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Uma equipe multidisciplinar internacional com cientistas de 14 instituições comprovaram, pela primeira vez, que as plantas de milho trazidas do México para a América do Sul há mais de 6,5 mil anos eram de um tipo genético mais primitivo do que até então se acreditava. As conclusões se basearam em evidências genéticas, arqueológicas e linguísticas. Fizeram parte do trabalho a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (DF), o Museu Nacional de História Natural Smithsonian (Estados Unidos) e a Universidade de Warwick (Reino Unido).
Os resultados inéditos dessa pesquisa são relatados na edição da revista norte-americana Science, que circula a partir desta quinta-feira (13/12), em artigo intitulado “Multiproxy evidence highlights a complex evolutionary legacy of maize in South America” (Evidência multi-proxy destaca um complexo legado evolutivo do milho na América do Sul).
De acordo com os resultados, o processo de seleção e domesticação dessa espécie vegetal ainda não havia sido finalizado no México quando as variedades começaram a ser difundidas para a América do Sul, onde ocorreu a “moldagem” final do milho na região sudoeste da Amazônia. Isso significa uma revisão na história da domesticação de uma das mais importantes culturas do mundo, revelando que os agricultores mexicanos e do sudoeste da Amazônia continuaram a melhorar a cultura ao longo de milhares de anos, até que a planta fosse totalmente domesticada nessas regiões.
O relato dos cientistas aprofunda a compreensão das diferentes áreas de pesquisa a respeito da história do milho na mesa dos homens. “É a história evolutiva das plantas domesticadas em longo prazo que as torna adequadas para o ambiente humano de hoje”, declara Logan Kistler, curador de arqueogenômica e arqueobotânica do Museu Nacional de História Natural Smithsonian, principal autor do estudo. Segundo ele, entender essa história permite trazer ferramentas para avaliar o futuro do milho, enquanto o homem continua a modificar de maneira drástica o ambiente global na tentativa de aumentar a colheita para atender à crescente demanda por alimento em todo o planeta.
Do teosinto ao milho
A pesquisa revela que a história do milho começa com seu ancestral selvagem, chamado teosinto. De acordo com o artigo da Science, o teosinto tem pouca semelhança com o milho que conhecemos nos dias de hoje, pois suas espigas são pequenas e seus poucos grãos são protegidos por uma espécie de invólucro praticamente impenetrável. “De fato não conseguimos esclarecer por qual motivo as pessoas se interessavam inicialmente pelo teosinto, mas sabemos que com o tempo os agricultores foram fazendo seleções e obtendo plantas com características desejáveis, com espigas maiores e grãos mais macios, abundantes, tornando-as a cultura que é hoje”, comenta Kistler.
Durante anos, geneticistas e arqueólogos deduziram que a transformação do teosinto em milho começou nas terras baixas tropicais, atualmente o sul do México, há cerca de 9.000 anos. O teosinto, que cresce naturalmente nessa região, é mais geneticamente similar ao milho que conhecemos hoje, enquanto o teosinto de outras partes do México e da América Central é mais distante do milho, embora todos permaneçam separados da planta domesticada por centenas de genes.
Pólen antigo encontrado em sedimentos
O artigo relata também que no sudoeste da Amazônia e no litoral do Peru, o pólen microscópico e outros restos de partes de plantas que resistiram ao tempo foram encontrados em sedimentos antigos, indicando uma história de uso do milho totalmente domesticado há cerca de 6.500 anos. Com isso, os pesquisadores pensaram, a princípio, que variedades de milho totalmente domesticadas tivessem sido trazidas mais do norte pelas levas migratórias humanas. “Dessa forma, antes mesmo de fazermos esse estudo, parecia que havia somente um evento de domesticação no México e que as pessoas tinham difundido para o Sul um tipo de milho já totalmente domesticado”, comenta Logan Kistler.
Mas, há alguns anos, quando os geneticistas sequenciaram o DNA do milho de cinco mil anos encontrado no México, a história ficou mais complicada. Os resultados genéticos mostraram que eles haviam encontrado um protomilho (um milho em estágio genético entre o selvagem e o domesticado) e que seus genes eram uma mistura dos encontrados no teosinto e na planta domesticada.
No entanto, por meio do DNA arqueológico, sabe-se que essa planta ancestral já não tinha os invólucros duros em cada semente como o teosinto, mas uma palha única envolvendo a espiga, como no milho, apesar de ainda não ter adquirido outras características que fizeram do milho uma cultura amplamente conhecida.
Com isso, os cientistas tinham um mistério e, para solucioná-lo, a equipe coordenada por Kistler reconstruiu a evolução da planta. Para isso, fez uma comparação genética de mais de 100 variedades de milho moderno que crescem em todas as Américas, incluindo 40 variedades recém-sequenciadas - muitas das terras baixas da América do Sul, sub-representada em estudos anteriores.
Banco Genético da Embrapa e povos tradicionais ajudaram na solução
Muitas dessas variedades antigas foram coletadas em colaboração com agricultores indígenas e tradicionais, ao longo de muitas décadas e foram armazenados no Banco Genético da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. O pesquisador da Embrapa Fabio Oliveira Freitas conta que seu trabalho de conservação de variedades tradicionais de plantas cultivadas por índios da fronteira sul da Floresta Amazônica ajudaram a orientar a discussão de como a difusão do milho pode ter ocorrido no passado. Os genomas de 11 plantas arqueológicas, incluindo nove amostras recentemente sequenciadas, entre elas as encontradas em cavernas no norte de Minas Gerais, também fizeram parte da análise.
As equipes envolvidas mapearam as relações genéticas entre as plantas e descobriram várias linhagens distintas, cada uma com seu próprio grau de semelhança com seu ancestral comum, o teosinto. Para os cientistas os estágios finais da domesticação do milho ocorreram mais de uma vez e em mais de um local. “Os resultados mostram que o milho não tem uma história simples e que a cultura não foi formada como a conhecemos hoje”, diz Robiyn Allaby, pesquisador da Universidade de Warnick.
Os cientistas dizem que no início do estudo os dados genéticos encontrados eram intrigantes e, à medida que os diversos colaboradores começaram a integrar os dados com seus conhecimentos a respeito da história da América do Sul, a figura de como o milho pode ter se espalhado pelo continente começou a ser elucidada.
Assim, um protomilho a caminho de se tornar domesticado parece ter chegado à América do Sul pelo menos duas vezes, diz Kistler. Há 6.500 anos, a planta parcialmente domesticada chegou à região do sudoeste da Amazônia, que já era uma área de domesticação de outras espécies, onde as pessoas cultivavam arroz, mandioca e outras culturas. A planta foi provavelmente adotada como parte da agricultura local e continuou a evoluir sob influência humana até que mais tarde se tornou uma cultura totalmente domesticada.
A partir dessa região, o milho domesticado deslocou-se para o leste da Amazônia, como parte de uma expansão e intensificação da agricultura que os arqueólogos já tinham notado naquela área. Por volta de 4 mil anos, o milho se espalhou amplamente pelas terras baixas da América do Sul. Há evidências genética, linguística e arqueológica de que o cultivo do milho se expandiu para o leste uma segunda vez, a partir dos Andes em direção ao Atlântico, há cerca de mil anos.
Para o cientista da Embrapa, esses resultados realçam a importância das populações indígenas, do passado e do presente, na seleção, manutenção e difusão de plantas cultivadas, destacando a complementariedade da conservação ex situ (nos bancos de germoplasma, como o da Embrapa) e a realizada in situ on farm, feita pelos agricultores tradicionais, localmente. “Na primeira, há garantia a longo prazo e, na segunda, ocorre a manutenção do processo evolutivo vivo com todos os aspectos culturais inerentes a cada grupo humano”, detalha Freitas.
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