Formigas sacrificam larvas doentes para proteger a colônia

Pupas de operárias infectadas liberam odor que aciona desinfecção letal

03.12.2025 | 14:59 (UTC -3)
Revista Cultivar
Quando uma pupa de formiga sinaliza sua morte iminente causada por uma infecção incurável, as operárias a retiram do casulo e a desinfetam - Foto: Christopher D. Pull / ISTA
Quando uma pupa de formiga sinaliza sua morte iminente causada por uma infecção incurável, as operárias a retiram do casulo e a desinfetam - Foto: Christopher D. Pull / ISTA

Pesquisadores do Instituto de Ciência e Tecnologia da Áustria (ISTA) identificaram um mecanismo de defesa inédito em formigas da espécie Lasius neglectus. Pupas terminalmente doentes, diante de uma infecção incurável por fungos, emitem compostos químicos específicos. O odor sinaliza para operárias que há uma ameaça invisível, mas letal. Elas agem rapidamente: removem o casulo da pupa, rompem a cutícula e aplicam ácido fórmico, um potente desinfetante natural. O procedimento elimina o patógeno; e o hospedeiro.

O comportamento funciona como um sistema de alerta precoce. A comunicação entre pupa e operária ocorre antes da fase infecciosa da doença. Isso impede surtos e protege o coletivo.

Sinal químico e ação imediata

A resposta das operárias depende de dois hidrocarbonetos cuticulares: tritriacontadieno (C33:2) e tritriaconteno (C33:1). Ambos aumentam de forma significativa apenas nas pupas de operárias doentes que se encontram acompanhadas de operárias saudáveis. Isoladas, as pupas infectadas não produzem o sinal.

Os pesquisadores testaram se esse odor bastaria para ativar o comportamento de desinfecção. Para isso, extraíram os compostos de pupas infectadas e aplicaram em pupas saudáveis. A simples transferência da substância foi suficiente para provocar o “desempacotamento” e posterior desinfecção pelas operárias.

A composição do sinal é complexa. Além da quantidade total dos compostos, as operárias parecem reagir à presença de isômeros específicos. Em pupas doentes, por exemplo, a proporção do isômero 13-C33:1 aumenta consideravelmente. Outros, como o 12-C33:1, reduzem. Esse padrão detalhado, e não apenas a presença de um composto isolado, parece ser o gatilho para a resposta coletiva.

As formigas operárias organizam as crias da colônia em câmaras de ninho separadas. As larvas, que eclodiram dos ovos e requerem cuidados frequentes, são agrupadas e alimentadas regularmente. As pupas, por outro lado, não se alimentam e são protegidas da dessecação por seus casulos, necessitando apenas de inspeções ocasionais pelas operárias
As formigas operárias organizam as crias da colônia em câmaras de ninho separadas. As larvas, que eclodiram dos ovos e requerem cuidados frequentes, são agrupadas e alimentadas regularmente. As pupas, por outro lado, não se alimentam e são protegidas da dessecação por seus casulos, necessitando apenas de inspeções ocasionais pelas operárias

Altruísmo programado

As pupas não emitem o sinal logo após a infecção. Antes, tentam combater o patógeno com o sistema imune individual. Somente quando a infecção se mostra irreversível ocorre a sinalização para eliminação. Trata-se de uma forma de altruísmo programado. A pupa perde a vida, mas protege parentes com quem compartilha genes. Em termos evolutivos, aumenta sua aptidão indireta.

A pesquisadora Erika Dawson, primeira autora do estudo, afirma que esse sacrifício não é um comportamento irracional. “As pupas não reprodutivas não têm chance de gerar descendência. Seu valor adaptativo depende da sobrevivência da colônia”, afirma.

Rainhas não sinalizam

Curiosamente, o mecanismo não ocorre em pupas destinadas à realeza. Mesmo infectadas por doses mais altas do fungo Metarhizium brunneum, elas não alteram o perfil químico e não sinalizam. No entanto, também não colocam o formigueiro em risco. Isso porque possuem uma resposta imune mais eficiente. Dados do estudo mostram que, após um pico de infecção, as pupas de rainha reduzem a carga fúngica em até três vezes -- o oposto das pupas de operárias, cuja infecção apenas progride.

Essa diferença indica que o sistema de alerta depende do fracasso imunológico, e não apenas da presença do patógeno.

Superorganismo com sistema imunológico coletivo

A estrutura social das formigas se assemelha ao funcionamento de um organismo multicelular. Rainhas geram descendentes. Operárias cuidam da manutenção. Cada indivíduo desempenha uma função interdependente. Nesse modelo, a “imunidade social” emerge como mecanismo coletivo. Assim como células infectadas em um corpo humano emitem sinais para atrair fagócitos, pupas irrecuperáveis emitem odores que convocam operárias para a eliminação controlada.

Esse sistema não age de forma indiscriminada. Pupas com potencial de recuperação não são sacrificadas. Segundo Sylvia Cremer, líder do grupo de pesquisa, essa precisão evita perdas desnecessárias e reforça a eficiência do sistema. “A colônia age com base em sinais confiáveis. Só elimina o que realmente ameaça o coletivo.”

Outras informações em doi.org/10.1038/s41467-025-66175-z

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