Caruru resistente a herbicidas: opções para compor o manejo integrado

Por Fabiane Pinto Lamego, da Embrapa Pecuária Sul, e Marlon Ouriques Bastiani, da Três Tentos Agroindustrial

10.07.2024 | 16:22 (UTC -3)

Amaranthus hybridus, planta daninha conhecida popularmente como caruru, tem sido uma das maiores preocupações para produtores de soja do Sul do Brasil. Desde 2018, quando se confirmou a resistência ao herbicida glifosato em lavouras no Rio Grande do Sul (RS), tem-se observado incremento gradual na infestação das áreas, safra após safra. A resistência também pode se estender aos herbicidas inibidores da ALS como chlorimuron, diclosulam, imazethapyr, dentre outros, reduzindo as opções de manejo.

Com uma fisiologia que garante rápido crescimento, associada a fluxos de emergência, plantas de caruru que escapem ao controle na dessecação ou venham a emergir antes da soja, irão ter grande vantagem. Nas condições da metade Sul do RS, tem-se observado maior emergência de plântulas a partir do mês de novembro, quando as temperaturas tendem a se elevar após o período de inverno. Estudo analisando o dano econômico desta planta daninha na soja no RS, indicou perdas de produtividade da ordem de 4 a 8% por hectare (Zandona et al., 2022). 

O problema de caruru resistente ao glifosato (A. hybridus) ocorre desde 2013 na Argentina (Heap, 2023), com primeiro relato em 1996 para resistência aos herbicidas chlorimuron e imazethapyr. Mais recentemente, casos reportados em lavouras de milho e soja indicam resistência também para 2,4-D e dicamba e, ainda, fomesafem (inibidor da enzima Protox) em 2021, o que causa grande preocupação a técnicos e ao setor produtivo daquele país. Nos EUA, há registro de resistência a inibidores do FSII como atrazina, metribuzin e simazina (Heap, 2023), além do problema com o caruru gigante (A. palmeri), considerado como praga quarentenária no Brasil. Olhando o histórico destes países, perguntamos se é possível evitar que este cenário desastroso aconteça nas lavouras brasileiras? Sabemos da prática, que é possível apenas atrasar a evolução da resistência aos herbicidas. Todavia, é necessário adotar um programa de manejo integrado efetivo, ou seja, utilizar práticas associadas que envolvam ações além do controle químico.

Visando reduzir o avanço de casos de populações resistentes de caruru, a partir da produção de sementes o que aumenta o problema para a safra seguinte, alguns pontos devem ser destacados:

1 - Realizar uma boa dessecação da área onde a soja será semeada: a associação de moléculas alternativas ao glifosato torna-se importante e complementa o controle de plantas que possam já ter emergido: glifosato + saflufenacil + 2,4-D (3,0 L/ha + 50 g/ha + 1,5 L/ha) tem se mostrado uma boa alternativa, seguida de uma aplicação sequencial (10 dias após) de glufosinato de amônio (2,0 L/ha); opções que envolvam clethodim como a associação pré-formulada clethodim+fluroxypir (1,2L/ha) e glifosato (3,0L/ha) ou clethodim + glifosato + saflufenacil (0,5 L/ha + 3,0 L/ha + 70 g/ha), ambas seguidas de uma aplicação sequencial de glufosinato de amônio, mostram-se eficientes especialmente quando há relato de azevém resistente a glifosato na área, o que pode interferir no estabelecimento da soja.

2 - Utilizar herbicidas pré-emergentes: a adoção desta prática tem-se mostrado fundamental, uma vez que há limitação de opções para manejo em pós-emergência de caruru em soja (praticamente, apenas fomesafem). Bons resultados de aplicações em pré-emergência já foram observados com inibidores da Protox, Inibidores do crescimento da parte aérea, Inibidores do FS2, por exemplo e associações – flumioxazina, sulfentrazone + diuron, s-metolachlor, flumioxazina + imazethapyr, dentre outros. Todavia, a limitação que se observa no uso destes produtos está na necessidade de atingirem a região onde as sementes de caruru estejam no solo. Há necessidade de incorporação (mecânica ou irrigação/chuva) para que haja contato do produto com a camada de solo onde o banco de sementes do caruru se encontra. Especialmente na região da Campanha do RS, os meses de novembro, dezembro e janeiro tendem a ser bastante secos, com ausência de chuvas expressivas, podendo dificultar a eficiência destes produtos. Dispor de irrigação é a maior segurança de eficiência desta ferramenta.

3 - Manejo em Pós-emergência: esta ação complementa o uso de pré-emergentes. Como já comentado, há limitação em opções para caruru nesta modalidade de aplicação (praticamente fomesafem). A molécula inibidora da enzima Protox tem sido utilizada com sucesso, porém, para plantas de caruru até 10cm de altura na pós-emergência. O uso do pós-emergente controla novos fluxos emergentes de caruru. Novas tecnologias estão chegando no mercado envolvendo uso de dicamba e 2,4-D, permitindo mais opções de manejo para cultivares de soja detentoras das tecnologias em questão. No momento, apenas a tecnologia com 2,4-D permite uso em pós-emergência. Todavia, em áreas com altíssimas infestações, o uso do pré-emergente pode ainda não ser descartado, dando maior segurança e reduzindo a pressão e/ou responsabilidade sobre o pós-emergente. Cabe lembrar, que já existem relatos de resistência a 2,4-D e dicamba na Argentina.

4 - Rotação de culturas: a rotação de culturas com milho assim como com pastagens de verão (sorgo forrageiro, milheto, capim-sudão, dentre outras), permite rotacionar moléculas herbicidas,. Mecanismos de ação que envolvem a inibição do FS II (atrazina, simazina) ou da enzima HPPD (mesotrione), podem auxiliar o controle e evitar novas entradas no banco de sementes do solo. 

5 - Evitar a disseminação de sementes: a limpeza de maquinário utilizado na colheita é essencial, uma vez que a disseminação de caruru é amplamente favorecida. Estudos já avaliaram e indicam que bovinos, ovinos e pássaros podem ser dispersores de sementes de caruru viáveis, mesmo após passagem destas pelo trato digestivo destes animais. Portanto, deve-se evitar que animais em pastejo tenham contato com plantas de caruru com semente ou mesmo recebam feno contaminado com sementes. 

Além das estratégias citadas, como parte do manejo integrado, é possível praticar ações complementares, começando pelo o que vem antes da lavoura, numa visão de sistema de produção. A pecuária é uma atividade inerente à cultura gaúcha, especialmente na metade Sul do estado do RS. As áreas utilizadas para cultivo de lavouras de grãos no verão, especialmente a soja, costumam ter pastagens de azevém e/ou aveia no inverno, para engorda de bovinos de corte principalmente. Um estudo prévio realizado na Embrapa Pecuária Sul indicou que o resíduo de azevém (4,4 t/ha) pastejado de forma moderada serviu como uma importante barreira física ao caruru emergente na soja em sucessão; esta comparação foi feita ao resíduo pastejado em maior intensidade (2,5 t/ha) e também a uma área preparada para cultivo convencional da soja (Lamego et al., 2022). 

Em sistemas integrados com lavoura e pecuária, para que a lavoura em sucessão aproveite as vantagens da pecuária praticada no inverno, é fundamental adequar a taxa de lotação de animais à disponibilidade de forragem; o excesso de pastejo prejudica o crescimento do pasto além de favorecer a compactação do solo, o que prejudica a lavoura. Portanto, observar as recomendações técnicas para cada forrageira e ajustar a carga animal é essencial. Sabemos que a “palha” procedente de plantas de cobertura antecessoras à lavoura, é fundamental num sistema conservacionista como o plantio direto, de forma a preservar o solo, reter umidade, sendo inclusive barreira para a emergência de plantas daninhas. O resíduo do pastejo também pode vir a contribuir para o controle de plantas daninhas na lavoura em sucessão, em regiões onde a pecuária é praticada. 

Considerações Finais

Caruru resistente a herbicidas é um sério problema e a evolução de novos casos deve continuar a acontecer, se apenas a troca de moléculas químicas for observada. Cuidados devem ser adotados na forma de programas de manejo, visando evitar novos casos de resistência. O uso de herbicida pré-emergente para manejo de caruru resistente tem sido eficiente e importante.

Contudo, a visão do sistema de produção, envolvendo a fase anterior à lavoura, como no caso da pecuária em regiões do RS, pode favorecer o manejo integrado de caruru. Para isso, é preciso observar lotações animais que otimizem o uso do pasto e, ainda, permitam resíduo que possa fazer parte do manejo da planta daninha resistente, a ser complementado pelas demais estratégias destacadas.

*Por Fabiane Pinto Lamego (na foto), da Embrapa Pecuária Sul, e Marlon Ouriques Bastiani, da Três Tentos Agroindustrial

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