicamente desvantajosa por requerer abundante mão de obra.
Nos últimos anos, plantios altamente tecnificados do estado de São Paulo têm vivenciado uma alta de incidência da LC. A concomitância de doenças, como o HLB (Huanglongbing ou Greening), uma enfermidade vascular bacteriana (Candidatus Liberibacter asiaticus) disseminada pelo psilídeo Diaphorina citri, a pinta-preta, causada pelo fungo Phyllosticta citricarpa (Guignarida citricarpa), e o cancro cítrico, causado pela bactéria Xanthomonas citri subsp. citri, tem requerido alterações do manejo fitossanitário da citricultura. O uso de inseticidas e fungicidas para o controle dessas outras doenças pode afetar os inimigos naturais do ácaro da leprose, favorecendo a sua reprodução. Ademais, o procedimento de misturar produtos para o controle de dois ou mais alvos na mesma operação no tanque de pulverização, em certos casos, reduz a eficiência do acaricida. Nesse contexto, as estratégias para o controle da LC estão sendo reavaliadas.
A desafiante gravidade da LC foi discutida em reunião coordenada por C.A.L. Oliveira (Unesp/Jaboticabal), celebrada em Bebedouro, São Paulo, em 1995. Após este evento organizou-se uma equipe multidisciplinar envolvendo pesquisadores nacionais (Esalq/USP, IAC, IB, Unesp, Fundecitrus, Embrapa etc.) e estrangeiros (Univ. Florida, Univ. Queensland, Univ. Okayama, Univ. Greifswald, Univ. Foggia, INRA etc.), a fim de conduzir a identificação e caracterização do vírus agente causal da LC, a sua epidemiologia e as relações vírus/vetor/hospedeiro. As pesquisas, com o apoio da Fapesp, têm trazido avanços significativos sobre o patossistema da leprose dos citros, contribuindo com o manejo da enfermidade. Como corolário, os conhecimentos gerados aplicam-se a outros vírus transmitidos por ácaros Brevipalpus (VTB), os quais possuem potencial impacto negativo no agronegócio brasileiro, por exemplo sobre culturas de café e maracujá.
O agente causal da LC prevalente no estado de São Paulo teve seu genoma revelado em 2006. Sendo um espécimen distinto dos até então identificados, o comumente reconhecido como o vírus da leprose citoplasmática foi designado oficialmente como citrus leprosis virus C (CiLV-C) pelo Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus. As características singulares do vírus, sem precedentes na escala taxonômica, levaram à criação de um novo gênero, Cilevirus, o qual além do CiLV-C agrupa outras espécies virais encontradas no Brasil e em outros países, e que afetam não apenas a cultura dos citros. Os membros do gênero Cilevirus, conjuntamente com os dos gêneros Higrevirus e Blunervirus, compõem a família Kitaviridae, cujo nome faz homenagem ao professor Elliot W. Kitajima, em função da sua contribuição aos estudos destes vírus.
A descoberta da sequência genômica de CiLV-C permitiu estabelecer um método de detecção molecular baseado na RT-PCR, tornando mais rápida e precisa a detecção viral em amostras de plantas infectadas e nos ácaros virulíferos. Ensaios moleculares têm identificado a presença de duas estirpes dentro da população de CiLV-C. Uma delas, referida como CiLV-C_CRD (de Cordeirópolis, São Paulo), encontra-se presente em todo o território brasileiro, e além das fronteiras nacionais, da Argentina ao México. A segunda, designada CiLV-C_SJP (de São José do Rio Preto), foi identificada nessa região. Estudos epidemiológicos em curso demonstram uma alta prevalência do isolado SJP no cinturão citrícola do estado de São Paulo e no Triângulo Mineiro, sugerindo que os vírus dessa estirpe possuem vantagens adaptativas.
Observações sintomatológicas, citopatológicas e ensaios moleculares comprovaram que os sintomas de LC podem ser causados por vírus de distintas naturezas. Atualmente são conhecidos vírus membros de duas espécies do gênero Cilevirus (fam. Kitaviridae) e três do gênero Dichorhavirus (fam. Rhabdoviridae).
Cilevirus: a forma mais agressiva e disseminada em todo o território brasileiro e em grande parte do continente americano é referida como do tipo citoplasmático ou leprose dos citros C (LC-C). A LC-C tem como principal agente causal o CiLV-C. Suas partículas são baciliformes e curtas, ocorrem no citoplasma em cavidades do retículo endoplasmático e a infecção resulta no aparecimento de uma inclusão vacuolada no citoplasma (Figura 2). Na Colômbia, além do CiLV-C, a LC-C também é causada pelo citrus leprosis virus C2 (CiLV-C2). Sob o ponto de vista molecular, CiLV-C2 é suficientemente distinto a CiLV-C, sendo considerado membro de uma espécie diferente à que pertence CiLV-C. Isolados de CiLV-C2 também foram detectados nos estados do Havaí e Flórida, nos EUA, infectando apenas plantas de hibisco.
Dichorhavirus: outra forma de leprose, de rara ocorrência e encontrada em regiões mais altas e com temperaturas mais amenas como Amparo, Monte Alegre do Sul, São Roque e Ibiúna, no estado de São Paulo, foi denominada de leprose dos citros do tipo nuclear (LC-N) (Figura 3). O primeiro vírus identificado como agente causal da LC-N foi o citrus leprosis virus N (CiLV-N). A infecção pelo CiLV-N resulta no surgimento de uma inclusão nuclear (viroplasma) e as partículas virais são em forma de bastonetes curtos dispersos no núcleo e no citoplasma (Figura 4). No México, Colômbia e África do Sul, constataram-se formas de LC-N (Figura 5) causadas por isolados de um vírus comumente conhecido como o agente causal da mancha da orquídea (orchid fleck virus, OFV). No México, o dichorhavírus OFV infecta não apenas laranjeiras doces, mas uma gama de plantas cítricas incluindo laranjeiras azedas, tangerineiras, pomeleiros e limoeiros. No Brasil, além do CiLV-N, foi verificada a presença de outro dichorhavírus, o citrus chlorotic spot virus (CiCSV), que causa manchas cloróticas em laranjeiras no Piauí (Figura 6). Por outro lado, análises feitas em amostras herborizadas que foram coletadas nas árvores com sintomas de LC na Flórida nos anos 1960, permitiram recuperar parte do genoma do que seria um dichorhavírus, tentativamente designado como CiLV-N0, mas presumivelmente extinto.
Os sintomas da LC causados por cile- e dichorhavírus são, grosso modo, similares, mas abrigam sutis diferenças. As lesões foliares causadas pelos cilevírus são manchas circulares a elipsoidais, de coloração verde-clara, comumente com anéis concêntricos de tecido contendo goma, podendo chegar a 20mm-30mm de diâmetro (Figura 1). Já as causadas pelos dichorhavírus são geralmente menores, com uma mancha central densa e rodeada por um halo da cor amarelo gema (Figuras 3 e 5). CiCSV, por outro lado, produz lesões verde pálido, formando bandas, que podem cobrir quase todo o limbo foliar (Figura 6).
Tanto os cile- como os dichorhavírus causadores de LC são transmitidos por ácaros tenuipalpídeos do gênero Brevipalpus. O envolvimento destes ácaros com a leprose somente foi estabelecido em 1940, na Argentina. Até recentemente a espécie B. phoenicis era reconhecida como a vetora do CiLV-C. Após a reavaliação dos critérios de identificação, em 2015, com a introdução de novos parâmetros morfológicos e uso de marcadores moleculares, os membros de B. phoenicis foram reavaliados em oito espécies, incluindo algumas descritas e outras crípticas. Houve assim a necessidade de reconsiderar as espécies que seriam vetoras da LC. A espécie B. yothersi (Figura 7) é vetora de CiLV-C e CiLV-C2, enquanto B. phoenicis sensu stricto transmite CiLV-N. As estirpes de OFV que infetam citros são transmitidas por B. californicus, assim como provavelmente CiLV-N0 era. A infecção pelo CiCSV encontra-se associada à infestação por B. aff. yothersi. Levantamentos recentes mostram que B. yothersi é a principal espécie de Brevipalpus encontrada em pomares cítricos brasileiros.
Os ácaros Brevipalpus são herbívoros e sugadores (Figura 8). Muitas espécies, inclusive aquelas envolvidas na transmissão da LC, reproduzem-se por partenogênese telítoca (fêmeas gerando fêmeas). Essas fêmeas são haploides e seriam machos se não fosse pela presença da bactéria simbionte Candidatus Cardinium, que as feminilizam. Consequentemente, a presença de machos nas populações naturais é rara, devendo ser o resultado de ovos não infectados pela bactéria. Todas as fases de desenvolvimento de Brevipalpus (larvas, proto- e deutoninfa, adultos e machos) são capazes de transmitir CiLV-C, mas a transmissão transovariana não foi detectada. A relação de CiLV-C com o ácaro é do tipo persistente, ou seja, o vírus adquirido pelo ácaro circula pelo seu corpo e é inoculado na planta junto com a saliva no processo de alimentação. Cerca de quatro horas seria o período mínimo de alimentação para aquisição do CiLV-C pelo ácaro, e aproximadamente duas horas, para sua inoculação na laranjeira, necessitando cerca de sete horas após a aquisição (período de latência) para ocorrer a infecção. No ácaro, o CiLV-C foi detectado nos espaços intercelulares. Embora aguarde uma confirmação por métodos moleculares, estas evidências sugerem que o CiLV-C não se multiplica no ácaro. Ao microscópio eletrônico, a presença dos dichorhavírus causadores da LC-N nos ácaros virulíferos, causa alterações citológicas similares àquelas das células das lesões foliares (viroplasma no núcleo e abundantes partículas virais), indicando claramente que se multiplicam no ácaro.
Embora seja conhecido que a LC tem múltiplos agentes causais, CiLV-C é ainda, de longe, o mais importante no Brasil. Contudo, sob condições favoráveis, qualquer um dos outros vírus identificados poderia se disseminar rapidamente e induzir perdas, exigindo talvez estratégias diferenciadas.
A ocorrência simultânea da LC com outras importantes doenças na citricultura causa alterações significativas no manejo fitossanitário do pomar infectado com CiLV-C. Crises econômicas e de outra natureza (Covid-19, por exemplo) contribuem negativamente para a qualidade do manejo da doença. Novos procedimentos estão em estudos para a melhoria do controle do ácaro da leprose, como o desenvolvimento do controle biológico (com ácaros predadores e fungos entomopatógenos), análise de imagens obtidas por satélites e drones, estudos sobre combinação de defensivos e de resistência do ácaro aos acaricidas disponíveis, avaliação de resistência genética em citros e híbridos, transgenia etc. Espera-se que a introdução dessas medidas em combinação com melhorias na definição de momentos críticos para aplicação de agentes químicos e no monitoramento do ácaro-vetor e da doença através do treinamento dos pragueiros possa manter controlados os agentes causais da leprose dos citros.
P.L. Ramos-González, Instituto Biológico; J. Freitas-Astúa, Instituto Biológico, Embrapa Mandioca e Fruticultura; R.B. Bassanezi, Fundecitrus, Araraquara, SP; C. Chabi-Jesus, Instituto Biológico, São Paulo, SP, Esalq/USP, Piracicaba, SP; A. D. Tassi, Instituto Biológico, Esalq/USP, Piracicaba, SP; E.W. Kitajima Esalq/USP, Piracicaba, SP
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