Para nós, conservacionistas, as pastagens são consideradas protegidas contra a erosão por serem perenes e oferecerem proteção permanente contra a ação erosiva das chuvas pela cobertura do solo. A cobertura permanente do solo é a melhor proteção possível, não existe prática de controle da erosão mais eficiente. Com o solo coberto, apenas as grandes erosões podem evoluir como voçorocas ou sulcos enormes geralmente associados a drenagens mal feitas em estradas ou caminhos e rompimento ou dimensionamento incorreto de terraços. Estas, ao contrário do que o senso-comum sugere, representam um volume muito pequeno de geração de sedimentos se comparadas aos processos de erosão laminar ou em sulcos pequenos (até 2cm de profundidade), também chamada de erosão invisível. Nas voçorocas, com raras exceções, o impacto é enorme, mas restrito ao local onde elas ocorrem, que representa muito pouco da superfície total das bacias hidrográficas. A quantidade de sedimentos gerados, quando comparada àquela da parte invisível, dificilmente passa de 10%. As voçorocas ferem principalmente o ego do agricultor e têm o poder de destruir (tornar improdutiva) irreversivelmente pequena parte de sua propriedade, normalmente área menor do que aquela usada para estradas. A parte invisível da erosão é aquela que realmente tem o poder de mover sedimentos e com isto, degradar recursos hídricos, roubar a fertilidade do solo e comprometer de maneira extensiva recursos naturais (água, solo, vida silvestre). Esta parte da erosão sempre foi considerada pelos conservacionistas como sendo pouco importante quando associada às pastagens.
Preparando a introdução para uma apresentação de um simpósio, constatamos um fato que, ao nosso ver, até hoje passou desapercebido. Pedi ao colega Beto (Alberto G. O. P. Barretto, co-autor deste artigo) que fizesse um mapa da localização das pastagens no Brasil, mais para inspiração e direcionamento da discussão que viria depois, focada em aspectos conservacionistas ligado às pastagens. Quando o mapa ficou pronto, achei que o Beto estava de gozação, e falei: “Beto, tudo bem, mas brincadeira tem hora, por favor, me faça um mapa da localização das pastagens com base no Censo Agropecuário 95/96, esta fonte que você usou deve estar errada!”, tantas eram as áreas pintadas no mapa.
A história que sustenta a nossa preocupação se baseia no seguinte. As pastagens na realidade não são realmente perenes, como os conservacionistas pensam. No entanto todos os dados de que dispomos (e com os quais formamos opiniões e decidimos) sobre perda de terra e erosão em pastagens são determinados quando estas estão implantadas, estabelecidas e cobertas. Muitas vezes o manejo inadequado pode causar sua degradação levando a reforma ou renovação dos pastos. Nesta operação o solo fica completamente desprovido de qualquer proteção (cobertura) num período em que as chuvas estão se iniciando. As pastagens em renovação, na maior parte dos casos, são comparáveis às parcelas de controle das pesquisas de perda de solo (sem nenhuma cobertura, solo intensamente cultivado e pulverizado sem práticas mecânicas como terraceamento). Estas parcelas são utilizadas como referência para a erosão máxima de uma região, servindo para avaliar a eficiência de controle das opções conservacionistas. Nada disto seria um problema não fosse a enorme extensão das pastagens plantadas do Brasil.
Apesar de não haver registros precisos sobre o montante de pastagens em renovação esta área pode ser estimada a partir do Censo Agropecuário de 1995/96 (Ibege, 1998). No Mapa 1
percebemos que as pastagens ocupam extensas áreas, não sendo raro elas representarem mais da metade dos territórios municipais. As diferenças regionais são evidentes. Embora o censo Agropecuário de 1995/96 registre 178 milhões de hectares de pastagens (100 milhões plantadas e 78 milhões naturais), a área real pode ser maior, uma vez que este censo cobre apenas parte do território brasileiro (54%) e no restante, além das áreas propositadamente não incluídas no levantadas (unidades de conservação, áreas urbanas, áreas devolutas ou não ocupadas) pode haver ainda expressiva área de pastagens. Além disto, é razoável supor que os ganhos tecnológicos e de produtividade da última década tenham transformado áreas de pastagens naturais em plantadas; fato que aumenta a área em renovação. As pastagens em renovação, considerando cenários de 5, 10 e 15 anos de intervalo médio entre as reformas somariam assim 20, 10 e 7 milhões de hectares. Não sabemos exatamente a freqüência de renovação das pastagens, mas a experiência prática nos ensina que provavelmente 5 anos é um período relativamente pequeno e 15 anos relativamente grande como estimativa média. Assumindo 10 anos como sendo o melhor valor médio provável, percebemos que a área em reforma (10 milhões de hectares) é equivalente em grandeza a área cultivada de milho ou soja, as duas culturas mais plantadas no Brasil. O impacto médio anual destas áreas descobertas no início da época das chuvas seria como dizer para todos os agricultores que cultivam soja ou milho que eles abrissem mão de plantio direto, terraços ou cultivo mínimo. Seria um escândalo! Ninguém ousaria deixar impune tanta agressão aos solos, recursos hídricos e vida silvestre. No entanto, silenciosa e despercebidamente todos os anos temos 10 milhões de hectares de terras frágeis sendo reviradas e expostas à ação implacável e direta das intempéries.
As áreas com as cores verde e azul do Mapa 2(a) para milho e 2(b) para soja representam os territórios em que a área de pastagem em renovação supera aquela de milho ou soja. O valor da escala representa o número de vezes em que isto acontece (verde de 1 a 10 vezes e azul > de 10 vezes). Em todas as regiões marcadas com estas cores, as pastagens em renovação representam áreas maiores do que aquela das principais culturas anuais. A importância das pastagens em renovação em relação à erosão é maior do que das principais culturas em vários Estados. Nestas regiões o principal foco de atenção dos conservacionistas e das políticas públicas relacionadas ao tema (pesquisa, extensão, créditos ambientais) não deveriam ser as culturas e áreas agrícolas, mas sim priorizar de maneira contundente o problema de renovação das pastagens. Quantos pesquisadores ou centros de pesquisa ligados à conservação do solo no Brasil trabalham, mesmo que minimamente com pastagens? Que nós saibamos, nenhum. Quantos pesquisadores dos pastos já se preocuparam com a erosão que ocorre no período de renovação?
Muitas vezes os impactos decorrentes não são percebidos diretamente pelos pecuaristas em intervalos de tempo pequenos ou mesmo devido a dificuldade dos produtores e extensionistas identificarem sintomas iniciais da erosão. A falta de percepção é o principal mecanismo que leva à não adoção de medidas de controle.
Provavelmente os caminhos mais indicados para uma solução provavelmente passem pela intervenção pública e pela educação. A associação de pacotes tecnológicos conservacionistas para a liberação de créditos produtivos (financiamentos) e a geração e transferência de informações sobre o assunto (para produtores e técnicos) parecem ser os mais promissores. A inclusão no próximo Censo Agropecuário do IBGE de perguntas específicas sobre a renovação das pastagens, a priorização da pesquisa científica sobre o assunto, a inserção do tema nos currículos técnicos, superior e de pós-graduação e a reformulação das prioridades das políticas públicas voltadas para a conservação do solo e renovação das pastagens, são ações diretas que podem ser implementadas. Qualquer movimentação neste sentido ainda é incipiente e o caminho a ser percorrido bastante longo. O papel dos técnicos e pesquisadores na geração de conhecimento e na sua difusão para produtores e governantes com certeza será decisivo para que a inércia seja rompida. Os benefícios da produção pecuária na geração de riqueza e renda são inquestionáveis, mas não devem estar associados a impactos negativos em relação aos recursos naturais, principalmente se estes puderem ser evitados com conhecimento, criatividade e com a boa vontade de todos aqueles envolvidos na produção.
Gerd Sparovek
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Esalq/Usp
Vládia Correchel
,
Cena/Usp
Alberto G. de O. Pereira Barretto
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Engenheiro Agônomo
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