A ocorrência da ferrugem da videira foi constatada pela primeira vez no Brasil em um parreiral comercial de uva fina da variedade Itália (
L.) no município de Jandaia do Sul, região Norte do Paraná, em março de 2001. Na mesma época, um levantamento de campo mostrou que a doença estava disseminada em vários municípios do Norte, Noroeste e Oeste do Estado. Naquele ano, a doença ocorreu no período de janeiro a junho, e no ano seguinte, em 2002, no período de janeiro a abril e novamente a partir de dezembro até junho de 2003. No início de 2003 a doença foi constatada no estado de São Paulo.
No mundo, a ferrugem da videira é mais severa nas regiões tropicais e subtropicais do que nas regiões temperadas. A doença ocorre desde o Sri Lanka e Índia até a região Norte e temperada da Ásia, incluindo o Japão e a Koreia. Nas Américas, ocorre no Sul e Leste dos Estados Unidos, na América Central, e na Colômbia e Venezuela. A ferrugem foi constatada na Austrália em 2001. Não há relatos de ocorrência da doença na Europa.
No Brasil, até o momento a doença foi constatada nos estados do Paraná e São Paulo, causando danos principalmente em porta-enxertos em crescimento e em variedades-copa de uvas rústicas, de origem Americana.
Na face inferior das folhas são observadas pústulas de tamanho pequeno de coloração amarela, formadas por urediniósporos do patógeno. As pústulas coalescem e podem cobrir grande extensão do limbo foliar. Na face superior da folha, aparecem áreas necrosadas no lado oposto às pústulas. As pústulas ocorrem principalmente em folhas maduras. Nos estágios mais avançados do desenvolvimento da doença observam-se télios, de coloração marrom escura, entremeados com os urédios. As folhas colonizadas pelo patógeno amarelecem e secam, e um ataque severo da doença pode causar desfolha precoce das plantas.
A desfolha precoce causada pela ferrugem pode reduzir o crescimento de porta-enxerto e também afetar o acúmulo de reservas das plantas adultas, prejudicando a produção de frutos e comprometendo as safras seguintes. Em parreirais de ‘Niágara’, severamente afetados pela ferrugem na região Noroeste do Paraná, observou-se que a desfolha precoce prejudicou o amadurecimento dos frutos, os quais ficaram ‘queimados’ pelo sol e impróprios para a comercialização. As variedades de origem japonesa Kioho e Takasumi também são bastante afetadas pela doença, enquanto que a variedade Itália e suas mutantes (Rubí, Benitaka e Brasil) são menos susceptíveis.
O agente causal da doença é o fungo
Ono (Reino Eumycota, Phylum Basidiomycota, Ordem Uredinales). Para a identificação da espécie constatada no Brasil, foi realizada análise microscópica das estruturas reprodutivas do patógeno formadas nas folhas de videira com sintomas e sinais de ferrugem. Foram analisados uredínios e télios do fungo (submetido à Fitopatologia Brasileira). A identificação do patógeno foi feita com a colaboração do Professor José Carmine Dianese, do Departamento de Fitopatologia, da Universidade de Brasília.
A taxonomia da ferrugem da videira é complexa e o trabalho recente de Ono (2000; Mycologia 92: 154-173) contribuiu para a sua elucidação. Este autor relatou a ocorrência de três populações no “complexo” P. ampelopsidis, as quais colonizam diferentes gêneros na Família Vitaceae. Tais populações são morfologicamente e patogenicamente distintas, em que a espécie P. ampelopsidis coloniza apenas espécies do gênero Ampelopsidis; a espécie
coloniza espécies do gênero Parthenocissus e a espécie
coloniza espécies do gênero Vitis.
O agente causal da doença é um parasita obrigatório, o que significa que o mesmo coloniza apenas tecidos vivos das plantas. No Japão, esta ferrugem é “macrocíclica” e “heteroécia”, ou seja, desenvolve o seu ciclo completo em cinco fases, das quais três fases ocorrem na videira e duas fases em uma planta hospedeira alternativa. As fases, espermogonial (fase 0) e aecial (fase I) ocorrem na planta arbustiva
, e as fases uredinial (fase II), telial (fase III) e basidial (fase IV) ocorrem na videira. O ciclo completo desta ferrugem ocorre apenas na Ásia, porque lá ocorre a planta hospedeira alternativa do fungo. A planta
não ocorre no Brasil. No Brasil, apenas as fases uredinial e telial foram observadas no campo, com a formação de esporos denominados urediniósporos e teliósporos, respectivamente. Possivelmente também ocorre a fase basidial, muito embora esta fase, assim como a fase telial não tenham importância epidemiológica em nosso País.
Os urediniósporos constituem o inóculo primário e secundário da doença em nosso País. Os urediniósporos são disseminados principalmente pelo vento e podem atingir grandes distâncias. No Brasil, a sobrevivência do patógeno de uma safra para outra ocorre através de urediniósporos produzidos em folhas verdes de videira. De modo que, a sobrevivência do patógeno é altamente favorecida pela presença de tecidos verdes da plantas durante o ano todo, como ocorre no Norte e Noroeste do Paraná e no estado de São Paulo. A sobrevivência do patógeno é favorecida pela ocorrência de invernos amenos, com a ausência de desfolha completa das plantas, e pelo cultivo continuado da videira, nas regiões que produzem mais de uma safra anual de uva.
As condições favoráveis ao progresso da doença ainda não estão totalmente determinadas no Brasil. No Paraná, a doença ocorre com maior intensidade nos meses mais quentes e úmidos (dezembro a março), nos quais são registradas temperaturas mínimas noturnas superiores a 18 oC, associadas com períodos prolongados de molhamento foliar. De acordo com a literatura, as pústulas da ferrugem da videira são formadas cinco a seis dias após a inoculação em temperaturas de 16 a 30 °C. O período de incubação é mais longo, de 15 a 20 dias, em temperaturas inferiores a 16 °C. As temperaturas mínima, ótima e máxima para a germinação dos urediniósporos são 8, 24 e 32 °C, respectivamente. Os urediniósporos não infectam folhas jovens, nas quais os estômatos não estão ainda bem desenvolvidos.
Existem fontes de resistência genética à ferrugem. As variedades derivadas de espécies originadas de regiões temperadas (
etc.) são susceptíveis à ferrugem, enquanto que as variedades derivadas do grupo tropical (
, etc.) apresentam elevado nível de resistência. Observações de campo têm mostrado que os porta-exertos IAC 766 e IAC 313 (Tropical) são mais resistentes à doença do que 420-A, Paulsen 101-14 e Paulsen 1103. Até o momento, no Estado do Paraná a ferrugem tem demandado atenção especial de controle principalmente em porta-enxertos em crescimento e em variedades-copa de uvas americanas, ou rústicas.
Com relação ao controle químico, até o momento não há fungicidas registrados para o controle da doença. Ensaios de campo conduzidos no município de Marialva (PR), mostraram que os fungicidas tebuconazole, cyproconazole e metconazole (triazois) e azoxystrobin (strobilurina) foram mais eficientes no controle da doença do que mancozeb (ditiocarbamatos) e oxicloreto de cobre. Também, tem-se observado o efeito da época de poda na intensidade da doença. No Paraná tem-se observado que os maiores danos em ‘Niágara’ ocorrem em parreirais com poda dos ramos tardias, em que a uva é colhida em janeiro e fevereiro.
A inserção e manutenção dos produtos agrícolas brasileiros no comércio mundial tornam imperativo que o país possa proteger o setor produtivo da entrada de pragas/doenças, que tanto podem depreciar os nossos produtos, como podem favorecer a formação de barreiras sanitárias e fitossanitárias impostas por países competidores. Estas barreiras, que antes eram vistas como um mero problema no comércio internacional, atualmente devem merecer uma atenção especial do governo, por representarem sérios entraves durante as negociações bi ou multilaterais. As justificativas técnico-científicas exigidas pelos acordos internacionais podem levar anos para serem construídas. O setor produtivo deve, portanto, estar atento cada vez mais à segurança biológica na agricultura, se deseja realmente manter a competitividade e aumentar as exportações de seus produtos.
É neste contexto que devem ser discutidos os problemas fitossanitários da viticultura da região do semi-árido nordestino. As condições edafo-climáticas aliadas às técnicas modernas de irrigação permitiram que a região do Submédio do Vale do São Francisco se destacasse, na última década, como grande produtora e exportadora de uvas finas de mesa de alta qualidade. Além de apresentar um alto coeficiente de eficiência econômica (relação benefício/custo) - cerca de 2,28 -, a videira cultivada no Nordeste gera 5,0 empregos/ha/ano, o maior índice entre as diversas culturas perenes e anuais (Brasil, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 1997). A participação da produção de uva do Submédio São Francisco correspondeu, em 1995 e 1996, a 92 e 77% dos valores das exportações brasileiras de uva, respectivamente (Silva e Correia, 2000). Segundo informações da Valexport, no ano de 2002 foram exportadas 25.000 toneladas de uva fina de mesa produzidas nesta região, o que representou 95% das exportações brasileiras de uva e quase 4% do volume exportado de frutas frescas.
A intensificação das técnicas de cultivo da videira e a expansão anual da área plantada sustentam a competitividade da região. O manejo de podas, controle hídrico, aplicação de defensivos e fertilizantes e agentes químicos reguladores de eventos fisiológicos garantem alta produtividade e propiciam até 2,5 safras por ano. Entretanto, estas mesmas condições podem induzir condições de estresse, propiciando o aparecimento de problemas fitossanitários que, se não forem contornados, podem trazer sérios prejuízos econômicos e, a médio/longo prazo diminuir a vida útil dos parreirais instalados.
Atualmente, o cancro bacteriano e a ferrugem da videira são as doenças que mais ameaçam a estabilidade fitossanitária da região. Ambas as doenças são consideradas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento como sendo pragas A2, aquelas pragas de importância econômica potencial, já presentes no país, mas não amplamente distribuídas. O cancro bacteriano não estava presente no Brasil até 1998, quando apareceu no pólo Petrolina-Juazeiro, causando sérias perdas econômicas e limitando a época de cultivo das variedades mais suscetíveis. Atualmente, a bacteriose está oficialmente relatada em Pernambuco, Bahia e Piauí. O trânsito de material vegetal de videira para fora destes estados está proibido pelo MAPA. Não se sabe como o cancro bacteriano, doença presente anteriormente apenas na Ásia, chegou ao Brasil, mas suspeita-se de introdução acidental através de material vegetativo de videira.
A ferrugem da videira ainda não está presente nas regiões produtoras de uva do semi-árido. Esta doença foi observada pela primeira vez no Brasil em 2001, no Norte e Noroeste do Paraná e, em 2003, foi relatada no estado de São Paulo. Como parte de um projeto da Rede Sanidade Vegetal, que reúne fitopatologistas e entomologistas de várias unidades da Embrapa e de instituições parceiras, a Embrapa Semi-Árido está conduzindo um levantamento em propriedades comerciais do Submédio São Francisco, com o objetivo de divulgar informações sobre o problema para os produtores locais e detectar a doença rapidamente, caso ela chegue na região. Além disso, um plano emergencial está sendo elaborado em parceria com a Universidade Estadual de Maringá, delineando uma estratégia de ação para deter o estabelecimento da ferrugem, assim que for detectado o foco inicial.
A orientação passada aos viticultores e viveiristas é que não tragam material vegetativo de videira do Paraná ou São Paulo, evitando assim o risco de uma introdução acidental de outra doença potencialmente importante na região, a exemplo do cancro bacteriano. Outra potencial forma de introdução da ferrugem seria a movimentação de pessoas e veículos, carregando esporos do fungo de um parreiral afetado para outro livre da doença. Além disso, o fungo causador da doença, Phakopsora euvitis, é facilmente disseminado pelo vento a longas distâncias, e dessa forma, há a possibilidade que esporos sejam carregado por massas de ar vindas da região Sudeste. Segundo informações do INPE, eventualmente alguma massa de ar de origem extratropical pode atingir o Nordeste do Brasil, principalmente a partir de novembro.
Não é possível especificar de antemão qual seria o impacto da ferrugem na viticultura da região, nem se a doença irá de fato se estabelecer nestas condições. A região produtora de uva do semi-árido tem certas características climáticas que favoreceriam o estabelecimento da doença, tais como a ocorrência de uma estação chuvosa (dezembro a março) com temperaturas altas e ausência de temperaturas muito baixas ou geadas. Outra característica importante do ponto de vista epidemiológico é a presença contínua de tecido foliar nos parreirais, que garantiria a sobrevivência do inóculo. Em uma mesma propriedade, é comum haver áreas em produção, áreas recém-podadas e áreas em repouso.
Por outro lado, há um período longo sem chuvas, e as variedades cultivadas na região são uvas européias, as quais são menos suscetíveis à ferrugem do que as uvas americanas. No Sul do Brasil, a ferrugem tem causado maiores danos nas uvas americanas ou rústicas. Não existem informações sobre a reação das variedades sem sementes a essa doença.
É provável que, caso a doença venha a se estabelecer na região, seja necessário o uso de pulverizações com fungicidas no primeiro semestre. Segundo informações preliminares obtidas na região de Maringá, o controle químico da doença com produtos sistêmicos é possível, quando se consegue uma cobertura eficiente da face inferior das folhas.
e
Univ. Estadual de Maringá
Embrapa Semi-Árido
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