Associação de ferramentas e regulagens para escarificação invisível do solo

Por Mateus Potrich Bellé, do IFSC Campus São Carlos, Airton dos Santos Alonço, Tiago Rodrigo Francetto, Wagner Pires e Elias Prochnow, todos do Laserg - UFSM

10.09.2024 | 17:00 (UTC -3)
Foto: divulgação
Foto: divulgação

O Sistema de Plantio Direto (SPD) é um sistema de manejo conservacionista do solo que se caracteriza pela manutenção dos resíduos culturais sobre a sua superfície, menor revolvimento de solo e uso de rotação de culturas. Com estes requisitos, expandiu-se nos estados sul-brasileiros e, posteriormente, disseminou-se pelo Brasil por reduzir a erosão, o número de operações mecanizadas e o consumo de combustível, além de aumentar a matéria orgânica e manter a umidade superficial.

Para a viabilização destes efeitos é fundamental a manutenção da cobertura vegetal na superfície do solo, em quantidade e qualidade. Estudos destacam a relação inversa entre o percentual de cobertura vegetal e o transporte de sedimentos, onde a presença de cobertura em 80% ou mais, reduz, a próximo de zero, o transporte de sedimentos pelo processo erosivo em parcelas com chuva simulada. Esta importância dar-se-á pela interceptação que a palha efetua perante as gotas de chuva, minimizando a energia cinética (energia que um objeto possui devido ao seu movimento) destas e, assim, reduzindo a erodibilidade da chuva, a velocidade do escoamento superficial e o percentual de sedimentos transportados dentro do sistema.

Inúmeros estudos têm destacado a importância da cobertura vegetal no SPD. Entretanto, quando esta não se encontra em quantidade, qualidade e diversidade, associado a erros de manejo, como, por exemplo, tráfego excessivo de máquinas ou manejo inadequado de um sistema de integração lavoura-pecuária, um problema grave pode surgir: a compactação do solo. Esta impede o crescimento abundante das raízes das plantas em profundidade pela alteração da densidade, resistência à penetração e porosidade do solo. Para suprimir esse problema, estratégias como a descompactação mecânica são introduzidas, promovendo efeitos imediatos no crescimento das raízes das plantas, resultando em aumento de produtividade.

Os implementos mais utilizados para a descompactação mecânica do solo com eficiência são os que possuem hastes. Quando a camada compactada se encontra mais superficialmente, em torno de 10cm a 15cm, são os sulcadores do tipo haste para deposição de fertilizante em semeadoras-adubadoras os mais recomendados. Já em subsuperfície, até 30cm a 35cm, são os escarificadores e, além dos 35cm, os subsoladores são necessários. Entretanto, ambos apresentam limitações em condições com palha, pois por apresentarem hastes, enfrentam problemas como o "embuchamento", causado pelo arraste da palha. Em contrapartida, quando o escarificador apresenta disco de corte na frente das hastes, este reduz a incorporação de resíduos na superfície, pois fraciona a palha anteriormente à mobilização, comparando com um escarificador convencional sem disco.

Recentemente, também foram adicionados aos escarificadores rolos destorroadores para homogeneizar a superfície do solo, excessivamente rugosa após a passagem de hastes, possibilitando a semeadura subsequente. Apesar de já serem utilizadas comercialmente soluções para reduzir a rugosidade superficial e manter a palha na superfície, poucos estudos comparativos com estes princípios de solução foram realizados, cabendo ainda o desenvolvimento de novas concepções para melhorar as operações de escarificação do solo em plantio direto compactado. Desta forma, o objetivo deste trabalho foi promover diferentes combinações de ferramentas e regulagens utilizadas em escarificadores, tais como rolo destorroador e mecanismo acondicionador de palha (ferramenta inovadora desenvolvida para manter a palha na superfície), disco de corte de palha e variações na distância deste para a haste escarificadora, visando a obtenção de maiores índices de permanência da palha na superfície do solo.

Teste em campo

O experimento foi conduzido em uma área experimental localizada no campus da Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria (RS), em um Argissolo Vermelho-Amarelo. A área foi dividida em 72 parcelas de 60m² com cobertura predominante de Azevém. Como a quantidade de palha presente na área era insuficiente quanto a valores representativos de um sistema de plantio direto, foi adicionada palha extra de azevém, chegando na quantidade média de 6.494kg de MS/ha com coeficiente de variação de 7,55. A velocidade de operação média foi de 5,5km/h.

Neste trabalho, além da comparação entre as concepções, foram propostos dois estudos envolvendo o disco de corte, relacionado à presença do disco associado à haste e se, quando presente, a distância dele para a haste influencia a incorporação de palha. Esta possibilidade partiu de um diagnóstico em modelos comerciais de escarificadores, pois não há padrão ou justificativa para as regulagens adotadas, havendo distâncias de 0,30m até 1m do disco em relação à haste. Por isso, foi estabelecida a maior distância de 1m, uma distância intermediária de 0,50m e a menor de 0,01m.

O índice de permanência de palha sobre o solo foi obtido pelo método de análise de imagem, mediante o registro fotográfico da porção interna de um quadrado metálico de 0,5m2 posicionado na linha de preparo. As imagens foram editadas em um programa manipulador de imagem (Gimp 2.8) através da sobreposição de grids formados por 196 células. Para o cálculo, adaptou-se a metodologia de Cortez et al (2007) com a contabilização nas imagens das células com presença de palha após a aplicação do tratamento dentro da amostra total de 196 células, conforme equação 1.

Na Tabela 1 está apresentada a interação tripla entre os fatores.

As médias seguidas pela mesma letra maiúscula na linha, não diferem entre si pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade de erro; IPS – Índice de permanência de palha sobre o solo; SR/SMAP – Sem rolo destorroador/sem mecanismo acondicionador de palha; CR/SMAP - com rolo destorroador/sem mecanismo acondicionador de palha; CR/CMAP - com rolo destorroador/com mecanismo acondicionador de palha
As médias seguidas pela mesma letra maiúscula na linha, não diferem entre si pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade de erro; IPS – Índice de permanência de palha sobre o solo; SR/SMAP – Sem rolo destorroador/sem mecanismo acondicionador de palha; CR/SMAP - com rolo destorroador/sem mecanismo acondicionador de palha; CR/CMAP - com rolo destorroador/com mecanismo acondicionador de palha

Os maiores IPS são observados na condição com rolo destorroador e com o MAP. Além disso, quando a operação foi realizada sem o disco de corte, principalmente na condição sem rolo destorroador, a permanência de palha foi significativamente menor, destacando a importância do disco de corte na manutenção de palha sobre o solo. As distâncias de 0,50 e 1m apresentaram melhores valores em relação às condições sem disco de corte e com o disco a 0,01m de distância para a haste.

Na Tabela 2 observa-se que em média não houve diferença significativa no IPS entre as duas hastes. Já no fator distância, quando não houve disco à frente da haste ocorreu uma maior incorporação da palha em relação às demais condições, enaltecendo que a presença do disco de corte à frente das hastes favorece a manutenção de cobertura vegetal na superfície do solo após a operação. Entretanto, o menor IPS foi encontrado na menor distância (0,01) para a haste 2, reduzindo a média geral do fator Distâncias. Quando o disco está muito próximo da haste, efetua o corte da palha após já iniciada a mobilização de solo pela ponteira da haste, dificultando o corte eficiente da palha e promovendo sua incorporação.

As médias seguidas pela mesma letra, minúscula na coluna e maiúscula na linha, não diferem entre si pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade de erro
As médias seguidas pela mesma letra, minúscula na coluna e maiúscula na linha, não diferem entre si pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade de erro

Os dados encontrados no trabalho desenvolvido por Giraldello et al (2011), ao estudarem, dentre outras abordagens, o efeito de três configurações de escarificadores sobre a manutenção da palha sobre o solo, denotam que quando o implemento apresentou disco de corte alinhado à haste os melhores resultados foram obtidos. Com isso, fica evidente que o disco, ao cortar a palha na superfície, reduz por si só o "embuchamento" e a incorporação, e a escarificação quando realizada por escarificador convencional, sem disco de corte, tende a formar torrões grandes e aumentar a incorporação dos resíduos.

Na Figura 1 houve tendência de menor incorporação da palha com a adição do rolo destorroador e mecanismo acondicionador de palha, enaltecendo que essas ferramentas são importantes para operações de descompactação mecânica do solo, quando necessárias, em áreas com presença de palha.

Figura 1 – IPS para as duas hastes e nas combinações com rolo destorroador e mecanismo acondicionador de palha
Figura 1 – IPS para as duas hastes e nas combinações com rolo destorroador e mecanismo acondicionador de palha

O maior impacto do mecanismo acondicionandor de palha (MAP) na diminuição da incorporação da palha foi para a haste 2. Não houve diferença entre as duas hastes, mas conforme foi acrescentado rolo destorroador (CR/SMAP) e, por último, o rolo destorroador associado ao MAP (CR/CMAP) houve incremento no percentual de palha mantido sobre a superfície, isso em virtude do rolo destorroador efetuar o nivelamento do solo e o MAP prendê-la durante a mobilização, dificultando a sua movimentação e favorecendo a manutenção na superfície.

O IPS na condição com o mecanismo acondicionador de palha esteve elevado e similar a condições de pós-semeadura direta encontradas por Furlani et al (2004) e superiores às encontradas por Giraldello et al (2011) e Santos et al (2014), estes últimos trabalharam com implemento equipado com disco de corte e rolo destorroador apenas. Em média, a condição somente com rolo destorroador (CR/SMAP) proporcionou valores similares à condição sem essa ferramenta, mostrando que a função da mesma é de apenas executar o nivelamento do solo após a mobilização das hastes (Furlani et al, 2004).

Na Tabela 3, observa-se maior IPS na condição com o mecanismo acondicionador de palha associado ao rolo destorroador (CR/CMAP) quando o disco de corte esteve a 1m da haste, fato justificador da hipótese de que o MAP favorece a manutenção de palha na superfície, resultante do "aprisionamento" da palha junto ao solo durante a mobilização, diminuindo o seu deslocamento e reduzindo a incorporação. Isso representou redução significativa na incorporação de palha, atingindo patamares próximos de operações de semeadura direta. Cruz et al (2002) discriminou 13 requisitos importantes a serem estabelecidos para o sucesso do sistema de plantio direto e destacou a necessidade de manter, pelo menos, 80% da superfície do solo coberta por palha, reforçando o papel promissor do MAP.

As médias seguidas pela mesma letra, minúscula na coluna e maiúscula na linha, não diferem entre si pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade de erro; SR/SMAP – sem rolo destorroador/sem mecanismo acondicionador de palha; CR/SMAP - com rolo destorroador/sem mecanismo acondicionador de palha; CR/CMAP - com rolo destorroador/com mecanismo acondicionador de palha
As médias seguidas pela mesma letra, minúscula na coluna e maiúscula na linha, não diferem entre si pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade de erro; SR/SMAP – sem rolo destorroador/sem mecanismo acondicionador de palha; CR/SMAP - com rolo destorroador/sem mecanismo acondicionador de palha; CR/CMAP - com rolo destorroador/com mecanismo acondicionador de palha

O IPS nas condições apenas com disco de corte e rolo destorroador e na condição somente com as hastes, está próximo ao do trabalho de Giraldello et al (2011), que compararam escarificador com as ferramentas citadas e escarificador convencional somente com hastes. Além disso, observa-se que quando não há rolo destorroador ou Mecanismo acondicionador de palha, esta permanece em menor quantidade na superfície do solo, mas quando estas duas ferramentas estão associadas os valores apresentam-se elevados.

Theisen & Bianchi (2010) ao estudarem a exposição do solo em operação de semeadura, constataram que na linha onde há a mobilização do solo pelos mecanismos da semeadora, ocorre a maior incidência de plantas daninhas, principalmente pelo fato de não haver cobertura vegetal nestes locais. Em outro trabalho, Herzog (2003) constatou que a redução na quantidade de palha promove o surgimento de plantas daninhas em maior quantidade. Isso destaca a necessidade e a importância de manutenção da palha sobre a superfície do solo, mantendo, assim, a sustentabilidade do sistema utilizado. Com isso, o mecanismo acondicionador de palha se torna ferramenta com grande potencial para a introdução em operações de descompactação mecânica do solo no sistema de plantio direto.

Box 1

Hastes utilizadas no experimento

As hastes, o disco de corte, o rolo destorroador e o mecanismo acondicionador de palha (MAP) foram acoplados em uma estrutura porta-ferramentas móvel para possibilitar as combinações e regulagens. A haste 1 reta inclinada (Figura 2A) possui 0,035m de espessura e ângulo de ataque de 60º, e ponteira com largura de 0,055m e ângulo de ataque de 20º. A haste 2, com formato parabólico (Figura 2B) e largura de 0,03m, ponteira com ângulo de ataque de 20º e largura de 0,05m. O disco de corte utilizado é do tipo liso (Figura 2C), diâmetro de 0,46m. O rolo destorroador (Figura 2D) possui diâmetro de 0,30m, largura de 0,60m e suspensão pivotada para que exerça pressão sobre o solo. A profundidade de trabalho média de escarificação foi de 0,24m e do disco de corte, 0,05m.

Figura 2 – ferramentas utilizadas para a composição dos tratamentos
Figura 2 – ferramentas utilizadas para a composição dos tratamentos

O mecanismo acondicionandor de palha (MAP) possui duas rodas de diâmetro 0,40m e largura 0,115m com acoplamento independente, de forma que possibilite o afastamento ou a aproximação em relação à linha central de preparo do solo (Figura 2E). Cada roda possui suspensão pivotada composta por mola helicoidal com regulagem para aplicar pressão sobre a palha e o solo, e possibilitar a regulagem conforme a profundidade de trabalho (Figura 2F). As rodas foram posicionadas lateralmente e à frente das hastes com regulagem do MAP diferenciada para cada uma delas.

Box 2 

Por Mateus Potrich Bellé, do IFSC Campus São Carlos; Airton dos Santos Alonço, Tiago Rodrigo Francetto, Wagner Pires e Elias Prochnow, do Laserg - UFSM

Compartilhar

Newsletter Cultivar

Receba por e-mail as últimas notícias sobre agricultura

LS Tractor Fevereiro