O papel dos polinizadores na agricultura

Por Rodrigo Ferraz Ramos (SLC Agrícola); Cristiano Bellé e Jonas Dahmer (Staphyt); Mardiore Pinheiro (UFRGS)

15.02.2024 | 15:55 (UTC -3)

Serviços ecossistêmicos são benefícios para a população humana que derivam direta ou indiretamente das funções ecossistêmicas, sendo considerados indispensáveis para a manutenção da vida em nosso planeta, afetando, em alguma proporção, a economia global. Dentro dos serviços ecossistêmicos, a polinização é considerada um dos mais importantes para a vida, sendo um processo que beneficia plantas com flores, animais e humanos.

O serviço ecossistêmico de polinização pode ser dividido em diferentes categorias, conforme os benefícios que ela proporciona. O serviço de regulação está relacionando à manutenção da variabilidade genética das populações de plantas nativas. A polinização também garante a provisão de recursos para a alimentação humana, ou seja, o abastecimento diversificado de grãos, frutas, óleos vegetais, mel, entre outros. Além disso, o serviço ecossistêmico de polinização assegura a promoção de valores culturais relacionados ao conhecimento tradicional.

Polinização e polinizadores

A polinização é o processo de transferência de pólen das anteras para o estigma de uma flor da mesma espécie (Figura 1). A transferência do pólen das anteras para o estigma da mesma flor é denominada de autopolinização. A transferência do pólen de uma flor para o estigma da flor de outra planta é denominada de polinização cruzada. O processo de polinização pode ser realizado por vetores bióticos (insetos e animais vertebrados) e abióticos (vento e água). Quando mediada por vetores biológicos, a polinização é considerada uma interação ecológica entre plantas com flores e agentes de polinização (polinizadores). Contudo, nem todos os animais que visitam flores são polinizadores. Um visitante floral pode ser qualquer animal que visite uma flor, enquanto um polinizador é aquele que efetua a transferência de pólen das anteras para o estigma.

Os organismos polinizadores podem ser animais vertebrados – como morcegos, beija-flores, pequenos lagartos – e invertebrados – como abelhas, lepidópteros (borboletas e mariposas), moscas, vespas e besouros (Figura 2). As abelhas são o principal grupo de polinizadores e, no Brasil, por exemplo, contribuem com a polinização de 78% das plantas utilizadas na alimentação, além de serem os polinizadores da maioria das plantas nativas em diferentes comunidades vegetais. Como resultado da polinização, ocorre a fertilização e posterior formação de frutos e sementes, que serão utilizados na dispersão e na propagação da espécie vegetal, bem como na alimentação de animais e humanos.

Polinização na produção de alimentos

A maioria das plantas com flores depende, em certa medida, dos polinizadores para que ocorra a formação de sementes e frutos. Estima-se que cerca de 2/3 das espécies de plantas cultivadas utilizadas na alimentação dependem ou beneficiam-se da presença de polinizadores. A dependência de polinização de uma determinada espécie é uma medida do incremento de produção obtido pela ação de animais polinizadores.

Para aquelas onde a polinização é considerada “essencial”, os incrementos de produtividade devido à ação dos polinizadores variam de 90% a 100%. Para ao menos 35 espécies de plantas utilizadas na alimentação humana a polinização é essencial, como no caso do cultivo de maçã (Malus domestica), melancia (Citrullus lanatus), melão (Cucumis melo), tangerina (Citrus reticulata) e maracujá (Passiflora edulis).

Para as plantas cuja dependência dos polinizadores é “alta”, os incrementos de produtividade decorrentes da ação dos polinizadores variam entre 40% e 90%. Nesse grupo estão incluídas importantes espécies cultivadas, como girassol (Helianthus annuus), pêssego (Prunus persica), ameixa (P. salicina), cebola (Allium cepa) e canola (Brassica napus).

Em algumas culturas, como café (Coffea arabica), soja (Glycine max), laranja (C. sinensis) e pimentão (Capsicum annuum), a dependência por polinizadores é “modesta”, os incrementos de produtividade resultantes da ação de polinizadores variam entre 10% e 40%. Ainda há um último grupo no qual a dependência da polinização é “pouca”, os incrementos de produtividade variam de 0 a 10%. Desse último grupo fazem parte as culturas de feijão (Phaseolus vulgaris), uva (Vitis labrusca) e tomate (Solanum lycopersicum).

A presença de polinizadores pode aumentar a produção e a qualidade de frutos mesmo em espécies de plantas que apresentam autofecundação, como no caso de café, canola, soja e algodão. Por exemplo, as flores da cultura do café (Coffea arabica L.), uma das principais commodities agrícolas do Brasil, são autocompatíveis, ou seja, tanto a autopolinização como a polinização cruzada resultam em frutos. Apesar disso, um estudo demonstrou que a presença de polinização cruzada, realizada por polinizadores, aumentou os rendimentos de colheita nas fazendas de café em até 30%. A canola (Brassica napus L.), uma importante cultura agrícola na região Sul do Brasil, apresenta autocompatibilidade. Apesar disso, a polinização das flores de canola por Apis mellifera resultou em um aumento de 45,9% na produção de sementes.

Nas culturas da soja e do algodão, nas quais a dependência por polinizadores para reprodução é modesta, há evidências crescentes de que a presença de polinizadores, em especial de abelhas nativas, facilita a polinização cruzada e resulta em aumento da fertilização e da produtividade. Por exemplo, em um estudo realizado com algodão cultivado em dois diferentes biomas brasileiros (Amazônia e Caatinga), foi observado que a polinização realizada por abelhas aumentou o peso médio de capulhos, com incremento de 12% no peso da fibra e de 17% no número de sementes. Na cultura da soja há evidências que demonstram que a visitação floral por abelhas não Apis reduz o abortamento de flores e induz a aumentos no rendimento de grãos. Por exemplo, um estudo mostrou que a presença de polinizadores nas áreas de cultivo de soja aumentou a produtividade em 6,4%, e a inserção de colônias de A. mellifera resultou em um aumento de 18% na produtividade da cultura. Esses resultados são particularmente importantes no contexto de um declínio global de populações de polinizadores, e destacam a necessidade de novos estudos para compreender a diversidade de polinizadores associados aos cultivos agrícolas.

Serviço de polinização

O valor da polinização para a manutenção da vida é incalculável. Todavia, estima-se que o incremento de produtividade agrícola e da qualidade dos produtos vegetais devido à polinização equivalem a R$ 43 bilhões anuais no Brasil. No mundo, estimativas apontam que a valoração econômica global do serviço ecossistêmico da polinização esteja entre US$ 235 bilhões e US$ 577 bilhões ao ano.

Conforme um estudo que avaliou a dependência de polinizadores para 141 culturas utilizadas na alimentação no Brasil, 85 espécies são dependentes do serviço de polinização. Esse mesmo estudo demonstrou que as culturas que dependem em algum grau de polinização animal geram renda de cerca de US$ 45 bilhões por ano, sendo que a contribuição dos polinizadores corresponde a 30% da produção da renda agrícola total dessas culturas (aproximadamente US$ 12 bilhões/ano).

As culturas de soja, café e laranja são classificadas no grupo de plantas com dependência modesta dos polinizadores. Apesar disso, a renda agrícola obtida a partir dos polinizadores na cultura da soja corresponde a R$ 25 bilhões anuais, enquanto para o café a contribuição dos polinizadores é de R$ 5,2 bilhões anuais e na cultura da laranja a renda obtida a partir do serviço ecossistêmico da polinização é de aproximadamente R$ 2,2 bilhões anuais (Figura 3).

Perspectivas para polinizadores

Por meio da polinização, polinizadores desempenham um papel fundamental à reprodução das plantas com flores, contribuindo para a conservação da biodiversidade em ecossistemas naturais e para a produção de alimentos. Entretanto, um declínio de populações de polinizadores selvagens ou manejados (ex.: Apis mellifera) tem sido reportado em várias partes do mundo, expondo estes animais ao risco de extinção. A perda de habitat natural, o uso irracional de pesticidas, doenças, dentre outras, estão entre as principais causas do declínio dos polinizadores.

Práticas amigáveis aos polinizadores são formas de reduzir as ameaças, melhorar o serviço ecossistêmico da polinização e agregar valor à produção agrícola. Polinizadores necessitam de alimento (néctar, pólen, óleo) disponível o ano todo, de locais de nidificação e de reprodução. Assim, manter habitats naturais, recuperar áreas de vegetação degradadas, assegurar a floração de plantas nativas, criar corredores ecológicos, são práticas que melhoram os rendimentos e a qualidade dos cultivos. E quanto mais diversa for a comunidade desses animais nos ambientes agrícolas, melhores serão os resultados.

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