Antracnose em soja plantada na safrinha

Por Luís Henrique Carregal, Agro Carregal Pesquisa e Proteção de Plantas

11.09.2024 | 08:10 (UTC -3)
Foto 1
Foto 1

Nas últimas safras, além da não realização da rotação de culturas, parte dos agricultores têm realizado o cultivo da soja em condições de safrinha. Entenda-se por safrinha, a segunda época de plantio, quando normalmente seriam cultivados milho ou sorgo.

Embora a maior preocupação técnica seja com a ferrugem-asiática, a qual tem requerido várias pulverizações, verificou-se o aumento expressivo nas doenças causadas por patógenos necrotróficos, porém, com incidência desde os estádios iniciais de desenvolvimento.

Quanto maior o inóculo inicial, maior será a probabilidade de incidência precoce de doenças, maiores poderão ser os danos causados e os custos com controle, o qual é comumente realizado com a aplicação de fungicidas.

Dentre as várias doenças incidentes na cultura, a antracnose, causada pelo fungo Colletotrichum truncatum, tem ocorrido em diferentes regiões do país, sendo mais importante em locais com temperaturas acima de 26ºC e altos índices pluviométricos. Trabalhos conduzidos por Klingelfuss e Yorinori (2001) demostram que Colletotrichum truncatum foi um dos fungos necrotróficos presente na maioria das amostras de folíolos e hastes coletadas a campo, mesmo quando não havia sintomas aparentes da doença (plantas assintomáticas). Para esses autores, infecções latentes são comuns nesse patossistema e a maior colonização ocorre inicialmente na parte inferior das plantas, onde há menor incidência de raios solares e maior umidade.

Desde 1997 Dhingra e Acuña relatam que no Brasil Central tem ocorrido aumento considerável na incidência da antracnose, atingindo níveis superiores a 50%.

A doença apresenta distribuição agregada nas lavouras, popularmente denominadas como reboleiras, podendo os sintomas incidirem em toda e qualquer parte da planta, como hastes, vagens, pecíolos e nervuras foliares (foto 1). Observações a campo e em experimentos conduzidos pela Agro Carregal têm sugerido que quando Colletotrichum é o agente causador da doença, os sintomas são observados em pelo menos dois locais distintos (foto 2).

Foto 2
Foto 2

Sintomas que ocorrem exclusivamente em vagens e em área total não estão relacionados à antracnose. A planta de soja pode abortar vagens de forma natural por diferentes tipos de estresses, sejam estes bióticos ou abióticos, como incidência de doenças, de pragas, estresses térmicos, hídricos ou mesmo nutricionais. O fungo Colletotrichum pode apresentar uma fase saprofítica em seu ciclo, desenvolvendo-se em tecidos já lesionados. É comum identificar tal fungo em vagens que foram abortadas por outros tipos de estresse. A foto 3 ilustra a evolução dos sintomas de antracnose em vagens de soja oriundas de infecção natural pelo patógeno.

Foto 3
Foto 3

A ocorrência de forma agregada a campo se deve principalmente ao tipo de conídio e de disseminação do fungo na parte aérea da planta. Os conídios são produzidos em estruturas denominadas acérvulos, onde se encontram agregados em uma massa mucilaginosa, a qual é constituída por polissacarídeos, glicoproteínas e enzimas. As principais funções da formação de conídios nessa estrutura comumente denominada de matriz é a proteção para evitar que os conídios germinem prematuramente, além de manter sua viabilidade em períodos de baixa umidade e proteger de situações de temperaturas extremas e dos raios ultravioletas.

Pesquisas recentes têm verificado a incidência de Colletotrichum e outros fungos em amostras coletadas de plantas com suspeita da “anomalia das vagens”, principalmente no estado de Mato Grosso. As identificações têm sido realizadas tanto por análises morfológicas quanto moleculares. É importante salientar que não há definição efetiva da causa desse novo problema, mas diferentes pesquisadores têm identificado a incidência de fungos dos gêneros Colletotrichum, Phomopsis, Fusarium e Cercospora, sugerindo que esse complexo de fungos seriam os agentes etiológicos. Essa situação que os agricultores têm enfrentado nas últimas safras interfere ainda mais no rendimento da cultura, aumentando os prejuízos.

Para Manandhar e Hartman (1999), a perda causada pelo fungo pode variar de país para país e de região para região; na Tailândia é estimada entre 30 e 50% e no Brasil pode causar 100% de perdas. Trabalhos conduzidos na Universidade de Rio Verde (UniRV) desde 2002 demonstraram que, sob condições experimentais e com inoculações artificiais, as perdas relativas atingem 10 a 20%, ou seja, sendo verificadas perdas de seis a 14 sc/ha.

Segundo Silva et al. (2013), a antracnose necessita de adoção de várias práticas de controle, como tratamento de sementes (evita introdução de novas raças), adubação equilibrada (potássio tem sido importante na redução dos sintomas), rotação de culturas (redução de inóculo inicial), uso de cultivares menos suscetíveis e controle químico. A campo, a principal alternativa adotada pelos produtores está baseada no uso de fungicidas.

Conforme as principais recomendações, o controle químico deve ser iniciado de forma preventiva antes mesmo da floração ou assim que detectados os primeiros sintomas (Silva et al., 2013). Nos dias atuais, aplicações a partir dos 25 a 30 dias após a emergência têm sido mais efetivas. Mas, como ocorre para todo e qualquer ser vivo, os processos naturais de evolução fazem com que haja variabilidade genética do patógeno e a pressão de seleção exercida pelo uso constante e equivocado dos fungicidas pode selecionar indivíduos naturalmente resistentes.

Resultados publicados por Rogerio et al (2022) evidenciaram mutações no fungo Colletotrichum truncatum para resistência múltipla aos fungicidas pertencentes aos grupos químicos das estrobilurinas (mutação G143A) e benzimidazóis (mutações E198A e F200Y). Para esses autores, os grupos químicos dos triazóis e carboxamidas foram efetivos no controle in vitro dos isolados testados. Experimentos de campo realizados na Agro Carregal até a safra 2022/23 corroboram com os resultados publicados por Rogerio et al (2022).

Foto 4
Foto 4

Nos experimentos in vitro conduzidos na Agro Carregal, dentre os triazóis testados, produtos contendo difenoconazol, propiconazol e epoxiconazol destacaram-se como os mais efetivos. Dentre as carboxamidas avaliadas, benzovindiflupir também se destacou com alta eficácia de controle (foto 4). É importante salientar que nesses experimentos alguns ingredientes ativos não foram testados nas condições in vitro, como os triazóis mefentrifluconazol, flutriafol e tetraconazol; e as carboxamidas bixafen, pidiflumetofem, impirfluxam e fluindapir.

Para o manejo efetivo da doença, o agricultor deve sempre consultar um engenheiro agrônomo e manter-se atualizado com informações de qualidade.

Por Luís Henrique Carregal, Agro Carregal Pesquisa e Proteção de Plantas

Artigo publicado na edição 291 da Revista Cultivar Grandes Culturas

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