Artigo - Falhas na implementação do Sistema Plantio Direto levam à degradação so solo

11.12.2008 | 21:59 (UTC -3)

Em grande parte das lavouras anuais produtoras de grãos dos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, o sistema plantio direto não está sendo adotado e conduzido de acordo com as recomendações mínimas que o viabilizou como ferramenta da agricultura conservacionista no Brasil. As conseqüências dessa negligência vêm se traduzindo em prejuízos econômicos e ambientais, que variam desde perdas de fertilizantes e corretivos, provocadas pela enxurrada, até frustrações de safra, motivadas por déficit hídrico, quando da ocorrência de pequenos períodos sem chuva. Nesse contexto, a pergunta que necessita ser respondida é: o que está acontecendo com a implementação do sistema plantio direto nos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina? Para responder a essa questão é necessário rever e comparar o que está recomendado para a plena adoção do sistema plantio direto e o que dessa recomendação está realmente sendo respeitado e praticado.

Esse tema foi foco de palestra e de discussão na VII Reunião Sul-brasileira de Ciência do Solo, promovida pelo Núcleo Regional Sul da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo nos dias 19 a 21 de novembro deste ano, na Universidade Federal de Santa Maria, em Santa Maria, RS. Participaram do evento cerca de 360 técnicos, representantes de entidades de ensino, pesquisa, assistência técnica e extensão rural, bem como de segmentos políticos e privados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.

O sistema plantio direto, introduzido no Brasil, no fim dos anos 1960, como um simples método alternativo de preparo de solo, a partir da década de 1980, passou a ser conceituado como um complexo de processos tecnológicos destinado à exploração agropecuária, considerando: mobilização de solo, apenas na linha ou cova de semeadura; manutenção permanente da cobertura do solo; e diversificação de espécies, via rotação de culturas. No início dos anos 2000, foi incorporado a esse conceito mais um processo tecnológico, o processo colher-semear, que corresponde à redução ou supressão das entressafras, mediante intensificação da rotação e/ou consorciação de culturas. É essa interação de processos tecnológicos que é recomendada para a adoção do sistema plantio direto e que apresenta potencial para imprimir caráter de sustentabilidade aos sistemas agrícolas produtivos.

Contudo, após cerca de 70 safras agrícolas da adoção do sistema plantio direto no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, observa-se, como problemas de freqüência comprometedora da estabilidade da produção agrícola: degradação do solo com aumento da densidade do solo e da resistência do solo à penetração, redução da porosidade e da taxa de infiltração de água no solo, deformação morfológica de raízes e concentração de raízes na camada superficial do solo, ocorrência de erosão, com arraste de nutrientes, fertilizantes e corretivos pela enxurrada e prematura expressão de déficit hídrico, por ocasião de pequenas estiagens. Esses problemas, certamente, resultam do descaso com a adoção plena do complexo de processos tecnológicos que compõe o sistema plantio direto, com destaque para: incipiente rotação de culturas, insuficiente cobertura de solo, pequena adição de fitomassa ao solo, manejo inadequado do sistema integração lavoura-pecuária, uso de semeadoras equipadas, exclusivamente, com discos para abrir os sulcos de semeadura, ausência de práticas mecânicas para manejo de enxurrada, abandono da semeadura em contorno, escarificação esporádica do solo sob justificativas mal fundamentadas, excessivo uso de calcário etc.

O modelo de produção predominante resume-se à soja, no verão, e pousio, no inverno, com vegetação resultante da germinação expontânea de aveia preta e/ou de azevém. Esse modelo de produção gera quantidade e qualidade de fitomassa aquém do desejado e sequer cobre o solo satisfatoriamente. A quantidade de fitomassa necessária para manter ou construir a estrutura de um solo nessa região do país é da ordem de 8 a 12 t/ha/ano. A sucessão soja/pousio vegetado com aveia preta e/ou azevém expontâneos dificilmente produz 3,5 t/ha/ano. Diante desse modelo de produção a degradação biológica, física e química do solo é evidente e progressiva.

No sistema integração lavoura-pecuária, os piquetes foram, praticamente, abandonados, e o pastejo, que deveria ser rotativo, com um máximo de três pastejos por ano na mesma área, está sendo praticado de forma contínua do outono à primavera, em pastagens paupérrimas, formadas por aveia preta e/ou azevém expontâneos, que dificilmente atingem produtividade de 1,5 t/ha de matéria seca. Essa baixa produtividade de fitomassa, associada ao pisoteio de animais, proporciona degradação física do solo, com ênfase para aumento da compactação do solo e da resistência do solo à penetração e redução da porosidade e da taxa de infiltração de água no solo. A alteração desses parâmetros físicos do solo, sem dúvida tem sido responsável pelo agravamento do déficit hídrico, não apenas pela distribuição irregular da chuva mas, também, pela baixa permeabilidade da camada subsuperficial do solo que limita o aprofundamento de raízes e a ascensão de água do subsolo às raízes das plantas dispostas superficialmente.

Por conta da praticidade, porém errônea adoção da semeadura em linha reta, e da conseqüente avaliação econômica mal dimensionada e imediatista desta operação, semeadoras equipadas com mecanismo sulcador de solo, tipo facão, se tornaram raridades. O uso de facões estreitos nas semeadoras (espessura aproximada de 1 cm), além de permitir deposição profunda dos fertilizantes (maior do que 10 cm de profundidade), favorece o aprofundamento de raízes e minimiza perdas por estiagem.

O descaso com práticas mecânicas para manejo de enxurrada tem propiciado ocorrência de erosão hídrica, com arraste de nutrientes, fertilizantes e corretivos pela enxurrada, perdas econômicas e poluição ambiental. Os sedimentos gerados pela erosão hídrica em lavouras manejadas sob sistema plantio direto são quimicamente enriquecidos por nutrientes e matéria orgânica, demonstrando, nitidamente, que na água e no solo perdidos por erosão há adubos e calcário que foram aplicados na lavoura.

O uso equivocado do penetrômetro para medir a resistência do solo à penetração tem justificado escarificações esporádicas do solo, sem produzir os efeitos esperados. Dependendo da cultura estabelecida e do regime de chuvas após a escarificação, o efeito da mobilização na estrutura do solo não dura mais do que três meses, resultando em prejuízos econômicos. O penetrômetro, que aparenta simplicidade operacional, sem calibração específica para cada tipo de solo e teor de água no solo, indiscutivelmente, não determina nível crítico de resistência do solo à penetração.

A calagem não tem obedecido as recomendações indicadas pela pesquisa. O calcário vem sendo usado como substituto de fertilizantes, e, em razão do uso em excesso, tem gerado danos físicos ao solo.

A partir dessa análise, é notório que a adoção do sistema plantio direto, como uma real ferramenta da agricultura conservacionista, é apenas rudimentar. É também notório que a implementação plena do sistema plantio direto, que demanda múltiplos processos tecnológicos veiculados e transferidos por serviços de assistência técnica e extensão rural, permanentemente capacitados, atualizados e conscientes, constitui uma realidade a ser consolidada. Em adição, é perceptível que o próprio conceito de sistema plantio direto, seja no âmbito da pesquisa, do ensino, da assistência técnica e da extensão rural, como do produtor rural, permanece sendo fragmentado e com foco reducionista. Diferenciar sistema plantio direto de semeadura direta ou de plantio direto continua sendo percepção de poucos.

Diante desse quadro, é evidente que ações orientadas à transferência de conhecimentos e de tecnologias relativas à agricultura conservacionista e à base conceitual que fundamenta o sistema plantio direto necessitam ser retomadas, fortalecidas e subsidiadas pela pesquisa e pelo ensino, mediante a implementação de programas ou projetos específicos.

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Pesquisadores da Embrapa Trigo

Contatos: (54) 3316.5800 / www.cnpt.embrapa.br

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