Do caju à agroindústria tropical: unidade da Embrapa completa 36 anos de atuação

A produção de água de coco envasada e do caju de mesa comercializado em feiras e supermercados são exemplos de negócios estabelecidos a partir da unidade

02.01.2024 | 15:33 (UTC -3)
Robinson Cipriano da Silva
Cajueiro-anão precoce; foto: Aliny Melo
Cajueiro-anão precoce; foto: Aliny Melo

Criada há 36 anos como Centro Nacional de Pesquisa de Caju, a Embrapa Agroindústria Tropical, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) localizada em Fortaleza-CE, impactou o crescimento de diferentes cadeias produtivas no Brasil . O extenso apanhado de contribuições inclui materiais clonais, métodos de processamento e técnicas de manejo no campo e agroindústria.

As soluções incluem 13 clones de cajueiro; cinco clones de aceroleira; duas cultivares de sapota/sapoti; uma cultivar de melão; além de orientações para manejo de diferentes culturas; avanços em técnicas de pós-colheita; rotas de processamento para obtenção de produtos de elevado padrão e aproveitamento integral das matérias-primas, mediante a geração de coprodutos.

A cajucultura é o mais potente exemplo dos resultados gerados por este centro de pesquisa. Os clones de cajueiro-anão representam o principal eixo do amplo pacote tecnológico desenvolvido para diferentes etapas do processo produtivo. Um conjunto de tecnologias que contribuíram para a transformação de uma atividade extrativista em uma complexa e sustentável cadeia produtiva.

A cocoicultura também recebeu importante contribuição. A Embrapa Agroindústria Tropical desenvolve, desde 1998, tecnologias de extração e processamento de água de coco verde e de aproveitamento de seus coprodutos, que viabilizaram a expansão da indústria brasileira de água de coco envasada. O desenvolvimento de inovações relacionadas à irrigação e aplicação de fertilizantes na cultura do coco promovem economia de recursos como água e aditivos para nutrição do fruto e controle de pragas e doenças. Na indústria, as soluções buscam produtos de maior qualidade e durabilidade, a exemplo da água de coco envasada.

Ainda na cocoicultura, tecnologias da Embrapa possibilitam o processamento integral do coco. Embora o foco mercadológico esteja na água do coco-verde, os resíduos de casca apresentam potencial para a fabricação de polímeros biodegradáveis. Rico em amido e fibras, o coproduto pode auxiliar no reforço estrutural de bioplásticos.

Inovação para cajucultura: biorrefinaria do caju

Obtidos por meio de um programa de melhoramento genético, os clones de cajueiro apresentam porte reduzido e uniformizado, e maior resistência a pragas, doenças e ao estresse hídrico - característica importante, considerando que diversas regiões de cultivo não têm condições climáticas favoráveis.

“O clone de cajueiro-anão constitui o principal ativo tecnológico gerado, proporcionando ganhos de produtividade, homogeneidade na produção, facilidade de tratos culturais e ampliação de mercado”, define Lucas Leite, pesquisador e ex-chefe geral da Unidade. O porte pequeno da árvore viabilizou, ainda, o aproveitamento do pedúnculo (parte do caju da qual se produz o suco) e abriu as portas para outro modelo de agronegócio, focado no aproveitamento integral do caju. Isso ocorre porque, no caso de pomares compostos de clones de cajueiro-anão, o fruto pode ser colhido manualmente, o que não é possível nos pomares de cajueiro comum, pois as árvores podem atingir a altura de 20 metros.

Com a colheita manual, as regiões que passaram a adotar os clones lançados pela Embrapa têm conseguido conviver melhor também com a crise por que passa o setor. Com o aproveitamento do pedúnculo, seja para o mercado de caju de mesa ou para a produção de sucos, os produtores não ficam tão suscetíveis aos baixos preços da amêndoa da castanha de caju no mercado internacional.

O aproveitamento integral do caju é a opção mais sustentável economicamente para a atividade, que pode se beneficiar com a operação em uma lógica de biorrefinaria. O incremento da renda, decorrente do aproveitamento do pedúnculo e dos resíduos, como o bagaço do caju e os resíduos da poda do cajueiro, protege os produtores do baixo preço praticado pelo mercado internacional da castanha.

No aproveitamento do pedúnculo, o primeiro produto a ser avaliado em uma produção sustentável é o caju de mesa, por apresentar maior valor de mercado. A comercialização do produto em bandejas só foi possível com a tecnologia de pós-colheita e embalagem desenvolvida pela Embrapa. Assim, o produto que só durava três dias – tempo insuficiente para ser transportado para regiões distantes da área produtora – foi ampliado, permitindo a ampliação do mercado. Hoje, é possível comprar em São Paulo frutos colhidos no Ceará. "Hoje, nós temos, aproximadamente, 21 dias para os frutos armazenados na temperatura e umidade indicada, com uso de PVC e bandejas”, explica o pesquisador Carlos Farley.

Para o aproveitamento do pedúnculo, contudo, há muitas outras rotas possíveis. As mais difundidas são a produção de sucos, cajuína e ração. A Embrapa está investindo em estudos para desenvolver produtos de alto valor agregado, como corantes, suco desodorizado, fibra, entre outros.

“A grande geração de valor dos produtos agrícolas vem da sua industrialização. Então, começar a olhar os produtos da fruticultura tropical e gerar soluções para a industrialização é o mote para a mudança”, salienta Gustavo Saavedra, chefe-geral da Embrapa Agroindústria Tropical, quanto à importância dos processos agroindustriais. Um exemplo de solução, tanto para pequenas quanto para grandes indústrias, são as minifábricas de castanha de caju, que incorporam novos avanços em equipamentos e processos. Com a produção em escala reduzida, nesse modelo são obtidas amêndoas com melhores atributos de qualidade, principalmente em sabor, cor, odor e integridade.

Na transformação do caju, como exemplo, extrai-se da amêndoa um óleo rico em ácidos graxos, fonte de ácido oleico e que pode ser utilizado em saladas e na finalização de pratos.  Além de ser benéfico à saúde, o óleo resolve um problema na indústria de processamento: a agregação de valor às amêndoas quebradas.

Do pedúnculo, se produz não somente sucos e doces. A descoberta do extrato de carotenóides, substância fonte de ativos antioxidantes e que pode ser utilizado na indústria de alimentos e fármacos, valoriza a matéria-prima. Ao final da linha de processamento do pedúnculo resta o bagaço, também transformado em novo produto: a fibra de caju desidratada.

Fibra de caju desidratada; foto: Janice Ribeiro
Fibra de caju desidratada; foto: Janice Ribeiro

A fibra de caju desidratada tem como foco gerar diferentes rotas tecnológicas para a obtenção de um ingrediente base que possa ser incorporado pela indústria alimentícia na formulação de alimentos plant-based, ou seja, integralmente à base de plantas, que mimetizem proteínas de origem animal. Gustavo Saavedra destaca que assim os co-produtos viabilizam uma nova fonte de receita para as indústrias e promovem a sustentabilidade: “Isso traz sustentabilidade aos sistemas de produção, porque aquela mesma matéria-prima passa a ter outro fins”

A revitalização da cajucultura no nordeste

O desenvolvimento do cajueiro anão-precoce impulsionou a atividade no Nordeste, em especial nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Piauí. O Rio Grande do Norte se destacou na organização e crescimento do setor. Entre 2012 e 2017 o estado registrou uma seca severa que impossibilitou o plantio de várias culturas e sentenciou à morte os antigos cajueiros existentes. Diante disso, a Embrapa Agroindústria Tropical e diversas instituições do estado uniram-se para desenvolver estratégias de recuperação.

Para além da criação de novos viveiros, capacitações, consultorias para os produtores e missões técnicas, o fator transformador do cenário na região foi a adoção de clones de cajueiro-anão. “A Embrapa Agroindústria Tropical é extremamente importante no desenvolvimento das tecnologias de inovação para a cajucultura, desenvolvendo novos clones, como o BRS 555”, destaca Franco Marinho, gestor de Fruticultura do Sebrae-RN.

No município de Severiano Melo, polo mais importante da cajucultura no RN, o rendimento médio das áreas cultivadas para castanha de caju estagnou em 43 kg/ha no ano de 2012. Uma década depois, o cenário se transformou com a adoção dos clones de cajueiro-anão, que produzem mais em menores áreas. Em 2022, o rendimento subiu para 487 kg/ha, como revelam os dados do Levantamento da Produção Agrícola Municipal (PAM-IBGE).

Com a efetiva realização dessas ações, o cenário mostra-se otimista quando avaliada a produção de castanha de caju no estado. Sendo o principal produto da cadeia, a produção de castanha de caju até outubro de 2023 foi 16,4% maior que no mesmo período do ano anterior, como revela o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola, do IBGE. Em 2023, a produção de 19,3 mil toneladas superou o quantitativo obtido em 2022, de 16,6 mil toneladas.

Além disso, a implantação de novas tecnologias clonais culminou no aumento do rendimento médio. Em 2022, cada hectare plantado produziu 352 kg de castanha de caju. Neste ano, o rendimento subiu para 399 kg/ha, um aumento de 13,3%.

História remonta campo experimental de Pacajus

A criação da Embrapa Agroindústria Tropical está intimamente relacionada à cultura do caju e tem antecedentes na Estação Experimental de Pacajus. Em 1974, o equipamento foi cedido à extinta Empresa de Pesquisa Agropecuária do Ceará (EPACE), originando a Unidade de Execução de Pesquisa de Âmbito Estadual de Pacajus (UEPAE Pacajus). Pouco mais de uma década depois, em 1987, a estrutura foi incorporada à Embrapa, tornando-se o Centro Nacional de Pesquisa de Caju (CNPCa).

Foi a Estação experimental de Pacajus, então UEPAE, que lançou em 1983 o primeiro clone de cajueiro-anão, o CCP 76. A pesquisa em torno dos clones de cajueiro-anão continuou com a Embrapa, desde o CNPCa e prosseguiu com a Embrapa Agroindústria Tropical. Em 1993 a missão do centro foi ampliada, passando a incorporar outras diversas cadeias produtivas, com foco na agroindustrialização. Assim, a Unidade passou a se chamar Embrapa Agroindústria Tropical, contemplando o processamento de matérias-primas tropicais.

“A partir dessa nova configuração a agenda da Unidade foi ampliada. O caju continuou como carro-chefe, porém demandas envolvendo matérias-primas de relevância para a agroindústria tropical passaram a ser atendidas. A exemplo, do coco-anão, acerola, melão e outros”, ressalta o pesquisador Lucas Leite.

A criação do Laboratório Multiusuário de Química de Produtos Naturais, do Laboratório de Tecnologia da Biomassa, do Laboratório de Embalagem de Alimentos, bem como a reestruturação do Laboratório de Processos Agroindustriais foram possibilitados por esse incentivo. Assim, estabeleceu-se um novo patamar no perfil da agenda de estudos e pesquisas na Unidade.

Em quase quatro décadas, a Embrapa Agroindústria Tropical carrega um importante papel para as atividades agrícolas no Nordeste. No âmbito estadual, a Unidade contribuiu para a transformação da agricultura familiar, responsável por 67% dos gêneros alimentícios que chegam à mesa dos brasileiros, e fomentar parcerias com a iniciativa público-privada.

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