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É possível que um vinho da variedade tinta Syrah apresente características distintas, numa mesma área de produção, sob as mesmas condições de manejo e colheita? A resposta a essa pergunta veio por meio da ciência, com a aplicação da Agricultura de Precisão, por duas vinícolas no interior de São Paulo que elaboram os chamados vinhos de inverno.
Enólogos, pesquisadores e proprietários da Terras Altas (Ribeirão Preto) e da Casa Verrone (Itobi) se reuniram para degustar vinhos da safra 2021, produzidos em áreas de 1,1 e 1,2 hectares, respectivamente. A Embrapa Instrumentação (São Carlos) desenvolve projetos de vitivinicultura de precisão nos dois locais, cujos vinhedos foram divididos em duas zonas de manejo.
“Este ano, com o que a gente provou, deu para perceber uma diferença muito maior ainda (em relação à safra 2020), o que dá a interpretação de que aquilo que posso corrigir para melhorar um vinho de alta gama, eu posso fazer através da agricultura de alta precisão, ou seja, é uma coisa extremamente importante, que a gente vai usar a partir do ano que vem já”, avalia Márcio Verrone, proprietário da vinícola que leva o nome da família.
A pesquisa, em parceria com a Faculdade de Ciências Agronômicas (FCA) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Botucatu e o Núcleo Tecnológico da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig Uva e Vinho), de Caldas, já havia constatado a variação dos atributos do solo e da planta em pequenas áreas dos vinhedos, o que possibilitou a coleta seletiva das uvas.
“A constatação da variabilidade do solo e do vigor vegetativo das plantas, mesmo em áreas pequenas, e o fato que as uvas de uma parte do vinhedo apresentavam algumas diferenças quanto às suas características enológicas - em relação a outra parte do mesmo vinhedo - nos chamou a atenção para a possibilidade de obtenção de vinhos com algumas características diferentes e de interesse dos enólogos”, relata o pesquisador da Embrapa Instrumentação Luis Bassoi (foto abaixo).
“Mas era necessário que os especialistas provassem os vinhos para comprovar, na taça, essas diferenças, e também avaliarem se a utilização da Agricultura de Precisão vale a pena, se agregará valor ao produto e, consequentemente, se vai melhorar a qualidade para o consumidor”, arremata o coordenador da pesquisa.
“A gente consegue ver a diferença bem nítida entre os vinhos, no caso dos 4 talhões, das 4 áreas que a gente estava vendo (duas de cada vinícola), a questão de acidez, a questão de cor, a questão de estrutura também que o vinho pode ter”, detalha Isabela Magalhães, enóloga da Casa Verrone.
“Achei bem interessante, especialmente quando a gente avalia o vinho quimicamente e sensorialmente. Então, a gente tem os dados agronômicos, a gente tem os dados químicos do vinho, e teve muita semelhança entre a química, parâmetros de acidez, de pH, de álcool”, diz Luísa Tannure, enóloga da Terras Altas.
“Mas sensorialmente então, os sabores e aromas que a gente sente são bem diferentes, então é legal ter essa visão enológica, inclusive do consumidor, que não tem acesso à química, mas ele sabe o que está bebendo; e isso foi interessante relacionar com diferenças no campo e diferenças no nosso paladar”, acrescenta Tannure.
Antes da vinificação, a pesquisa, realizada no sistema on-farm research (diretamente nas propriedades) quantificou o vigor vegetativo das plantas por meio de um sensor, realizou medidas de condutividade elétrica aparente do solo e também, com um medidor portátil, avaliou a umidade do solo em diferentes pontos dos vinhedos.
“A gente percebe, nitidamente, uma agregação de valor pro nosso produto, que é possível ter incrementos de qualidade em relação ao vinho, através da técnica da vitivinicultura de precisão e, principalmente, quando a gente pensa em sustentabilidade, tanto da parte ambiental quanto da parte econômica do projeto, porque fazemos um tratamento individual das parcelas do vinhedo. Então, não é todo mundo tratado da mesma forma, quem responde mais recebe mais, quem responde menos recebe menos”, explica Ricardo Baldo, engenheiro agrônomo da Terras Altas.
Para o pesquisador da EPAMIG Francisco Câmara, a pesquisa pode ajudar a diversificar a produção cuja colheita ocorre na metade do ano, no sistema também conhecido como dupla poda (uma em agosto e outra entre janeiro e março, para induzir o ciclo produtivo da videira).
“Hoje, 80% do nosso vinho é Syrah, então, se a gente pensar nessa variedade que é mais produzida, a Agricultura de Precisão vem a trazer um algo a mais para que os vinhos de Syrah sejam diferenciados entre os produtores e as regiões”, comenta Câmara. Dados da Associação Nacional de Produtores de Vinho de Inverno (Anprovin) registram a produção de 500 mil garrafas por ano pelos 35 produtores associados, em 267 hectares.
E os benefícios da Vitivinicultura de Precisão não devem parar por aí. “Eu acredito que, num futuro bem próximo, ter no rótulo estampado ‘Produto produzido através da Agricultura de Precisão’ vai trazer uma agregação de valor muito grande para os nossos produtos, sem dúvida”, fala Ricardo Baldo, acrescentando que desde a primeira reunião foram feitas alterações operacionais no processo de produção, a partir dos dados da pesquisa.
Além de fazer a vinificação de forma separada, as vinícolas pretendem expandir a área de pesquisa em Agricultura de Precisão. “Sim, a ideia é já começarmos a expandir esse trabalho que vem sendo feito pela Embrapa, em parceria também com a Epamig, para começarmos a melhorar mais ainda a questão dos nossos vinhos”, informa Isabela Magalhães, que atua numa área total de 12 hectares – a Casa Verrone já ampliou o contrato de parceria com a Embrapa Instrumentação por mais dois anos.
“A partir desses dados, a gente pensa algumas intervenções na vinificação, que podem enaltecer características que a gente percebeu agora”, pondera Luísa Tannure. “A cada ano a gente vai adequando nosso sistema sendo norteados pelas pesquisas que estão sendo feitas pela Embrapa”, complementa Ricardo Baldo.
José Renato Magdalena, sócio-proprietário da Terras Altas, localizada no distrito de Bonfim Paulista, a 750 metros de altitude”, destaca a importância do uso da Agricultura de Precisão. “Eu acho que toda essa parte de pesquisa que vem sendo feita é sempre benéfica, principalmente para nós que estamos com 5, 6 anos de vida, o que para uma vinícola é quase nada. Então, essas tecnologias que estão trazendo para nós junto da Embrapa é um negócio imensurável, é de muita importância”.
Essa avaliação é corroborada por Márcio Verrone, que produz vinhos no Vale do Rio Pardo, a 850 metros de altitude, perto da divisa com Minas Gerais. “A Agricultura de Precisão vai ser, muito em breve, uma novidade muito grande no mercado (do vinho nacional), e vai realmente revolucionar. Eu vou poder trazer vinhos diferenciados do comum da colheita de inverno, eu vou poder trazer vinhos que vão ser uma gama melhor um pouco, um degrau a mais na colheita de inverno”, finaliza o produtor.
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