A agropecuária brasileira vive hoje um momento bastante diferente daquele encontrado durante a expansão das fronteiras agrícolas nacionais, particularmente na região do Cerrado. Durante a ocupação dessa Região, os significativos investimentos do governo em infra-estrutura e em programas de desenvolvimento para a ocupação do Cerrado, a elevada disponibilidade de terra de baixo preço, a seleção de plantas forrageiras adaptadas às condições edafoclimáticas do Cerrado e a exploração da fertilidade natural do solo permitiram à pecuária extensiva, apesar da baixa produtividade e da baixa receita obtidas por unidade de área, desfrutar de considerável competitividade econômica. A alta volatilidade financeira no país incentivou, decisivamente, as atividades com baixos riscos de produção e de preços e de alta liquidez dos ativos, como a produção extensiva de bovinos em pastagem.
Recentemente, a expansão da agricultura, particularmente das lavouras anuais de grãos, e a existência de infra-estrutura adequada à exploração agrícola têm gerado grande aumento na demanda pela terra. Por essa razão, tem havido valorização da terra em relação ao boi, o que tem determinado um novo equilíbrio na intensidade de uso dos recursos. Com a valorização no preço da terra é necessário elevar a produtividade desse recurso para garantir a rentabilidade competitiva do empreendimento . Além disso, a menor volatilidade financeira, em combinação com as altas taxas de juro real, têm desestimulado a adoção da pecuária apenas como uma forma reserva de capital. Fica claro, portanto, a necessidade de maior intensificação e profissionalização da pecuária bovina nacional nos dias de hoje (Tabela 1 -
). Isso implica no uso mais intenso dos recursos do sistema e em maiores cuidados com a gestão do negócio, uma vez que a tecnificação não planejada fica sujeita a riscos de vulto considerável. Implícita a essa argumentação está a necessidade do planejamento ser realizado em diferentes horizontes de ação, isto é, em curto, médio e longo prazo.
Dois recursos básicos são necessários para a produção de bovinos: animais e alimentos. A gestão desses recursos, principalmente a gestão da alimentação e a gestão da comercialização de animais ou de produtos de origem animal são fundamentais para o sucesso econômico da atividade. Ademais, a falta de um planejamento formal e de uma gestão adequada dos recursos do sistema de produção torna improvável a obtenção de desempenho bioeconômico satisfatório. Isso se deve à dificuldade do pecuarista em detectar problemas em tempo hábil e de implementar intervenções efetivas, harmônicas e de relação custo-benefício mais favorável nessas condições.
Assim, o planejamento de sistemas pastoris baseia-se em informações como a projeção da dinâmica populacional do rebanho, a identificação de épocas críticas para a sua nutrição (estação de monta, período de engorda etc.) e o estabelecimento de níveis esperados de produtividade da pastagem ao longo do ano. Essas informações permitem estabelecer variações no estoque de forragem na pastagem e épocas de provável escassez ou excesso de forragem e possibilitam prever intervenções de manejo para minimizar estresses nutricionais dos animais e condições inadequadas de utilização da pastagem. O planejamento alimentar constitui-se, também, numa base sobre a qual o monitoramento e o controle da pastagem e dos animais são realizados.
Do ponto de vista econômico, na produção de um commodity em concorrência perfeita, como a carne bovina, a alimentação influi decisivamente nas duas principais formas de se aumentar o lucro: no custo de produção e na escala de produção. Essa grande importância da alimentação pode ser justificada pelos seguintes fatos:
• a alimentação é a principal fonte de variação no desempenho dos animais;
• a alimentação representa a maior parte dos custos de produção e
• a produção de forragem determina a escala de produção de bovinos, uma vez que esses alimentos são raramente comercializados em grandes quantidades, devido aos altos custos de colheita, transporte, conservação, armazenamento e distribuição envolvidos.
Contudo, a complexidade inerente ao fator alimentação nos sistemas pastoris faz com que o planejamento e gestão desse recurso não seja uma tarefa fácil. Tal complexidade decorre de: (a) a produção de forragem assumir padrão estacional, porém, variável entre anos, em resposta às variações climáticas ao longo do ano e entre anos; (b) existe a necessidade de fluxo contínuo de alimentos para os animais em quantidade e qualidades suficientes; (c) existe baixa capacidade de previsão da produtividade e limitado controle dos estoques de forragem; (d) o estoque de forragem, num dado momento, está sujeito a eventos não controláveis, como o fogo, geadas etc.; (e) existe uma interface direta entre o animal e o estoque de alimento. Embora os sistemas de produção animal a pasto sejam relativamente flexíveis quanto às metas de manejo da pastagem e razoavelmente tolerantes a curtos períodos de estresse climático, desbalanços intensos e de longa duração entre suprimento (acúmulo de forragem) e demanda (consumo e perdas de forragem associadas ao pastejo) resultam em subpastejo ou superpastejo, com efeitos contraproducentes para a pastagem e para os animais; (f) a pastagem compete com outros alimentos na produção animal; e (g) a pastagem pode apresentar valor econômico e competitividade variável ao longo do ano em relação a outros alimentos ou outras formas de uso da terra.
Dessa maneira, a alocação de uma produção variável de forragem, relacionada às variações climáticas ao longo do ano, atendendo os limites de flexibilidade da pastagem e dos animais, aproveitando as oportunidades de mercado e visando a altos níveis de eficiência biológica e econômica e de baixo impacto sobre o ambiente, requer um gerenciamento eficaz. A necessidade de planejamento e gerenciamento adequados torna-se mais evidente quando se considera que os riscos de produção e de preços, características inerentes dos sistemas pastoris intensivos, fazem com que a taxa de lotação ótima do sistema de produção seja diferente no ano e, principalmente, entre anos. Assim, apenas com gestão eficiente dos recursos do sistema de produção, o tomador de decisão será capaz de prever e/ou realinhar estratégias para maximizar a eficiência produtiva e econômica do empreendimento.
Por fim, cabe destacar que propostas de planejamento e gestão, segundo um enfoque empresarial, vêm sendo paulatinamente adotadas com sucesso comprovado por empresas do setor secundário e de serviços e, em menor escala, por empresas agrícolas. Entretanto, esta abordagem tem avançado de modo limitado em propriedades de pecuária, principalmente, nos empreendimentos de pecuária a pasto. Nesse contexto, a Embrapa Cerrados, em parceria com a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (USP), vem pesquisando ferramentas para auxiliar o gerenciamento de sistemas pastoris e sistemas de integração lavoura-pecuária. Esses trabalhos incluem o desenvolvimento de modelos para a previsão da produtividade da pastagem, a avaliação de metodologias para a avaliação da massa de forragem visando ao manejo da pastagem e o desenvolvimento de software para auxílio do gerenciamento e da formulação de dietas para bovinos.
Luís Gustavo Barioni, Geraldo Bueno Martha Júnior, Allan Kardec Braga Ramos e Lourival Vilela
Embrapa Cerrados
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