Cientistas descobrem como as plantas ativam seu mecanismo de sobrevivência em situações de estresse

A descoberta, segundo os autores, abre caminho para o desenvolvimento de plantas mais resistentes a condições ambientais extremas, como aquelas decorrentes das mudanças climáticas

03.02.2022 | 07:11 (UTC -3)
Fapesp

Quando plantas são submetidas a situações de estresse – como doenças, alterações extremas de temperatura, escassez de nutrientes ou de água – a concentração de oxigênio nas células vegetais diminui, induzindo um estado conhecido como hipóxia. Isso desencadeia uma cascata de reações químicas nas células que tem o objetivo de possibilitar ao organismo sobreviver às adversidades.

Em estudo publicado na revista Current Biology, pesquisadores brasileiros e britânicos demonstraram que uma proteína presente na membrana interna das mitocôndrias das plantas – a UCP1 (proteína desacopladora mitocondrial 1) – é o gatilho que dispara essa resposta à hipóxia. A descoberta, segundo os autores, abre caminho para o desenvolvimento de plantas mais resistentes a condições ambientais extremas, como aquelas decorrentes das mudanças climáticas.

A investigação foi realizada por cientistas do Centro de Pesquisa em Genômica Aplicada às Mudanças Climáticas (GCCRC) – um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) constituído por FAPESP e Embrapa na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). E contou com a participação de pesquisadores da Universidade de Nottingham, no Reino Unido.

As proteínas desacopladoras localizam-se na membrana interna da mitocôndria tanto de células animais quanto de vegetais e têm função associada à respiração celular e à produção de energia. Entretanto, quando o organismo é submetido à situação de estresse, a concentração de oxigênio nas células diminui e é acionado um mecanismo de sobrevivência. A descoberta dos sensores de oxigênio nas células humanas que ativam a resposta à hipóxia rendeu o prêmio Nobel para William Kaelin Jr., Sir Peter Ratcliffe e Gregg Semenza em 2019. As pesquisas sobre como funciona a resposta à hipóxia em células humanas têm orientado estudos voltados ao desenvolvimento de tratamentos para diversas doenças, entre elas, o câncer.

Como explicam os pesquisadores do GCCRC, os mecanismos que controlam a sinalização de oxigênio em humanos e plantas têm similaridades importantes em seu modo de ação, mas não são controlados pelas mesmas proteínas.

De acordo com Pedro Barreto, primeiro autor do artigo e bolsista de pós-doutorado da FAPESP, é muito interessante que, apesar de serem mecanismos distintos, a UCP1 é capaz de alterar a maneira como as células percebem o oxigênio em ambos os organismos, o que levanta hipóteses sobre uma função conservada dessa proteína na sinalização mitocondrial em resposta ao oxigênio intracelular.

Outro fato já conhecido pela ciência em relação à UCP1 de células animais é a abundância dessa proteína em mitocôndrias do tecido adiposo marrom de mamíferos hibernantes, como os ursos polares. Nesse caso, a proteína age na regulação da temperatura desses animais, auxiliando na produção de energia na forma de calor e mantendo-os aquecidos durante a hibernação no inverno.

No caso do metabolismo vegetal, a UCP1 parece ter um papel mais importante do que se pensava. Já era conhecida sua participação na resposta das plantas a situações de seca, frio e escassez de nutrientes.

Os pesquisadores do GCCRC e da Universidade de Nottingham conseguiram demonstrar agora que a UCP1 funciona como gatilho na ativação da resposta à hipóxia e isso explica por que plantas que expressam essa proteína em níveis elevados são mais tolerantes a uma ampla gama de estresses bióticos e abióticos.

Os pesquisadores notaram que plantas de tabaco, quando produziam altos níveis da UCP1, apresentavam alta expressão de genes responsivos a estresses, incluindo fatores de transcrição envolvidos na resposta à hipóxia. Essas plantas se tornaram tolerantes a estresses ambientais, apresentaram aumento na taxa de fotossíntese e incremento no tamanho dos frutos.

“Esse é um mecanismo geral de resposta a estresse que é induzido pela UCP1”, explica Paulo Arruda, professor da Unicamp e coautor do estudo.

Neste novo trabalho, os cientistas demonstraram que a UCP1 funciona como um interruptor da cadeia de respostas metabólicas relacionadas à resposta à hipóxia. A proteína age em um grupo específico de fatores de transcrição que tem o aminoácido cisteína em uma das extremidades.

“A proteína funciona como um sensor mitocondrial. Se tem pouco oxigênio, a UCP1 previne a oxidação da cisteína dos fatores de transcrição que controlam a resposta à hipóxia, ativando-os. Esses fatores de transcrição, quando ativados, induzem a expressão de uma ampla gama de genes codificados pelo núcleo que contribuem com a sobrevivência celular. Na presença de níveis mais elevados de oxigênio, as cisteínas terminais desses fatores de transcrição são oxidadas, e estes, desativados”, explica Arruda.

Amplas possibilidades

Além de avançar o conhecimento sobre as funções da UCP1, a descoberta abre caminhos para desenvolvimento de culturas agrícolas tolerantes aos estresses impostos pelas mudanças climáticas. Mas também traz à tona um indicativo de que as funções da UCP1 em outros eucariotos, como seres humanos, são mais amplas do que se pensava. “É um mecanismo geral e, quando você tem esses mecanismos celulares básicos que estão presentes em praticamente todos os organismos eucariotos, quer dizer que se trata de um mecanismo importante para a sobrevivência'', explica Arruda.

A presença da proteína desacopladora mitocondrial foi descoberta pelo cientista brasileiro Aníbal Vercesi e colaboradores em 2001. O médico, a quem Arruda dedica este novo trabalho, tinha a hipótese de que a presença da UCP1 em plantas poderia indicar a relação da proteína com a regulação térmica vegetal – assim como ocorre em mamíferos hibernantes – e possibilitar o desenvolvimento de plantas geneticamente modificadas resistentes ao frio. Desde então, a teoria ainda não foi confirmada, mas abriu caminhos para a investigação dessa proteína que, hoje se sabe, está presente em muitos organismos diferentes e tem apenas parte de suas funções conhecidas.

O desafio para a ciência a partir de agora é entender se essa ampla resposta à hipóxia relacionada à UCP1 em plantas também está presente em animais e de que forma ela está envolvida, por exemplo, com o desenvolvimento de câncer.

Link

O trabalho completo pode ser lido aqui.

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