Vírus-da-risca tem novo transmissor

Por Orcial Ceolin Bortolotto, UEPG; Juliano de Bastos Pazini, Esalq-USP; Rubia de Oliveira Molina, IDR-Paraná; Mateus Henrique Garcia, Iapar-Emater; Camila Lage De Andrade, Tatiana Mituti, Laboratório Agronômica Ltda

29.09.2023 | 16:33 (UTC -3)
Artigo foi publicado na edição 292 da Revista Cultivar Grandes Culturas
Artigo foi publicado na edição 292 da Revista Cultivar Grandes Culturas

Após registro da ocorrência da nova espécie de cigarrinha-do-milho Leptodelphax maculigera (Stål, 1859) (Hemiptera: Delphacidae) em Goiás, um recente estudo constatou a presença do vírus-da-risca associado a essa nova espécie. O registro de um novo potencial vetor da virose da risca alerta para os riscos que esta nova espécie pode representar para a cultura do milho no Brasil.

A nova cigarrinha-do-milho

Leptodelphax maculigera (Stål, 1859) (Hemiptera: Delphacidae: Delphacinae: Delphacini) trata-se de uma nova combinação de Delphax maculigera (Hemiptera: Delphacidae: Delphacinae: Delphacini), descrita por Stål, em 1859, nas Ilhas Maurício, localizadas no oceano Índico Ocidental, no continente africano. Outros registros dessa e outras espécies de Delphacidae foram realizados principalmente em outras ilhas do oceano Índico Ocidental, reconhecendo a derivação africana da fauna de delfacídeos. O gênero Leptodelphax está representado em vários países da África, Egito, Chipre, Turquia e Israel. A ocorrência da cigarrinha-africana Leptodelphax maculigera foi recentemente reportada por pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG), no estado de Goiás, Centro-Oeste do Brasil, correspondendo ao primeiro registro da espécie no continente americano.

Figura 1 - exemplar de “L. maculigera” disposta ao lado de “Dalbulus maidis” (Hemiptera: Cicadellidae)
Figura 1 - exemplar de “L. maculigera” disposta ao lado de “Dalbulus maidis” (Hemiptera: Cicadellidae)

A cigarrinha-africana L. maculigera difere morfologicamente da cigarrinha-do-milho Dalbulus maidis, a qual pertence à família Cicadellidae (Leptodelphax maculigera = família Delphacidae x Dalbulus maidis = família Cicadellidae). Trata-se de um inseto pequeno, de cerca de 3,0 a 3,5 mm de comprimento, sendo ligeiramente menor do que D. maidis. Além disso, caracteriza-se marcadamente pela presença de olhos de cor preta, de uma pequena mancha, também de cor preta, ocupando o ápice e a parte frontal da cabeça, e de um esporão no final das tíbias das pernas posteriores, que é típico da família Delphacidae (Figura 1). D. maidis, no entanto, caracteriza-se pela presença de duas manchas circulares pretas na cabeça, entre os olhos, e de fileiras de pequenos espinhos nas tíbias das pernas posteriores, esta última, típica da família Cicadellidae. Apesar destas diferenças, ambas as espécies possuem relativo grau de semelhança morfológica entre si, sobretudo para distingui-las no campo, situação que pode ter prejudicado a detecção mais antecipada de L. maculigera no território brasileiro.

Essa espécie tem hábito alimentar oligófago, isto é, alimenta-se de um espectro relativamente restrito de plantas hospedeiras de diferentes gêneros dentro de uma mesma família; neste caso, o inseto está associado à alimentação em poáceas, onde uma grande variedade dessas plantas hospedeiras são economicamente importantes na agricultura, como gramíneas (capim-elefante, capim-braquiária), cana-de-açúcar e milho. Além dos danos diretos, várias espécies do gênero Leptodelphax têm sido relatadas como possíveis vetores de fitoplasma = “maize bushy stunt phytoplasma” (MBSP).

Vírus-da-risca na nova cigarrinha

Várias espécies da família Delphacidae são importantes pragas em cultivos agrícolas no Brasil e no mundo. A elas, dedica-se bastante atenção quanto ao seu monitoramento e táticas de controle. Isso porque, além dos danos diretos decorrentes de sua alimentação, a sucção contínua de seiva do floema, esses insetos podem transmitir doenças às plantas cultivadas, principalmente viroses, deixando, também, lesões, que podem servir de “porta de entrada” para outros agentes infecciosos atingirem as plantas. Já existe estudo científico que relatou a capacidade de espécies de delfacídeos de transmitir cerca de 25 tipos de vírus em plantas, como arroz, trigo, milho, sorgo, cana-de-açúcar, palmeiras e algumas espécies de capins perenes.

Um estudo conduzido no estado do Paraná trouxe, pela primeira vez, o registro da presença do vírus-do-rayado-fino ou vírus-da-risca = “maize rayado fino virus” (MRFV) junto à nova espécie de cigarrinha L. maculigera. Essa pesquisa, que contou com a colaboração de pesquisadores de diferentes instituições brasileiras, como UEPG, Iapar-Emater, Esalq-USP e Laboratório Agronômica, empregou técnicas moleculares de RT-qPCR (transcriptase reversa [RT] seguida de quantificação por meio de técnica da reação em cadeia da polimerase [qPCR] em tempo real), que são testes até dez mil vezes mais sensíveis para diagnose desses agentes fitopatogênicos, quando comparados à PCR convencional. Os indivíduos de L. maculigera detectados com a presença do MRFV foram coletados no município de Londrina, PR (23°21'36.6"S e 51°10'07.0"W), durante os meses de janeiro e abril de 2023, em armadilhas adesivas de coloração amarela, instaladas em lavoura de milho, visando o monitoramento da população da cigarrinha-do-milho D. maidis.

Figura 2 - sintoma característico do MRFV em folhas/plantas de milho
Figura 2 - sintoma característico do MRFV em folhas/plantas de milho

Até o momento, segundo literatura científica e especializada, no Brasil e no mundo, a presença do MRFV não estava associada à cigarrinha-africana L. maculigera. O MRFV é causado por um marafivírus, que é vírus de RNA do genoma de fita simples. A transmissão pelas cigarrinhas às plantas de milho se dá de modo propagativo e persistente, isto é, a replicação do vírus ocorre no organismo do inseto-vetor, como em glândulas salivares, trato digestivo e corpos gordurosos. Em plantas de milho infectadas, as partículas do vírus podem ser observadas no citoplasma e nos vacúolos. Os sintomas dessa doença têm sido verificados entre sete e dez dias após a inoculação, caracterizando-se por pequenos pontos cloróticos alinhados na base e ao longo das nervuras das folhas. À medida que ocorre o crescimento desses pontos, eles se fundem, formando uma risca fina (Figura 2). De maneira geral, os primeiros sintomas dessa virose aparecem em plantas jovens, no campo, cerca de 30 dias após a semeadura, permanecendo visíveis mesmo em plantas de milho em fase reprodutiva. Em cultivares suscetíveis, a infecção em plantas jovens pode provocar redução de crescimento, abordo de gemas florais, que levam à produção de espigas e grãos menores que o tamanho normal (Figura 3). Estima-se que essa virose tenha causado redução na produção de milho em torno de 30%.

Figura 3 - sintomas do MRFV em planta de milho: redução de crescimento e produção de espigas e grãos menores que o tamanho normal
Figura 3 - sintomas do MRFV em planta de milho: redução de crescimento e produção de espigas e grãos menores que o tamanho normal

Motivo do alerta

A presença do MRFV na cigarrinha-africana L. maculigera, vetor de outros fitopatógenos em plantas cultivadas e potencialmente vetor da virose-da-risca em milho, alerta para os riscos que esta nova espécie pode representar para a cultura do milho no Brasil. Além do registro inédito da presença do vírus e consequente potencial de transmissão, o estudo aqui apresentado evidenciou a ocorrência da cigarrinha-africana no estado do Paraná que, aliada aos recentes registros de ocorrência em Goiás e, por último, no Rio Grande do Sul, alerta para o fato dessa nova espécie estar em absoluta distribuição no território brasileiro. Isso requer a continuidade de medidas de monitoramento, do vetor e do fitopatógeno, sua correta identificação, de controle do vetor, associado a boas práticas agrícolas já indicadas para o manejo de D. maidis, objetivando a redução dos danos diretos e da disseminação da doença em lavouras de milho no Brasil.

Implicações no manejo

No momento, não há informações sobre a tolerância desta nova espécie aos inseticidas, quando comparada com a espécie D. maidis. Desse modo, preconizam-se inicialmente o uso de híbridos tolerantes, o tratamento de sementes (especialmente com neonicotinoides) e o uso de inseticidas com diferentes mecanismos de ação. Por se tratar de um inseto com potencial de ser vetor do vírus-da-risca, a atenção deve ser dada desde a fase inicial de desenvolvimento do milho. Isso é importante em razão de, em algumas regiões no Brasil, observar-se baixa pressão de plantas com enfezamento e, desse modo, a atenção maior ser dada na redução populacional somente na fase reprodutiva (por exemplo, devido à preocupação com fumagina). No entanto, será importante o monitoramento para averiguar a dinâmica populacional dessa espécie, pois se as populações aumentarem e ocorrerem mais cedo nessas regiões, as perdas poderão ser irreversíveis.

Salienta-se que, embora se desconheça a eficiência de inseticidas para essa praga, a associação com produtos biológicos é uma estratégia fundamental, pois esses organismos atuam por contato (penetram no tegumento, colonizam e matam). Dessa forma, inseticidas microbianos à base de fungos, como Beauveria bassiana, Cordyceps (= Isaria) fumosorosea e Metarhizium anisopliae, auxiliarão no manejo desta nova espécie invasora.

Por Orcial Ceolin Bortolotto, UEPG; Juliano de Bastos Pazini, Esalq-USP; Rubia de Oliveira Molina, IDR-Paraná; Mateus Henrique Garcia, Iapar-Emater; Camila Lage De Andrade e Tatiana Mituti, Laboratório Agronômica Ltda

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