O alvo biológico e o sucesso da tecnologia de aplicação de bioinseticidas

Por Ricardo Antonio Polanczyk, Unesp

19.09.2024 | 15:46 (UTC -3)
<i>Helicoverpa armigera</i>
Helicoverpa armigera

Embora a agricultura intensa visando à produção de commodities tenha menos de 100 anos, várias foram as estratégias utilizadas neste período no controle de pragas agrícolas. Todas, sem exceção, utilizaram a tecnologia mais moderna no momento, por exemplo, DDT e plantas transgênicas. De fato, prometiam “livrar” os agricultores das pragas rapidamente, com máxima eficiência e baixo custo.

O cenário do século 21 evidencia que o uso dessas, e de outras estratégias, precisa ser revisto e otimizado. Apesar dos seus inúmeros benefícios, são crescentes e constantes os relatos de resistência das pragas aos pesticidas e plantas Bt, o que, muitas vezes, resulta em aumento da dose e do número de aplicações. A preocupação crescente da sociedade, a respeito dos resíduos no ambiente e nos alimentos, e seus impactos nos serviços do ecossistema (polinizadores e inimigos naturais) tem incrementado o debate sobre o manejo agrícola mais sustentável.

Os agentes de controle biológico de pragas, sejam macro (parasitoides e predadores) ou microrganismos (fungos, vírus, bactérias e nematoides) são importantes pilares dessa sustentabilidade. Embora o primeiro caso mundial de sucesso do controle biológico date de 1888, com a importação de uma joaninha pelos EUA para controle de pragas em citrus, no Brasil, somente na última década, casos de sucesso, como a strartup BUG e o uso de Bt bioinseticidas contra Helicoverpa armigera, demonstraram que o comércio desses agentes de controle pode ser uma atividade empresarial sustentável e lucrativa.

Desde então, o número de empresas que produzem agentes de controle biológico vem crescendo de forma exponencial no Brasil. Grande parte deste aumento tem como fatores determinantes o baixo custo de desenvolvimento e evolução da resistência bem mais lenta em comparação aos inseticidas convencionais e plantas Bt. Entretanto, vários desafios se fazem presentes para que o seu sucesso seja alcançado e consolidado, entre eles: melhoria nas formulações, avaliação da compatibilidade com agrotóxicos e, especialmente, a tecnologia e a aplicação.

Historicamente, no Brasil, o conhecimento do alvo biológico, ou seja, o inseto ou acaro-praga a ser controlado, tem sido desprezado em detrimento do marketing estruturado somente para o produto comercializado. Insetos possuem uma grande variabilidade genética e capacidade adaptativa, resultado de 300 milhões de anos de evolução, que resultaram na sua sobrevivência e condução ao status de maior grupo conhecido de espécies do planeta.

Isto posto, o presente artigo descreve a importância de conhecer o alvo da aplicação em termos biológicos, ecológicos e comportamentais, de forma que estas informações possam ser incorporadas à tecnologia de aplicação para maximizar o potencial de controle dos bioinseticidas. Essa estratégia é essencial para que os referidos produtos possam ser considerados um dos pilares do manejo sustentável de pragas.

Taxonomia: o caso da Helicoverpa armigera

A predominância do uso de inseticidas de amplo espectro e plantas transgênicas no controle das pragas levou à simplificação das atividades agrícolas e, por consequência, as premissas do manejo integrado de pragas, especialmente, a identificação das pragas e seu monitoramento foram relegados a um segundo plano, principalmente, devido ao seu custo e dificuldades operacionais.

Entretanto, essa situação “confortável” não perdurou devido à complexidade e instabilidade do agroecossistema. Surtos de Helicoverpa spp. foram relatados no cerrado brasileiro em 2012 e, posteriormente, em outras regiões do Brasil, com impressionantes perdas em torno de US$ 2 bilhões. Esses danos foram inicialmente atribuídos a Helicoverpa zea, praga muito comum na cultura do milho, e logo os agricultores começaram a utilizar inseticidas registrados para esta praga. Entretanto, o insucesso na adoção destes produtos ficou evidente quando novos surtos foram relatados em várias regiões do Brasil, no segundo semestre de 2013, embora as vendas de inseticidas tenham aumentado em cerca de 40% entre janeiro e julho de 2013.

Contudo, no início de 2013, pesquisadores da Embrapa coletaram esse inseto em várias localidades do Brasil e identificaram-o como Helicoverpa armigera, espécie que ainda não havia sido relatada no Brasil. Posteriormente, estudos demonstraram que a entrada desse inseto, no Brasil, ocorreu entre 2006 e 2008. A correta identificação da espécie foi primordial para viabilizar o seu controle, pois implicou na revisão dos métodos de manejo até então utilizados. Essa praga encontra-se hoje sob controle em todo Brasil.

Comportamento da praga

No posicionamento do produto biológico podem ser utilizadas informações sobre o inseto, como, por exemplo, o comportamento da espécie praga; a migração, ou mesmo, a movimentação na planta. Em estudo realizado por entomologistas da Universidade Federal de Santa Maria, foi demonstrado que o comportamento de lepidópteros-praga da soja varia durante o período noturno e diurno. A lagarta falsa-medideira (Chrysodeixis includens) prefere permanecer na parte inferior da planta durante o dia (períodos mais quentes) e durante a noite, parte das lagartas do terço mediano migram para a parte superior da planta, devido às temperaturas mais amenas. A lagarta da soja (Anticarsia gemmatalis), por sua vez, prefere a parte mediana da planta, com maior parte dos espécimes localizados na parte superior durante o dia. Mas, a espécie que apresentou diferenças mais marcantes foi a Spodoptera eridania, com a maioria das lagartas preferindo a parte inferior da planta durante o dia, enquanto à noite, a maioria delas localiza-se no terço superior da planta.

As lagartas da parte superior são um alvo mais fácil de ser atingido do que as lagartas nas partes mais inferiores da planta. A movimentação das lagartas, neste caso C. includens e S. eridania, ao longo do dia, pode ser levada em conta para decidir o melhor momento da aplicação. Ademais, a pulverização noturna de bioinseticidas pode favorecer a sua eficiência, devido a temperaturas e umidades mais amenas em comparação às condições diurnas.

Composição etária da praga

Os bioinseticidas são mais eficientes contra os primeiros instares larvais (1º e 2º) de lepidópteros praga, enquanto a partir do terceiro instar a eficiência fica reduzida em mais de 50%. Em estudo realizado com H. armigera, no Laboratório de Controle Microbiano de Artrópodes Praga da FCAV/Unesp, foi demostrado que lagartas de quinto instar (CL50 1.420 ng Cry1Ac/cm2 de dieta artificial) são 45 vezes menos suscetíveis que as de primeiro instar (CL50 31 ng Cry1Ac/cm2 de dieta artificial). Posteriormente, outro trabalho demonstrou que, para C. includens, essa diferença foi ainda maior: cerca de 400 vezes.

Em termos práticos, uma lagarta grande (a partir do terceiro instar), tem maior chance de se recuperar da infecção por um entomopatogeno como Bacillus thuringiensis (Bt), por exemplo. Para isso, seu sistema imune inicia um processo para reparar o seu intestino médio (alvo do Bt), descartando as células mortas e produzindo células novas. A ingestão de uma quantidade maior de alimento é fundamental para esta recuperação, o que pode ser traduzido em maior consumo foliar em condições de campo.

Exemplo de sucesso de monitoramento em soja

Os três aspectos acima mencionados: taxonomia, comportamento da praga e sua composição etária dependem diretamente do monitoramento para alcançar os seus objetivos. Embora oneroso e de difícil execução, existem exemplos onde ele pode ser utilizado com retorno econômico para o produtor.

A tese defendida em 2013 pelo professor Valmir Aita, da UFSM, concluiu que o monitoramento com malha amostral de 50 × 50 m para lagartas desfolhadoras pode ter viabilidade financeira. De fato, essa amostragem demonstrou que a população mais elevada de lagartas era localizada, sendo desnecessária a aplicação de inseticidas em área total. Dessa forma, o maior custo da amostragem em malha foi compensado pela economia na aplicação de inseticidas em 57%.

Deve-se destacar que, o uso de veículos aéreos não tripulados e uso de armadilhas inteligentes no monitoramento das lavouras serão instrumentos importantes que tornarão essa atividade possível em lavouras muito grandes ou de difícil acesso. A evolução dessas tecnologias nos próximos anos proporcionará um monitoramento mais detalhado em termos específicos, populacionais e comportamentais das pragas.

Considerações finais

Os cientistas têm acumulado informações preciosas para o manejo de pragas agrícolas, mas, na maioria das vezes, estas não chegam ao produtor. É preciso estreitar as relações entre os diferentes setores da atividade agrícola para que a troca de informações possibilite otimizar o uso de táticas de controle de pragas. Deve-se ressaltar que essa não é uma necessidade exclusivamente brasileira, conforme demonstrou o artigo publicado na revista Biological Conservation (https://doi.org/10.1016/j.biocon.2021.109065). Neste trabalho, um grupo de pesquisadores entrevistou cerca de 300 agricultores e cientistas na Alemanha e Áustria. Os autores enfatizaram a necessidade urgente de estreitar o diálogo entre cientistas, agricultores e empresas no que se refere às pesquisas, práticas no campo e política agrícola.

Por Ricardo Antonio Polanczyk, Unesp

Artigo publicado na edição 290 da Revista Cultivar Grandes Culturas

Dose-resposta para a toxina Cry1 Ac em diferentes estádios larvais de H. armigera, avaliada após sete dias por bioensaio de toxicidade usando o método de contaminação de superfície
Dose-resposta para a toxina Cry1 Ac em diferentes estádios larvais de H. armigera, avaliada após sete dias por bioensaio de toxicidade usando o método de contaminação de superfície

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