Experimentos do tipo FACE (Free Air CO2 Enrichment) permitem estudar no campo o efeito do aumento de gás carbônico (CO2) na atmosfera sobre o desenvolvimento de plantas, o que abre uma gama de possibilidades para prospecção, avaliação e proposição de medidas de mitigação e adaptação.
Na América Latina, em clima tropical, o primeiro experimento desse tipo foi instalado na Embrapa Meio Ambiente (Jaguariúna, SP), para avaliar as alterações provenientes do aumento de CO2 na cultura do café. É também o único no mundo com essa cultura. A escolha se deve pela importância da cafeicultura no Brasil, como uma mercadoria comercializada globalmente e devido às preocupações crescentes em relação vulnerabilidade da cultura associada às alterações do clima.
A implantação do experimento, em uma área de 7ha de café da espécie Arábica (Coffea arabica), foi viabilizada pelo projeto Impactos das mudanças climáticas globais sobre problemas fitossanitários - Climapest, financiado pela Embrapa, e começou a operar em 25 de agosto de 2011. Uma equipe multidisciplinar e interinstitucional, com pesquisadores e técnicos da Embrapa, do Cena/USP, da Universidade Federal de Lavras, do Instituto Botânico de São Paulo, do Instituto Biológico de São Paulo e do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), foi a responsável por conduzir os trabalhos.
Para avaliação dos efeitos da atmosfera enriquecida com CO2 sobre as plantas, foram implantadas doze parcelas (anéis) com 10 m de diâmetro cada, distribuídos na lavoura. Seis anéis foram dimensionados para injeção de CO2 em concentração 200 ppm acima da atual, mantidas nos outros seis anéis. Dentro das parcelas, foram plantadas de forma intercalada duas variedades do café Arábica, o cultivar Catuaí Vermelho IAC-144 (porte baixo, internódios curtos e suscetível à ferrugem) e o cultivar Obatã (porte baixo, internódios curtos e altamente resistente à ferrugem, exigente em nutrição e mais sensível à seca do que a cultivar Catuaí), seguindo sistema convencional de plantio.
A Embrapa Instrumentação (São Carlos, SP) desenvolveu os dispositivos para controle de fluxo e injeção do CO2, bem como o software para gerenciamento de base de dados. Uma rede de sensores sem fio também foi implementada para otimizar a distribuição espaço-temporal do CO2 dentro dos anéis. Segundo o pesquisador André Torre Neto, responsável pela instalação, “a utilização de instrumentação baseada em rede de sensores sem fio foi inovadora, abrindo um leque de possibilidades e criando competências para a aplicação da tecnologia na agricultura brasileira”. A solução tecnológica desenvolvida e implantada para monitoramento da injeção de CO2 e controle do ambiente agrícola no experimento FACE, segue o conceito do que hoje é denominado Internet das Coisas (Internet of Things, IoT, em Inglês).
A pesquisadora Katia Nechet, da Embrapa Meio Ambiente, uma das coordenadoras do estudo, e responsável pelo projeto ClimapestFACE, explica que “diante da inexistência de resultados de pesquisa sobre o efeito do CO2 nessa importante cultura, esse projeto multidisciplinar, primeiro tipo FACE da América Latina, abordou problemas fitossanitários, interações tróficas, fisiologia, nutrição e produtividade das cultivares Catuaí e Obatã, além dos atributos físicos, químicos e biológicos do solo de 2011 a 2014”.
Em relação à cultura, incrementos na taxa fotossintética, principalmente em períodos quente e úmidos, e maior eficiência do uso da água foram verificados nos tratamentos com aumento atmosférico de CO2. Esse é um aspecto importante, uma vez que é esperado que a elevação da concentração de CO2 na atmosfera torne a ocorrência de períodos de veranico mais frequentes.
O desenvolvimento das plantas foi beneficiado pelo aumento do CO2, com ganhos em altura e no diâmetro do caule, além de produtividades médias cerca de 15% superiores considerando-se a cultivar Catuaí (3 colheitas) e 12% superiores considerando-se a única colheita do cultivar Obatã. Embora a taxa fotossintética, a assimilação de carbono e a produtividade do cafeeiro tenham sido aumentados, não houve alteração nos perfis de carboidratos, fenólicos solúveis totais e lignina.
Em relação aos aspectos fitossanitários, o aumento de CO2 não alterou a ocorrência e a severidade das duas principais doenças do cafeeiro, a ferrugem e a cercosporiose. Além disso, houve redução da incidência do bicho-mineiro em períodos de pico de ocorrência da praga. Assim, os resultados iniciais indicam que o aumento de CO2 por si, não altera a ocorrência dos problemas fitossanitários atuais do café, podendo até ser desfavorável ao bicho-mineiro. Entretanto, considerando as relações ecológicas, embora o aumento de CO2 não tenha alterado a incidência de infestação do bicho-mineiro, dados parciais apontaram para menor diversidade de parasitoides dessa praga nos ambientes com concentração de CO2 elevada, o que pode comprometer o controle biológico natural da praga. Esses resultados encontram-se ainda em fase de finalização, segundo a pesquisadora Jeanne Scardini Marinho Prado, da Embrapa Meio Ambiente.
Também foi constatado o aumento da frequência de plantas daninhas C3 (principalmente Bidens pilosa/picão) em relação ao original e redução de C4 (Braquiária) nos ambientes com elevado CO2. Conforme Nilza Patrícia Ramos, pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente e responsável pela avaliação, “isso indica que há uma tendência de alteração no manejo de herbicidas, para o equilíbrio entre invasoras C3 e C4”.
A nutrição do cafeeiro também deverá ser alterada em cenário futuro de aumento do CO2 atmosférico, pois com a cultura se desenvolvendo mais e com maior produção de grãos, as exigências em K e P aumentarão. Foram verificadas reduções 8% maiores de K e 37% maiores de P no solo sob cafeeiro crescendo em ambiente com atmosfera enriquecida em CO2. Dessa forma, as doses de fertilizantes potássicos e fosfatados deverão ser aumentadas de forma a garantir a produtividade e evitar o empobrecimento do solo.
O balanço de carbono no sistema, contabilizado a partir do efeito da atmosfera enriquecida em CO2 no estoque de C do solo e nas emissões de gases do efeito estufa (CO2, N2O e CH4), proveniente dos estudos liderados pelo pesquisador Cristiano Alberto de Andrade, da Embrapa Meio Ambiente, evidenciou potencial de sequestro de C no solo. O teor de C no solo no tratamento com injeção de CO2 foi, em média, 15% superior ao verificado no solo controle, o que representou uma diferença de 2,6 t ha-1 de C. Como a emissão dos gases de efeito estufa não foi alterada, no balanço houve potencial de sequestro de 2,6 t ha-1 de C após 3 anos de cultivo do café em atmosfera com 550 ppm de CO2.
Um novo projeto, em complemento e avanço aos projetos Climapest e ClimapestFACE, tem como foco a prospecção de cenários futuros causados pelo aumento de CO2 atmosférico e disponibilidade hídrica para a cultura do café, gerando subsídios para o emprego de estratégias de adaptação e mitigação as mudanças climáticas. Esta nova fase, coordenada pela pesquisadora Ana Paula Packer, da Embrapa Meio Ambiente, prevê o monitoramento de aspectos fundamentais para a compreensão do sistema de produção, tal qual realizado nos projetos anteriores, porém incorpora o desafio de respostas de longo prazo e o trabalho com modelos de simulação para crescimento vegetal e obtenção de cenários futuros frente as mudanças climáticas, além da quantificação dos impactos ambientais utilizando análise de ciclo de vida (ACV). Atributos de solo, produtividade das plantas e ocorrência de pragas e doenças serão monitorados para gerar recomendações sobre o manejo da cultura.
No entanto, a compreensão do processo de sequestro de C nesta nova proposta disponibilizará informações sobre a estabilidade do C no compartimento edáfico, o que permitirá concluir sobre a reversibilidade ou não do processo e caracterizar mais detalhadamente o sequestro de C. Há que se observar que o cafeeiro é uma planta de ciclo fotossintético C3 e a abordagem da proposta, com resultados inter-relacionados de fisiologia e bioquímica da planta, balanço de carbono no sistema (estoque de C e emissões de GEE) e modelagens sinalizará em direção ao futuro sobre o que se esperar com relação aos impactos do aumento do CO2 atmosférico e variações na disponibilidade hídrica em termos de uso da terra para produção de outras culturas de mesmo ciclo fotossintético.
Pretende-se ao final da pesquisa preparar o setor cafeeiro nacional para enfrentar desafios futuros com relação a produção de café com eficiência e qualidade, além de gerar informações básicas sobre os processos biológicos e físico-químicos envolvidos. Segundo Packer, “a continuidade dos estudos no experimento FACE é de crucial importância para a consolidação dos resultados obtidos nesses primeiros cinco anos. A proposta está pronta e amadurecida, entretanto encontra dificuldade na obtenção de financiamento, considerando o período de dificuldades que se encontra o país, uma vez que demanda recursos financeiros relativamente elevados”.