Melhoramento de precisão: uma nova era do melhoramento genético de plantas

Por Claudio Brondani (Embrapa Arroz e Feijão) e Rafael Tassinari Resende (Universidade Federal de Goiás)

20.10.2023 | 16:53 (UTC -3)
Figura 1 - sistema integrado utilizando algumas das ferramentas do Melhoramento de Precisão; vemos na imagem um experimento de melhoramento genético de milho sendo assistido por dados de satélites, drones e estações meteorológicas - Fonte: adaptada de resende et al., 2022
Figura 1 - sistema integrado utilizando algumas das ferramentas do Melhoramento de Precisão; vemos na imagem um experimento de melhoramento genético de milho sendo assistido por dados de satélites, drones e estações meteorológicas - Fonte: adaptada de resende et al., 2022

O melhoramento genético de plantas surgiu juntamente com a prática da agricultura, há 11.500 anos. No início, agricultores realizavam a seleção empírica dos melhores materiais, buscando refinar caracteres que seriam importantes naquele momento em que passavam a trocar a vida nômade pela comunitária. A matéria-prima para esse melhoramento eram espécies silvestres, que possuem características que precisavam ser melhoradas, como por exemplo, reduzir o número de dias até o florescimento, e a facilidade na dispersão da semente, que era utilizada como alimento. Precisava então serem selecionadas plantas mais precoces e que não liberavam as sementes.

Esse método, até então rudimentar, foi aos poucos se aprimorando, sendo então o responsável pelo surgimento das grandes culturas de hoje! Como o milho, trigo, soja, arroz, florestais, dentre outras. O melhoramento como ciência ainda demoraria muito a aparecer, já no século 20, e utilizou conceitos de genética, ciência cujos fundamentos modernos são creditados ao monge Gregor Mendel, que conduziu estudos envolvendo cruzamentos entre plantas genitoras (hibridação), e a consequente observação das diferenças visuais na geração filial. Esse é um ponto fundamental no melhoramento genético de plantas clássico: a matéria-prima para o desenvolvimento de cultivares superiores é a disponibilidade de maior variabilidade genética para possibilitar a seleção genética. Fundamentalmente o melhoramento clássico trabalhava nestes termos: cruzamentos entre materiais geneticamente distintos, para ampliar a variabilidade disponível para seleção. Ferramentas estatísticas foram desenvolvidas, muitas das quais são utilizadas até hoje, para selecionar indivíduos significativamente superiores, e os demais sendo descartados, em um processo contínuo.

Um avanço significativo no melhoramento de plantas foi impulsionado pela descoberta do DNA, e a possibilidade de se correlacionar variações do DNA (genótipo) e as características observáveis (fenótipo). O desenvolvimento de marcadores moleculares, juntamente com técnicas estatísticas elaboradas viabilizou essa possibilidade, o que notadamente é descrita como seleção indireta, onde a presença de determinada “marca molecular” antecipa o resultado do fenótipo, o que também é conhecido como seleção assistida por marcadores. Outra aplicação importante dos marcadores moleculares é a associação da variação a nível de genoma (conjunto de genes de um indivíduo), com o grau de relacionamento genético entre variedades. Essa informação ainda é muito utilizada para direcionar cruzamentos entre variedades mais diversas geneticamente. Marcadores também permitem determinar o grau de homogeneidade de lotes de cultivares comerciais, diminuindo os riscos de venda de sementes com misturas de variedades. Estratégias de análise mais elaboradas também surgiram a partir da enorme quantidade de dados obtidos pelo sequenciamento de DNA, como a seleção genômica.

Tal como a revolução industrial vive sua quarta era atualmente, a chamada revolução industrial 4.0. Coincidentemente, o Melhoramento de Precisão equivale ao quarto ponto da escala de desenvolvimento de variedades melhoradas. Ele consiste de um conjunto de técnicas sofisticadas que se conectam, utilizando toda a tecnologia disponível, e que inclui o uso de computadores, internet das coisas, inteligência artificial, uso de câmeras, sensores, drones, satélites, sequenciamento de DNA de nova geração, e que juntos, permitem ampliar a gama de informações para aumentar a precisão no processo de seleção genética. Algumas dessas ferramentas são observadas na Figura 1. Juntas, estas metodologias são capazes de ampliar o número de gerações de seleção por ano via Speed Breeding (realizando incríveis 2, 3 e até 4 ciclos de seleção por ano), obter caracterização automatizada para diversas características via Fenômica, e caracterização precisa de dados ambientais, que é um componente fundamental para o melhoramento genético, via Ambientômica. A transgenia, via engenharia genética, e mais recentemente, a edição de genoma, também tem contribuído para o desenvolvimento de cultivares com genes que não fazem parte do genoma de uma espécie, ou que necessitam ser editados, a fim de fornecer novas características, como tolerância à seca e resistência à insetos, para o agricultor decidir na hora de adquirir sementes para estabelecer suas lavouras. Estas técnicas e procedimentos estão reunidos numa obra de nossa autoria, recentemente publicada em língua portuguesa.

E como está o conhecimento em Melhoramento de Precisão no Brasil? Recentemente realizamos uma pesquisa com mais de 200 profissionais e estudantes da área de genética e melhoramento de plantas no Brasil (pesquisa também disponível na obra mencionada acima). Um ponto relevante a destacar é que o melhoramento de precisão, apesar de ser um caminho sem volta para aumentar a eficiência do melhoramento genético de plantas, ainda tem sido pouco explorado por empresas de melhoramento e profissionais brasileiros. Possibilidades de desenvolvimento de startups dedicadas a uma ou mais de uma metodologia de Melhoramento de Precisão, como o uso de drones e fenômica, representam uma excelente oportunidade para alunos de graduação e pós-graduação, dado o arrojo da agricultura empresarial no país. Por outro lado, os cursos de graduação e pós-graduação relacionados ao agronegócio e melhoramento de plantas devem revisar sua grade curricular para atender a essas novas demandas. Aumentar a produção das culturas por unidade de área, mesmo com a ocorrência de seca, insetos e doenças, tem agora uma ferramenta prática, eficiente, e que permitirá manter o Brasil entre os principais países exportadores de grãos.

Por Claudio Brondani (Embrapa Arroz e Feijão, esq.) e Rafael Tassinari Resende (Universidade Federal de Goiás, dir.) 

A obra "melhoramento de precisão: aplicações e perspectivas na genética de plantas" pode ser adquirida gratuitamente na livraria da Embrapa.

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