
O percevejo-verde-pequeno, Piezodorus guildinii (Westwood, 1837), representa uma das mais significativas pragas agrícolas da América do Sul, especialmente nos sistemas produtivos de soja.
Esta espécie, pertencente à família Pentatomidae, tem ganhado crescente importância econômica devido aos prejuízos causados à sojicultura, atividade fundamental para a economia brasileira e regional.
Aspectos taxonômicos
Piezodorus guildinii ocupa uma posição bem definida na hierarquia taxonômica, classificando-se no Reino Animalia, Filo Arthropoda, Classe Insecta, Ordem Hemiptera, Subordem Heteroptera, Família Pentatomidae, Subfamília Pentatominae, Tribo Pentatomini.
A espécie foi originalmente descrita por John Obadiah Westwood em 1837, recebendo o epíteto específico "guildinii" em homenagem ao naturalista Lansdown Guilding, responsável pela coleta dos primeiros espécimes nas Antilhas.
As características taxonômicas distintivas incluem antenas pentâmeras, rostro tetrâmero e escutelo triangular bem desenvolvido, típicos da família Pentatomidae. No gênero Piezodorus, destacam-se o corpo oval-alongado, cabeça mais larga que longa, olhos proeminentes e conexivo exposto além das margens dos hemiélitros. Especificamente, P. guildinii distingue-se pela coloração verde variável, pontuações finas uniformemente distribuídas, calo mediano da cabeça não elevado e tamanho corporal entre 8-11 milímetros.
Estudos moleculares recentes têm revelado complexos de espécies crípticas, sugerindo maior diversidade taxonômica do que previamente reconhecido. Análises de DNA mitocondrial e nuclear vêm contribuindo para elucidar as relações filogenéticas dentro do grupo e refinando a sistemática do gênero Piezodorus.
Características morfológicas e danos
A morfologia de P. guildinii reflete suas adaptações especializadas como fitófago sugador. O corpo pentagonal apresenta coloração verde-clara a escura, ocasionalmente amarelada, proporcionando camuflagem eficiente em seu habitat vegetal. A cabeça, mais larga que longa numa proporção de 1,5:1, porta antenas com cinco segmentos, sendo o segundo artículo o mais longo, além de olhos compostos proeminentes e ocelos pequenos avermelhados. Apresenta listra marrom-avermelhada no pronoto.
O aparelho bucal picador-sugador constitui a principal estrutura causadora de danos, composto por um rostro tetrâmero que alcança o segundo esternito abdominal e estiletes mandibulares e maxilares formando canais alimentar e salivar especializados. Este aparelho permite a perfuração precisa dos tecidos vegetais e a injeção de enzimas digestivas extraorais.
A etiologia dos danos envolve múltiplos mecanismos: dano mecânico pela perfuração dos tegumentos, dano enzimático pela injeção de proteases e amilases que degradam proteínas e amidos, dano tóxico pela introdução de toxinas salivares causando necrose localizada, e dano secundário facilitando a entrada de patógenos através dos orifícios de alimentação. Os sítios preferenciais de ataque concentram-se em vagens em desenvolvimento nos estádios R5-R7 e sementes em formação com 50-80% de umidade.
Aspectos biológicos e ciclo de vida
Piezodorus guildinii apresenta metamorfose incompleta, desenvolvendo-se através dos estágios de ovo, cinco instares ninfais e adulto. O ciclo de vida completo varia significativamente com a temperatura, durando 25-35 dias a 28°C, 40-50 dias a 22°C, e 60-80 dias a 18°C, permitindo 3-4 gerações anuais em condições favoráveis. (doi.org/10.31047/1668.298x.v18.n0.2645)
O estágio de ovo dura 5-7 dias em temperaturas ótimas, sendo depositados em massas de 5-14 ovos dispostos em fileiras duplas, preferencialmente na face inferior das folhas. Os ovos, inicialmente amarelo-claros e tornando-se rosados próximo à eclosão, representam um estágio vulnerável crucial para estratégias de controle biológico.
O desenvolvimento ninfal progride através de cinco instares durante 20-30 dias. O primeiro instar caracteriza-se pela agregação próxima à massa de ovos sem alimentação ativa, enquanto do segundo ao quinto instar ocorre dispersão e início da alimentação. A coloração ninfal varia do amarelo ao verde-claro, desenvolvendo gradualmente as características do adulto através de ecdises sucessivas a cada 3-6 dias.
A biologia reprodutiva revela aspectos comportamentais complexos. O acasalamento, precedido por corte com vibrações e liberação de feromônios, ocorre 7-10 dias após a emergência, durando de 30 minutos a várias horas. Fêmeas apresentam período pré-oviposição de 7-15 dias, fecundidade de 31 a 141 ovos ao longo da vida (doi.org/10.1201/9781315371221-8), e longevidade de 45-80 dias, superior aos machos (35-60 dias).
Ecologia e dinâmica populacional
A distribuição geográfica de P. guildinii abrange toda a região Neotropical, desde o México até a Argentina, com particular importância no Brasil em todos os estados produtores de soja. A espécie demonstra preferência por agroecossistemas de leguminosas, bordas de mata com plantas hospedeiras nativas, e ambientes com temperatura média entre 20-30°C e precipitação moderada.
A dinâmica populacional exibe padrões sazonais distintos, com picos populacionais durante os períodos reprodutivos da soja (dezembro-março) e declínio na entressafra (abril-setembro). Esta flutuação está intimamente relacionada à disponibilidade de hospedeiros adequados, condições climáticas favoráveis, e densidade de inimigos naturais.
As relações tróficas posicionam P. guildinii como herbívoro especializado, ocupando posição de consumidor primário e constituindo elo importante entre produtores primários e consumidores secundários. Os hospedeiros primários incluem soja, feijão e ervilha, enquanto hospedeiros secundários abrangem plantas daninhas das famílias Fabaceae como Desmodium, Crotalaria e Cassia. Durante períodos de escassez, a espécie busca refúgio em gramíneas e outras dicotiledôneas.
As interações ecológicas envolvem competição interespecífica com outros percevejos fitófagos como Nezara viridula e Euschistus heros, além de competição intraespecífica por recursos nutritivos e parceiros sexuais. A regulação populacional natural ocorre através de complexas redes de inimigos naturais, incluindo parasitoides de ovos (Telenomus podisi, Trissolcus basalis), predadores artrópodes e vertebrados, e patógenos como fungos entomopatogênicos.
Adaptações e estratégias de sobrevivência
P. guildinii desenvolveu notáveis adaptações comportamentais e fisiológicas para explorar eficientemente seu nicho ecológico. A migração sazonal entre hospedeiros, agregação para termorregulação, diapausa reprodutiva em condições adversas, e movimentos verticais na planta seguindo gradientes microclimáticos representam estratégias comportamentais refinadas.
Fisiologicamente, a espécie demonstra tolerância a amplas variações térmicas (5-40°C), capacidade de jejum prolongado até 15 dias, eficiência na utilização de recursos nutritivos das sementes, e resistência a compostos secundários das plantas. O sistema digestivo especializado, com produção de enzimas proteolíticas e amilolíticas, e simbiose com microorganismos para síntese de aminoácidos essenciais, otimiza a exploração de recursos vegetais. (doi.org/10.1007/s13744-019-00743-z)
A dispersão ocorre através de voo ativo de até 2-3 quilômetros e dispersão passiva pelo vento, permitindo movimentos migratórios sazonais de 10-50 quilômetros. Esta capacidade de dispersão contribui significativamente para a colonização de novas áreas de cultivo e manutenção da variabilidade genética populacional.
Impacto agroeconômico e danos
Os prejuízos causados por Piezodorus guildinii à sojicultura são multifacetados e economicamente significativos. Os danos diretos incluem redução do peso dos grãos, diminuição do poder germinativo das sementes, manchas e deformações nos grãos, e atraso na maturação da cultura. Os danos indiretos envolvem facilitação da entrada de patógenos e depreciação da qualidade comercial dos grãos.
A quantificação dos prejuízos varia geograficamente e temporalmente, dependendo da densidade populacional da praga, condições climáticas, estádio fenológico da cultura durante o ataque, e eficiência das medidas de controle implementadas. Em infestações severas, as perdas podem alcançar 20-30% da produção, representando milhões de dólares em prejuízos anuais para o agronegócio brasileiro.
Manejo integrado
O controle efetivo de P. guildinii demanda abordagem integrada combinando múltiplas estratégias. O monitoramento populacional através de amostragens sistemáticas permite a detecção precoce e tomada de decisão baseada em limiares de dano econômico. O controle biológico, utilizando parasitoides de ovos e predadores naturais, representa componente fundamental da regulação populacional sustentável.
O manejo cultural inclui rotação de culturas para quebrar ciclos populacionais, eliminação de plantas hospedeiras alternativas, e época de plantio estratégica para evitar sincronização com picos populacionais da praga. Quando necessário, o controle químico seletivo deve respeitar os níveis de dano econômico e preservar os inimigos naturais.
As perspectivas futuras incluem o desenvolvimento de cultivares resistentes, aprimoramento de métodos de controle biológico, utilização de feromônios para monitoramento e controle, e implementação de sistemas de agricultura de precisão para otimização das intervenções de manejo.
Considerações sobre mudanças climáticas
As projeções de mudanças climáticas sugerem impactos significativos na ecologia de Piezodorus guildinii. O aquecimento global pode resultar em expansão da área de distribuição, aumento no número de gerações anuais, possível sincronização com ciclos de cultivo em novas regiões, e alteração nas interações com inimigos naturais. Estes cenários demandam adaptação das estratégias de manejo e intensificação da pesquisa em ecologia de pragas. (doi.org/10.1093/jee/toad058)
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