Entrevista: “O agronegócio é uma questão de Estado”

17.09.2009 | 20:59 (UTC -3)

Em entrevista, a senadora pelo Tocantins Kátia Abreu, presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), aponta propostas e soluções para aumentar a produtividade no campo, profissionalizar a agricultura e alinhar interesses agrícolas à preservação do meio ambiente.

Qual é a situação atual da agricultura brasileira? Em qual segmento a senhora acha que o agronegócio se destaca hoje?

O agronegócio representa 26,46% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, emprega 37% da força de trabalho e responde por 36,3% das exportações nacionais. Em 2008, as vendas externas do setor registraram US$ 71,8 bilhões, com saldo de US$ 59,9 bilhões no período. Esse desempenho nas exportações é que tem contribuído para a geração de superávits na balança comercial brasileira. Hoje, o Brasil ocupa o posto de maior exportador mundial de açúcar, café, suco de laranja e fumo. É o segundo maior exportador do complexo de soja, carne bovina e álcool; o terceiro em exportação de frango e milho; e o quarto em carne suína. A participação brasileira no comércio mundial chega a 68% no caso do suco de laranja e do álcool e a 62% no açúcar.

O que esperar da agricultura brasileira nos próximos anos

?

As estimativas para a agricultura mundial até 2016 indicam que o Brasil tem tudo para avançar na produção. As exportações agrícolas podem garantir o crescimento, apesar da crise. Estimativas confiáveis apontam que, em 10 anos, a produção aumentará em mais de 54%, e o País responderá por 38% da produção mundial. A expansão ocorrerá graças ao aumento da produtividade, como da área plantada. Na prática, significa que o Brasil poderá ter 41% do mercado, frente aos 30% de que dispõe hoje. Como prova a história da economia brasileira e como sinalizam as projeções, não estamos falando de qualquer setor. O agronegócio é uma questão de Estado.

O que falta para o Brasil se destacar ainda mais no agronegócio internacional? Quais obstáculos devem ser superados pela agricultura brasileira?

No plano interno, pretendo mudar a imagem negativa que a sociedade ainda tem dos produtores, vistos por muitos, de forma equivocada, como eternos dependentes de favores financeiros do Governo e sistemáticos descumpridores da legislação trabalhista. Na verdade, aplica-se à atividade rural uma legislação trabalhista inadequada, feita para o trabalho urbano, que admite apenas vínculo empregatício de natureza contínua. É um regime de contratação de mão-de-obra particularmente inadequado e prejudicial à atividade rural, caracterizada por trabalho sazonal e, em muitos casos, de curta duração. Temos, no entanto, de cumprir rigorosamente todas as exigências legais.

As peculiaridades do setor agrícola — relativas objetivamente ao abastecimento, segurança alimentar e até mesmo à segurança de Estado — devem ser equacionadas por políticas próprias de incentivos e compensações transparentes, sem caráter protecionista ou paternalista. No Brasil, infelizmente, a carga tributária segue na contramão, onerando a produção de alimentos com impostos e contribuições da ordem de 16,9% - bem maior que o total de tributos pagos nos Estados Unidos (0,7%) e três vezes mais que os 5,1% que incidem na cadeia de produtos alimentares da Europa. Temos de participar desse debate com o Governo. Além de discutir regime tributário, leis trabalhistas e ambientais, temos de debater ainda a expansão e a melhoria dos sistemas de armazenamento e escoamento da produção, para preservar a competitividade do agronegócio brasileiro.

Qual o perfil do agricultor brasileiro?

Uma agropecuária com a dimensão da nossa abriga muitos perfis de agricultores. Certamente, o produtor que está no Centro-Oeste, utilizando modernas tecnologias, produzindo em escala e com alta taxa de produtividade, não é o mesmo que cultiva áreas menores, em regiões mais pobres. Esta diversidade gera, também, a necessidade de políticas diferenciadas para cada um destes perfis. Daí a importância de se reconhecer as características regionais, as necessidades de cada um dos segmentos de produtores, para que todos produzam bem, gerenciem com eficiência os seus negócios e garantam remuneração adequada aos custos de sua atividade.

Como a senhora vê a escassez de recursos para financiar a agricultura?

O sistema de financiamento do setor é regulado por uma lei de 1965, quando o Governo era responsável pela maior parte dos recursos utilizados no custeio das lavouras. Agora, o produtor precisa buscar recursos no mercado, aumentando os seus custos financeiros. Na realidade, o setor é muito mais dinâmico do que a resposta do Governo para a solução dessas demandas. Por esse motivo, a CNA está discutindo a reestruturação do crédito rural, em um grupo técnico, com os ministérios da Fazenda e da Agricultura e o Banco do Brasil. Ao final, esperamos que esse trabalho resulte em maior transparência destas operações. Queremos mais clareza quanto ao real comprometimento financeiro do produtor rural em relação ao crédito que contrata junto aos bancos, tradings e multinacionais. Hoje, o financiamento da atividade é formado por várias fontes dispersas, o que eleva o risco para quem empresta. Como conseqüência, o produtor enfrenta dificuldades de acesso ao crédito. Nossa expectativa é que a reestruturação do sistema facilite a obtenção dos financiamentos e amplie os recursos aplicados no setor.

A senhora acredita que a biotecnologia pode ser um instrumento a favor do agronegócio?

A tendência mundial é de que a biotecnologia seja o principal instrumento do que vem sendo denominado de “nova revolução verde”. A previsão é de que, em 2050, o mundo conte com nove bilhões de habitantes e, para garantir a produção dos alimentos que serão necessários, a agricultura não poderá deixar de lançar mão de tecnologias que permitam o aumento de produtividade e proporcionem o cultivo de regiões mais áridas e solos salinos. É um desafio e, ao mesmo tempo, uma oportunidade para a agropecuária.

O Brasil é um dos países que mais possuem terras a serem utilizadas para agricultura no mundo. A senhora acha que há necessidade de desmatar novas áreas para o aumento da produção de grãos ou para a pecuária?

Nosso estoque de terras para plantio e criação soma 383 milhões de hectares, chão suficiente para dobrar ou triplicar a atual produção de alimentos, dispensando definitivamente novos desmatamentos. No momento em que a comunidade internacional defende solidariedade e o fim da pobreza extrema, o Brasil é o único País que pode oferecer solução de fato para o flagelo da fome. Com disponibilidade de recursos, usando apenas a tecnologia existente e sem cortar uma só árvore da floresta, podemos garantir alimentos em quantidade suficiente para suprir as carências da maioria dos países. Acredito, aliás, que em futuro muito próximo, esta será nossa mais grandiosa contribuição ao avanço social e humano do planeta.

Senadora, como plantar mais sem desmatar?

Existem áreas suficientes para a produção; e estamos realizando um debate nacional sobre a legislação ambiental. A proposta da CNA é desmatamento zero. Acreditamos que este acordo será possível, porque hoje a produção de alimentos é expressamente proibida em 71% do território brasileiro, de acordo com o Código Florestal que está em vigor. Pela lei, sobra a fatia de 29% do País para as cidades, a infraestrutura e a produção. Estes dados, coletados pelo professor Evaristo Miranda e que estão disponíveis na página da Embrapa na internet, mostram que há necessidade de rever o Código. Para nós, do mesmo modo que é importante preservar o meio ambiente, é fundamental diminuir o número de pessoas que passam fome, aumentar e baratear a produção de alimentos, melhorar a infraestrutura e reduzir a pobreza.

Qual a proposta da CNA?

No novo Código Florestal que estamos propondo consideramos indispensável estabelecer, no artigo primeiro, a proibição explícita e taxativa de derrubada florestal em toda a extensão territorial do País. Além do desmatamento zero, queremos incluir, como o segundo ponto da nova lei, a preservação e a eventual recomposição das matas ciliares (margens dos rios, córregos, nascentes e lagoas) nos limites fixados e sustentados pela pesquisa científica. Para fazer justiça a quem preservou no passado e seguirá preservando no futuro, o terceiro ponto da proposta é a implantação dos serviços ambientais, modalidade de compensação financeira para produtores que deixam de explorar parte de suas propriedades. O quarto item é a regularização e a legalização das atuais áreas de plantio de alimentos, que ocupam 41% do território, enquanto 53% são áreas de preservação e 6% estão destinados às cidades e à infraestrutura do País.

Existe urgência para esta mudança?

A consolidação da realidade que existe hoje é essencial para impedir que a maioria dos produtores rurais continue na ilegalidade e sob risco de criminalização.

Qual o papel da CNA no cenário da agricultura brasileira?

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), entidade que reúne 27 Federações estaduais, 2.142 sindicatos rurais e mais de um milhão de produtores sindicalizados, tem papel de vanguarda na economia, uma vez que o agronegócio brasileiro representa um terço do PIB, emprega um terço da força de trabalho e responde por aproximadamente um terço das exportações nacionais. Nos últimos 40 anos, o Brasil passou de País importador para exportador de alimentos e o agronegócio é o único setor que mantém o superávit da balança comercial.

Que programas a CNA desenvolve atualmente?

Criamos uma série de programas voltados à capacitação do homem do campo e de suas famílias, por meio do nosso “S”, o SENAR, para melhorar a gestão das propriedades rurais. Outras ações estão voltadas à responsabilidade social do Sistema CNA/SENAR frente às demandas sociais do setor. Um dos programas que lançamos este ano é o CNA em Campo, que busca aproximar o nosso sistema da sociedade, para mostrar a verdadeira face do produtor, por meio do diálogo com as lideranças políticas, civis e religiosas das diversas regiões do País. Também fazem parte destes roteiros grandes reuniões com produtores e presidentes de sindicatos rurais sobre as principais teses defendidas pela CNA para resolver os maiores problemas do setor, nas áreas ambiental, fundiária, trabalhista, de infraestrutura e logística, entre outras.

Lançamos, também, o Programa de Inclusão Digital Rural, para levar o computador e a internet ao campo, capacitando o produtor ao uso eficiente das tecnologias de informação. Nesta mesma linha de eficiência da gestão do negócio rural, temos o Programa Empreendedor Rural (PER), que agora será nacionalizado. O programa Mãos que Trabalham se propõe a corrigir possíveis distorções nas relações entre patrão e empregados. Há, ainda, na vertente da responsabilidade social, o Útero é Vida – Programa de Prevenção do Câncer do Colo de Útero da Mulher Rural, com ações educativas e realização do exame Papanicolau em mulheres que vivem em comunidades carentes do meio rural.

Não esquecemos, também, que os produtores e suas famílias também precisam de lazer e criamos a Ciranda da Cultura, para proporcionar momentos culturais e eventos esportivos aos cidadãos do campo. Outros programas ainda estão em fase de estruturação, como a Pequena Empresa Rural – uso de ferramentas simples de gestão para viabilizar a pequena propriedade rural; Terra Adorada - para melhorar a qualidade de vida e a preservação ambiental no meio rural; Evolução Sindical Rural – treinamento de dirigentes e técnicos de sindicatos rurais; Trabalhador Empreendedor – capacitação de trabalhadores para o uso de ferramentas empreendedoras e obtenção de melhores resultados em suas atividades; e Com Licença Vou à Luta – para formação de mulheres proprietárias rurais na gestão da empresa rural.

Fonte e informações adicionais: Monsanto -

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