Remuneração diferenciada

Criadores que produzem animais precoces, no RS, estão conseguindo bonificação de 10% no preço de venda, em função da qualidade e maciez da carne.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Crescimento e desenvolvimento são fenômenos resultantes de uma série de transformações anatômicas e fisiológicas que ocorrem no organismo animal e que abrangem o período desde a fecundação do óvulo até o estado adulto de todas as espécies. Estas transformações são tanto do tipo quantitativo - através da multiplicação celular, como do tipo qualitativo - através da expansão celular, formação dos tecidos e órgãos.

Cabe ressaltar que as curvas de crescimento representam a distribuição do peso de animais que não foram submetidos a nenhum tipo de restrição ambiental, o que normalmente não ocorre em condições reais de crescimento, sendo estes animais influenciados pelas variações ambientais, principalmente de alimentação, impostas pela estacionalidade na produção das pastagens naturais e cultivadas.

Durante muitos anos, o peso vivo foi a medida tradicionalmente usada quando da comercialização de animais destinados ao abate. Entretanto, deve-se atentar para as imprecisões que esta poderia vir a acarretar para o produto final a ser ofertado ao consumidor. Normalmente, animais mais pesados não eram sinônimo de carne mais qualificada, chegando à dona de casa, cortes pesados, porém com qualidade bastante inferior.

Na década de 80, houve por parte da Cooperativa Industrial de Carnes e Derivados (CICADE), instalada em Bagé (RS), a primeira iniciativa de remunerar os produtores em função da qualidade das carcaças ofertadas. Iniciava-se assim a busca por animais diferenciados para atender consumidores mais exigentes, com poder aquisitivo mais elevado, e que procuravam produtos com maior qualidade. Animais machos, castrados, com até quatro dentes (2 anos), com no mínimo 210 quilos de carcaça e com gordura de cobertura não inferior a 3mm, recebiam uma bonificação de 7% sobre o seu valor final. Acrescentavam-se ainda as primeiras exportações de cortes para a cadeia de hotéis Hilton, o que viabilizava, por parte da indústria, o incentivo aos produtores para investir em suas propriedades na busca destes animais, através de melhorias nos aspectos nutricionais, genéticos e sanitários. As respostas foram imediatas. A porcentagem de novilhos abatidos com estas características, que não era superior a 2% ao ser iniciado o programa, saltou, a curto prazo, para algo ao redor de 35 - 40%.

Mesmo com algumas alterações ocorridas durante os anos 90 nos aspectos de remuneração adicional para os animais abatidos mais precocemente, os produtores que haviam se preparado para a produção deste tipo de bovino não retrocederam, pois o salto de qualidade observado em suas fazendas , como um maior desfrute, giro de capital mais rápido e melhor produção por área, eram um indicativo de que estavam no caminho certo.

Atualmente, os frigoríficos voltaram a incentivar a produção de animais precoces, com destaque para a qualidade do produto final. Animais, com no mínimo 180 quilos de carcaça, com parâmetros de idade e gordura mínima de cobertura, provenientes de raças européias ou suas sintéticas abriram nichos de mercado que se caracterizam até pela falta de matéria-prima em determinadas épocas do ano, o que viabiliza e justifica o engorde de fêmeas jovens, excedentes dos rebanhos de cria. A introdução de parâmetros como rastreabilidade, qualidade do couro, com certeza, serão os próximos passos a serem exigidos por ocasião da comercialização, com reflexos positivos no valor daqueles animais abatidos.

A produção de carne na Região Sul realiza-se, basicamente, em condições de campo nativo, sendo importante destacar que no Rio Grande do Sul, esta produção, em razão da área utilizada, pessoas envolvidas direta e indiretamente, produção alimentar e transferências de recursos a outros segmentos, principalmente à agroindústria, assume papel significativo dentro do agronegócio.

A grande problemática da pecuária de corte é a baixa nutrição animal, principalmente a carência alimentar no período de inverno. Esta realidade está na razão direta da curva de crescimento e, conseqüentemente, da disponibilidade alimentar fornecida pelo campo nativo na região, o qual apresenta períodos com excedentes de forragem (novembro a abril) e escassez (maio a outubro), resultantes principalmente das forragens, de ciclo estival.

Para ocorrer incrementos na produção de carne e conseqüentemente agregar valor na propriedade, deverão ser considerados os avanços na área de nutrição animal, como sejam a utilização de pastagens cultivadas, feno e concentrados, de forma estratégica.

A nutrição animal via pastagem cultivada é, sem dúvida, um dos fatores de maior importância para o desenvolvimento da atividade na região, especialmente nos meses de inverno, quando a curva de crescimento (kg/MS/ha) do campo nativo é deficiente.

Desta forma, a pastagem cultivada torna-se uma tecnologia que possibilita incremento na produção, com retornos financeiros estáveis dos investimentos realizados. Constata-se que além de agregar valor à propriedade, deverá ser considerado, com o uso da tecnologia, a mudança cultural dentro da propriedade como um todo. O processo de desenvolvimento desencadeado levará, com certeza, a avanços significativos no negócio rural.

Obviamente, para ter êxito nesta atividade deve o produtor procurar reduzir os custos e simultaneamente aumentar a taxa de desmame a fim de que o custo unitário do terneiro (bezerro) seja menor que o valor que este alcance na compra.

Fatores financeiros

Para aumentar a produtividade haverá algum aumento de custos globais, principalmente os custos variáveis, de modo que isso só se torna interessante até quando o acréscimo do benefício (lucro) seja superior ao acréscimo dos custos.

O lucro que pode ser obtido nessa atividade resulta da diferença entre o custo total e a receita total e esta repousa numa variável fora do controle do produtor: "o preço do novilho não é estabelecido em função do seu custo de produção, mas em decorrência das leis de mercado."

Assim, um sistema de produção de carne de qualidade, via novilhos super precoces, abatidos aos 14/16 meses de idade, com peso médio de 480 kg e rendimento de carcaças na ordem de 54%, já é realidade em nossa região.

Sistema de produção

Os terneiros são desmamados e/ou adquiridos aos oito meses de idade com um peso médio de 230 kg vivo. Em fins de maio, entram em pastagem consorciada, com uma lotação de duas cabeças por hectare, sal mineral à vontade e durante 180 dias recebem suplementação a campo, com concentrado específico para o objetivo terminação à base de 3 kg/cab./dia e o tratamento sanitário segue as recomendações da Embrapa Pecuária Sul.

Em fins de dezembro, são abatidos com o peso médio de 485 kg vivos, rendimento de carcaça de 54%, com bonificação de 10% sobre os preços vigentes em razão da qualidade do produto.

Análise

Uma propriedade que destine 250 ha de pastagem consorciada (azevém, cornichão e trevo-branco) para o sistema de terminação de novilhos superprecoces, com a aquisição de 500 terneiros no mês de maio, com peso médio de 230 kg vivo e o abate no mês de dezembro, com o peso médio de 485 kg vivo, apresenta uma situação financeira final, assim descrita.

Quando comparamos o desembolso (capital de giro), com a margem bruta (receita-despesa) verificamos uma lucratividade financeira sobre o valor desembolsado na ordem de 16,8% a.a., demonstrando boa rentabilidade sobre o capital de giro empregado no negócio. Mas, quando comparamos o custo total com a margem líquida (receita-custo), sendo o retorno o investimento, verificamos uma lucratividade do sistema na ordem de 6,6% a.a. Retorno financeiro sobre o custo total, onde são apropriados a infra-estrutura e desembolso, considerado razoável em razão do baixo risco no negócio

Diferencial qualitativo

Para entendermos as diferenças nos parâmetros de qualidade da carne é necessária a sua associação com fatores que no decorrer da vida do animal levam a produzir uma carne com diferencial qualitativo. Não nos cabe, neste espaço, descrever sobre cada um deles. Mas é importante estar atento que os parâmetros intrínsecos, como raça, sexo, idade de abate, fatores individuais e os extrínsecos como, manejo alimentar, sanitário e reprodutivos, serão determinantes na produção primária para resultar num produto de qualidade diferenciada. Por outro lado, na cadeia agroalimentar (carne), é necessário cuidado na forma de transporte dos animais, no descarregamento, no frigorífico, na condução dos animais nos currais de espera e no processo de abate. Atualmente, a legislação tem normas para abate humanitário e bem-estar dos animais que devem ser respeitadas. Após todos esses pontos terem sido observados, começamos a trabalhar com a carcaça e, posteriormente, com a carne. As carcaças de animais precoces e superprecoces devem ter uma camada de gordura suficiente ( + 2 - 4 mm) para possuírem um acabamento necessário (figura 1 -

). Este será de fundamental importância para a característica sensorial (maciez), apontada como o mais importante fator para maioria dos consumidores. Esta, denominada gordura de cobertura, evita o encurtamento brusco da fibra muscular que é um processo irreversível e torna a carne dura.

Os processos relacionados na transformação do músculo em carne ocorrem na indústria e são de suma importância para qualidade da carne. A queda gradual do pH, que após 24 horas deverá estar em torno de 5.6 a 5.8, é um dos fatores responsáveis pela cor, capacidade de retenção de água, suculência e estabilidade (química e microbiológica) da carne e uma série de transformações bioquímicas com ação de enzimas que são responsáveis pela mudança na estrutura do tecido muscular tornando a carne macia ou não. Daí a importância do acabamento nas carcaças e do controle de temperatura e do pH durante o resfriamento.

Cabe salientar que, em termos biológicos, o músculo de animais jovens (precoce e superprecoce) é formado por fibras do colágeno, que por sua natureza termolábel, se desnaturalizam ao cozimento com calor, tornando a carne macia.

Para termos um diferencial qualitativo na carne de animais precoces ou superprecoces é necessário que todos os elos da cadeia produtiva da carne estejam sintonizados, pois qualidade é um processo. Começa na produção primária e culmina no prato do consumidor.

Neste sentido, a rastreabilidade faz parte do processo que visa assegurar ao consumidor um produto diferenciado. Através da sua identidade, propicia credibilidade ao vendedor e segurança ao consumidor. Inclusive, atualmente, vem merecendo e desencadeando uma série de ações governamentais na produção e na indústria. Sem descuidar que a segurança deverá atender aos consumidores quanto aos aspectos nutricionais e sensoriais (cor, sabor, maciez) associados às condições higiênico-sanitárias compatíveis com os padrões estabelecidos pelos órgãos competentes.

Eliane Mattos Monteiro, Eduardo Salomoni e Roberto Silveira Collares

Embrapa Pecuária Sul

* Confira este artigo, com fotos e tabelas, em formato PDF. Basta clicar no link abaixo:

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