Plantio de soja em área de várzea

Ajustes devem ser feitos no conjunto de máquinas utilizadas a fim de proporcionar melhor aproveitamento da frota e tornar operações mais eficientes

23.10.2020 | 20:59 (UTC -3)

O plantio de soja em áreas de várzea, onde tradicionalmente é cultivada com arroz irrigado, é um caminho sem volta. No entanto, muitos ajustes devem ser feitos no conjunto de máquinas utilizadas a fim de proporcionar melhor aproveitamento da frota e tornar as operações mais eficientes.

A região da Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul se destaca no cenário nacional quando o assunto é arroz irrigado. Porém, com o passar dos anos e a desvalorização do grão, os produtores iniciaram o processo de implantação da cultura da soja, que hoje já soma mais de 315 mil hectares semeados, ao longo de 13 municípios produtores. Mesmo que a região apresente solos bastante diferentes dos tradicionalmente utilizados para a cultura, sendo compostos em sua maioria por argilas expansivas, que dificultam a penetração do sistema radicular, ou água e solos arenosos, nos municípios de Alegrete e Manoel Viana, a cultura vem mostrando resultados satisfatórios, uma vez que, além de incrementar a renda de muitos produtores, a soja é uma grande aliada na rotação de culturas e na limpeza das áreas dominadas pelo arroz vermelho, principal planta daninha que atinge as lavouras da região.

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Contudo, as áreas de várzea mostram-se como o maior empecilho para a adaptação da cultura, pois o excesso hídrico e a indisponibilidade de sementes resistentes aos solos encharcados fazem com que os períodos de alagamento, ocasionado pelo excesso de chuvas, prejudique o desenvolvimento das plantas ou cause a morte de um grande número de plantas, além de facilitar o aparecimento de doenças. Visando a redução destes problemas, os produtores estão procurando diferentes formas de manejo do solo, utilizando, além do sistema de cultivo convencional, o sistema de semeadura em camalhões. Tal sistema proporciona a aeração das raízes, elevando a camada superior do solo formando sulcos, por onde a água irá escorrer, reduzindo o contato e o tempo de inundação das plantas. Normalmente, a largura dos camalhões corresponde à largura das linhas das semeadoras e colhedoras a serem utilizadas, favorecendo o momento das operações.

Uma vez que os obstáculos provenientes do solo estão resolvidos, começa-se a pensar na semeadura. Dentre os principais fatores que podem influenciar na semeadura estão o erro de deposição e a dosagem das semeadoras. Sabe-se que quanto menor a distância entre o sulco para deposição das sementes e o dosador, mais eficiente será a distribuição. Os dosadores são decisivos para a determinação do estande de plantas, sendo que o rendimento da cultura é inferior quando ocorre a baixa densidade de plantas. Quando há densidade maior que o desejado, este também se torna um agravante, considerando que a alta população pode levar as plantas ao estiolamento, facilitando o acamamento em caso de fortes chuvas ou ventos.

Para a semeadura da soja podem ser utilizadas semeadoras de precisão, onde a distribuição das sementes é feita através dos discos alveolados. Estes discos funcionam individualizando, dosando e liberando as sementes nos sulcos. A velocidade e as irregularidades do terreno podem ser fatores que limitam seu funcionamento, uma vez que pode ocorrer a liberação de várias sementes de uma só vez. As semeadoras pneumáticas, com distribuição das sementes a vácuo, tornam a semeadura mais confiável e certeira, apresentando porcentagens de espaçamentos adequados muito maiores em comparação às semeadoras com discos alveolados. Porém, este tipo de semeadora ainda é muito difícil de ser encontrado na Fronteira Oeste. Alguns produtores, que implantam a cultura da soja apenas para a limpeza das áreas, sem a pretensão de obter lucros com esta atividade, ainda utilizam semeadoras de fluxo contínuo adaptadas, visando à economia oriunda do investimento de uma nova semeadora.

O plantio de soja em várzea é feito com máquinas que elevam a linha e plantio
O plantio de soja em várzea é feito com máquinas que elevam a linha e plantio

A pesquisa foi realizada em propriedades rurais dos municípios de Itaqui, Alegrete e Manoel Viana, todos do Rio Grande do Sul. A amostragem foi realizada em 20 lavouras, onde foram coletadas quatro subamostras de 40 plantas, totalizando amostras de 160 plantas em cada propriedade (Dias, 2012). Para aferir os espaçamentos entre plantas, uma trena metálica foi disposta ao lado de uma linha aleatória de semeadura e procedeu-se a leitura da distância entre plantas. Foram coletados, ainda, dados a respeito da forma como a semeadura foi realizada, entre eles os modelos dos tratores e das semeadoras utilizados, a velocidade de semeadura, o espaçamento entre linhas, o sistema de cultivo e o estande de plantas esperado durante a regulagem da semeadora. Para a avaliação da distribuição longitudinal das plantas foi calculado o percentual de espaçamentos falhos, duplos e aceitáveis de acordo com a ISO 7256/1 (ISO, 1984).

Em relação ao sistema de cultivo, 70% das lavouras visitadas fazem uso do sistema plantio direto e 5% do sistema convencional. O uso de camalhões, mais indicado para áreas facilmente alagáveis, está presente em 25% das lavouras amostradas. No tocante ao mecanismo dosador de semente das semeadoras amostradas, 55% apresentavam dosagem por disco alveolado horizontal, 40% eram equipadas com dosadores pneumáticos e, mesmo não sendo recomendado para a cultura da soja, 5% das semeadoras empregavam dosadores de fluxo contínuo, denotando que, nestas propriedades, a soja é cultivada apenas por questão de oportunidade.

O espaçamento entre linhas está diretamente relacionado às máquinas que serão utilizadas durante a condução da cultura. Na região amostrada, o espaçamento de 45cm é o mais utilizado, representando 50% do total, seguido do espaçamento de 50cm (35%). Outras duas medidas ainda são utilizadas – 40cm e 47cm, totalizando, juntas, 15%.

Tabela
Tabela

De acordo com a Anfavea (2016), os tratores podem ser classificados quanto à classe de potência como: Classe I (até 36kW), Classe II (de 36kW a 73kW), Classe III (de 74kW a 147kW) e Classe IV (acima de 147kW). Entre os tratores utilizados para as atividades de semeadura na área amostrada, 65% fazem parte da classe III. De acordo com a recomendação dos fabricantes, as semeadoras necessitam de 10cv a 15cv por linha de semeadura – valor que pode variar, por exemplo, de acordo com o tipo de sulcador de fertilizante. Observando a figura da potência específica (cv/linha), é notável que parte dos tratores apresenta excesso de potência por unidade de semeadura, fato que apresenta diversos aspectos negativos, como maior consumo de combustível, mais compactação do solo e subutilização do trator. Por tratar-se de uma região orizícola, onde as atividades demandam maior potência dos tratores, os produtores ainda estão se adaptando à cultura da soja e acabam adquirindo semeadoras subestimadas para os tratores que possuem. Em alguns casos, a potência específica passou da margem dos 20cv/linha, ou seja, entre 50% e 100% a mais do que a potência recomendada pelos fabricantes das semeadoras.

Figura 1
Figura 1

Tendo em vista que o estande final de plantas depende de inúmeros fatores, como a cultivar utilizada, ataques de pragas e doenças e clima, a regulagem da semeadora é de grande importância para o produtor que almeja melhor estande de plantas e, por consequência, maior produtividade. A figura abaixo traça um paralelo entre a densidade de semeadura e a população de plantas alcançada, mensurada pelo estande final de plantas. É possível observar que algumas propriedades sofreram uma redução maior que 50% no estande final das plantas, sendo este um valor bastante elevado, o que prejudica a produtividade da lavoura. Entre as 20 propriedades analisadas, duas alcançaram um estande final de plantas superior ao desejado, provavelmente por erros na calibração da semeadora. 

Figura 2
Figura 2

MÁ DISTRIBUIÇÃO

Inúmeros são os fatores que podem ocasionar a ocorrência de má distribuição de plantas na linha. Diversos autores citam que, assim como o estande de plantas, a distribuição longitudinal pode estar associada à velocidade de semeadura. As irregularidades do terreno, quando a semeadura é realizada em alta velocidade, fazem com que várias sementes sejam depositadas no solo ao mesmo tempo, devido aos impactos nos sistemas dosadores. Nas propriedades amostradas, a velocidade não apresentou correlação com a regularidade de distribuição, expressa pelos percentuais de espaçamentos aceitáveis, duplos e falhos. As velocidades utilizadas variaram de 4km/h a 8km/h. Dentro de tais velocidades, também não foram encontradas diferenças na regularidade de distribuição entre os mecanismos dosadores pneumáticos e de disco alveolado.

Figura 3
Figura 3

CONCLUSÃO

A entrada da cultura da soja na região amostrada é um caminho sem volta. Neste sentido, ainda há um longo caminho a ser percorrido na qualificação das operações agrícolas para esta cultura. Os dados mais alarmantes foram aqueles relacionados à elevada potência dispendida por unidade de semeadura, elucidando que há falta de planejamento da mecanização e a redução drástica do estande de plantas em relação à população de plantas almejada na semeadura.

Plantio de soja sobre camalhões
Plantio de soja sobre camalhões


Rômulo Bock, Camila Dalcin, Luana Knierim, Vilnei Dias, Lamap/Unipampa Alegrete

 

Artigo publicado na edição 173 da Cultivar Máquina

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