Imposto Territorial Rural: a evolução do tributo republicano

Por Flávia Sant’Anna Benites, sócia do escritório Ernesto Borges Advogados

18.10.2023 | 15:26 (UTC -3)

O Imposto Territorial Rural (ITR) é um tributo diretamente relacionado ao surgimento da República brasileira e sua face agrária. No país, o ITR foi introduzido pela Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, no ano de 1891, através de seu artigo 9º, que atribuía a competência aos estados federativos: “art. 9º - É da competência exclusiva dos estados decretar impostos: 2º) sobre imóveis rurais e urbanos”.

Pela primeira vez na história do Brasil os tributos ganharam status constitucional, permitindo além de uma maior institucionalização, regramento extenso e transparência. Ao longo dos anos sua cobrança e instituição permaneceu competência dos estados:

Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934: “Art. 8º - Também compete privativamente aos estados: I - decretar impostos sobre: a) propriedade territorial, exceto a urbana”.

• Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1937: “Art. 23 - É da competência exclusiva dos estados, salvo a limitação constante do art. 35, letra d: I - a decretação de impostos sobre: a) a propriedade territorial, exceto a urbana”.

• Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946: “Art. 19. Compete aos estados decretar impostos sobre: I - propriedade territorial, exceto a urbana”.

A Emenda Constitucional nº 5 de 1961 por sua vez, transfere a competência aos municípios, sendo superada somente três anos depois, pela EC nº 10 de 1964, que designa a competência à União.

O imposto até então meramente fiscal, ganha novos contornos com o Estatuto da Terra de 1964, que visava regular os direitos e obrigações de bens rurais, para os fins de execução da reforma agrária e promoção da política agrícola. Para esse diploma, a propriedade desempenharia integralmente sua função social quando simultaneamente:

a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias;

b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;

c) assegura a conservação dos recursos naturais;

d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivem.

A proposta da Lei nº 4.504/1964 era justamente de utilizar o Imposto Territorial Rural como importante instrumento para combater a improdutividade e redistribuir terras desapropriadas. Para tanto, o estatuto criou diretrizes diversas para a reforma agrária como planos periódicos e fundos de custeio. Após a reforma de 1979, a lei ainda além de estabelecer alíquotas progressivas conforme o tamanho a área tributada, dispôs acerca da possibilidade de redução de até 90% a título de estímulo fiscal, segundo o grau de utilização econômica do imóvel rural, da seguinte forma:

a) redução de até 45%, pelo grau de utilização da terra, medido pela relação entre a área efetivamente utilizada e a área aproveitável total do imóvel rural;

b) redução de até 45% pelo grau de eficiência na exploração, medido pela relação entre o rendimento obtido por hectare para cada produto explorado e os correspondentes índices regionais fixados pelo Poder Executivo e multiplicado pelo grau de utilização da terra, referido na alínea "a" deste parágrafo.

A vasta extensão do país, entretanto, fez com que o imposto sofresse algumas mudanças na Constituição Federal de 1988. A Emenda Constitucional nº 42 de 2003 modificou os arts. 153 e 158 quanto à fiscalização e cobrança do ITR, cabendo a totalidade arrecadada do imposto aos municípios que assumirem tais responsabilidades. A repartição ocorre por intermédio da Receita Federal do Brasil, através de convênio, cuja adesão depende da comprovação por parte do município da posse de estrutura tecnológica e quadro efetivo de servidores com atribuição de lançamento de créditos tributários aprovados em concurso público.

A nova Carta Magna igualmente reforçou o caráter extrafiscal do tributo, estabelecendo duas situações distintas a:

(1) promoção do uso adequado e eficiente do espaço territorial rural, dispondo no § 4º do art. 153 que o imposto será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular propriedades improdutivas; e

(2) defesa dos pequenos proprietários, pois as pequenas glebas rurais, definidas em lei, são imunes ao pagamento do ITR, quando as explore o proprietário que não possua outro imóvel.

Dessa forma, buscou-se inibir a existência de latifúndios improdutivos e, ao mesmo tempo, dar tratamento diferenciado e mais benéfico ao pequeno produtor rural. Trata-se de normas que buscam concretizar a função social da propriedade e a taxação conforme a capacidade contributiva.

Por fim, no cenário atual do Imposto Territorial Rural, o Decreto nº 4.382/2002 disciplinou a fundo o tributo, definindo aspectos como responsáveis tributários, incidência, isenção e imunidade. O ponto mais complexo e interessante do diploma é, por sua vez, a definição de área não tributável, que permite a exclusão no cálculo do tamanho da propriedade das áreas:

I - de preservação permanente - Código Florestal, arts. 2º e 3º;

II - de reserva legal;

III - de reserva particular do patrimônio natural;

IV - de servidão florestal;

V - de interesse ecológico para a proteção dos ecossistemas, assim declaradas mediante ato do órgão competente, federal ou estadual, e que ampliem as restrições de uso previstas nos incisos I e II do caput deste artigo;

VI - comprovadamente imprestáveis para a atividade rural, declaradas de interesse ecológico mediante ato do órgão competente, federal ou estadual.

Ao analisar a trajetória do ITR é notório como o imposto, muito além de tributar áreas rurais, possui um objetivo muito maior: incentivar a produção rural e diminuir as desigualdades do país. Longe de ser um modelo perfeito, a cada novação legislativa o tributo se aprimora na persecução de seu fim, visando fomentar a atividade econômica que é a responsável pela maior fatia do PIB do país.

Por Flávia Sant’Anna Benites, sócia do escritório Ernesto Borges Advogados

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