Nas últimas safras, algumas lavouras de soja de Mato Grosso apresentaram sintomas de plantas com hastes verdes e também semelhantes àqueles de soja-louca, caracterizados por plantas estéreis ou com estruturas anômalas. Nessas plantas sempre foram constatadas grandes quantidades de um ácaro-preto, da família Oribatidae, por algum período. Problemas similares têm ocorrido em áreas de soja dos estados de Tocantins e Maranhão.
Nas diversas amostras coletadas em plantas de soja, predominantemente foi notada a espécie Scheloribates praeincisus Pérez-Iñigo e Baggio, 1986 (Scheloribatidae), identificada pelo acarologista Anibal Oliveira , da Universidade Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus, Bahia.
Os imaturos do ácaro Scheloribates praeincisus possuem coloração clara translúcida e ao longo de seu desenvolvimento ocorre o escurecimento, passando para o castanho até chegar à fase adulta com a cor quase preta. Quando molestado, encolhe suas patas e fica imóvel, como se estivesse morto. O adulto é pequeno, mas pode ser visto a olho nu, mas é bem visualizado a campo com o auxílio de uma lupa de bolso (aumento de 20 vezes).
A princípio foram levantadas hipóteses que associavam os sintomas com as causas conhecidas para haste verde e soja-louca. Com base nos sintomas observados, ocorrências, histórico e aspecto, todas as conhecidas causas de sintomas de hastes verdes foram excluídas. Assim, suspeitou-se que o ácaro era o possível responsável pelo problema, e a partir daí passou a ser observado mais atentamente.
Este ácaro vive na terra e no humo (parte superior do solo caracterizada pela presença de grande quantidade de matérias de origem orgânica, predominantemente vegetal, decompostas ou em decomposição), preferindo locais mais úmidos e sombreados.
Apesar de viver preferencialmente nestes locais, como citado, eles foram encontrados abundantemente nas plantas de soja, geralmente adultos, e raramente formas imaturas. Nesta leguminosa, os ácaros eram encontrados em toda a sua parte aérea, porém preferiam as axilas, brotações novas, flores e vagens, onde tipicamente existe tecido tenro e em crescimento.
Os sintomas a campo apresentavam-se em reboleiras, com plantas de coloração verde-escura, folhas mais espessas e ásperas, com algum bronzeamento na página superior (na fase de maturação), folhas tornavam-se recurvadas para baixo, com estruturas reprodutivas deformadas. Os nós ficavam mais espessos, hastes e ramos engrossados e alongados, e geralmente as plantas atacadas apresentavam porte maior quando comparadas a plantas sadias Também ocorreu perda das estruturas reprodutivas quando o ataque se deu na floração, e as poucas vagens formadas ficam com tamanho maior que o das vagens de plantas normais, além de apresentar sinais visíveis de que foram injuriadas pelo ácaro.
A maturação dessas plantas era tardia ou inexistente (muita haste verde e/ou retenção foliar na colheita), apresentando problemas para a dessecação. Após a aplicação do dessecante, algumas folhas caiam e outras não. Aparentemente as plantas tornavam-se mais tolerantes aos dessecantes, os ramos e hastes ficavam esverdeados e as vagens não amadureciam, dificultando a colheita com a saturação dos cilindros das colhedoras. A maior perda na produtividade decorria da pouca formação de vagens e sua imaturidade, além do tamanho anormal, que acabam também sendo descartadas pelas colhedoras ou na pré-limpeza dos silos.
Nos talhões de soja que ainda não fechavam as entrelinhas quase não foram encontrados ácaros nas plantas. Talvez isto se deva à maior intensidade de luz que passava por entre as plantas e à menor umidade deste ambiente. Já nos talhões em que as plantas de soja fechavam as entrelinhas, a quantidade de ácaros encontrados nas plantas era maior e mais freqüente. Provavelmente este fato está relacionado ao ambiente sombreado e úmido oferecido pelas plantas, e também pela proteção maior contra ventos e chuvas torrenciais.
Um fator determinante para o aumento da infestação do ácaro nas plantas se refere aos períodos prolongados de chuva promovendo o encharcamento do solo. Nesta condição, o ácaro procurou abrigo nas plantas, na palhada mais alta, ou um graveto ou inço mais elevado, indicando querer fugir ou escapar do encharcamento.
Geralmente, em áreas onde a água das chuvas formava poças ou acumulava, era mais freqüente a quantidade de plantas com sintomas posteriormente. Isso estava relacionado com a maior quantidade de ácaros presentes nestes locais, levados através do escorrimento superficial da água das chuvas, que além de carregá-los acaba obrigando-os a subirem nas plantas devido ao encharcamento do solo nestes locais. Um exemplo de lugares onde acumulava grande quantidade de água, e muitas plantas tinham sintomas, eram as bases dos terraços.
Quanto à pilosidade das plantas, aquelas mais jovens, por serem, em geral, mais pilosas, aparentemente dificultam a locomoção dos ácaros sobre elas, enquanto as mais velhas possuem menor pilosidade, tornando mais fácil a adaptação dos insetos. Isto foi observado nas plantas do estudo, durante a infestação artificial com ácaros.
Observou-se que o ácaro-preto possui hábito diurno e noturno diferenciado. Durante o dia (horário mais quente), nas plantas do estudo, cultivadas em vasos, quase não se encontrava ácaros presentes. Trata-se do momento em que iam para a superfície do solo. Em lavouras, com as entrelinhas fechadas pelas plantas, foram encontradas grandes quantidades de ácaros na parte aérea das plantas. E, no crepúsculo da tarde foi observado que os ácaros começavam a subir e se abrigar nas plantas do estudo, onde não eram encontrados durante o dia quente.
Nas áreas problemáticas, as bordaduras das lavouras freqüentemente tinham mais sintomas, pois retinham mais umidade (talvez a maior compactação do solo pela ação das máquinas resultou em menor infiltração da água das chuvas, e conseqüentemente na formação de maiores quantidade de poças d’água).
Diferentes tipos de cobertura (palhada), sua espessura, associados a períodos de chuvas prolongadas estão intimamente ligados ao ataque da população do ácaro na lavoura, resultando em maior ou menor incidência de plantas atacadas.
Áreas de soja cultivada sobre a palhada do milheto, nas regiões problemáticas, apresentam melhores condições de desenvolvimento para a população do ácaro, quando comparadas à áreas de soja cultivada sobre a palha de milho e arroz. Na palhada de milheto a quantidade de ácaros e plantas atacadas foi maior que nos outros dois tipos. Nas lavouras de soja cultivadas sobre áreas de pousio, a quantidade de plantas atacadas foi maior ainda que nas áreas de soja plantadas sobre a palhada do milheto, especialmente se havia grande quantidade de inço, com predominância de plantas daninhas de folha estreita, ou capins como o milhã.
Estudo feito em áreas de soja cultivadas sobre os diferentes tipos de coberturas revela resultados diferentes com relação à quantidade de plantas atacadas e perdas na produtividade. Soja cultivada sobre a área de pousio e com muito inço apresentou 50,9% das plantas atacadas com 35,2 % de queda na produtividade. O talhão de soja cultivada sobre a palhada do milheto apresentou 6,8% das plantas atacadas e 3,4% de queda na produção. As áreas de soja, cultivadas sobre a palhada de milho e arroz, apresentaram 2,9% e 3,5% das plantas atacadas, respectivamente, com uma redução na produtividade da ordem de 1,3% e 1,8%.
Um baixo índice de plantas afetadas nas áreas de soja cultivada sobre a palhada do milho pode ser explicado com a gradagem realizada com grade niveladora, que revolveu o solo, eliminando grande quantidade de ácaros presentes na superfície do solo e na palhada de milho. Também, foi observado que no interior dos colmos de milho já em decomposição havia grandes quantidades de cupins, que competiam por alimento e abrigo com o restante dos ácaros que não foram eliminados com a gradagem.
Algumas reboleiras de plantas de soja atacadas, encontradas nas áreas de milho, estavam em áreas com falhas na operação de gradagem, pois nestas reboleiras foram verificados colmos de milho intactos e com tamanho maior que os localizados no restante da lavoura.
Nas lavouras cultivadas sobre áreas que permaneceram em pousio, a incidência de plantas de soja com sintomas foi muito alta, quando comparadas às outras áreas (soja cultivada sobre palhada de milheto, milho e arroz). Nestas áreas de pousio infestadas e sintomáticas, quando foi realizado o revolvimento do solo com uma grade niveladora leve, resultou em baixo índice de plantas atacadas.
No final do ciclo da cultura, quando as plantas de soja estavam maturas, tornava-se difícil encontrar o ácaro presente nas plantas imaturas das reboleiras atacadas, pois curiosamente ele passava a se abrigar nas folhagens de soja caídas sobre o solo e também nas plantas completamente maturas, indicando ser um ácaro cujo habitat é material em decomposição, e que sobe nas plantas de soja em momentos adversos neste habitat, como nos encharcamentos.
Dependendo da cultura antecessora à soja, e do revolvimento do solo com grade niveladora ou intermediaria (de acordo com a massa a ser incorporada), realizado ou não, teve resultados diferentes na incidência de plantas apresentando os sintomas de soja-louca. Tornando-se evidente que o problema encontrado nestas lavouras pode estar relacionado aos diferentes tipos de cobertura e de manejo do solo.
Resumindo, os sintomas mais intensos estavam associados à presença prévia de altas infestações do ácaro-preto nas plantas de soja, principalmente em áreas úmidas ou com períodos prolongados de chuva, fazendo com que procurassem abrigo nestas plantas por ocasião do encharcamento do solo, injuriando a soja. Também, há uma associação de diferentes níveis populacionais do ácaro e o tipo de cobertura que antecede o plantio de soja, sendo que as gradagens nas áreas problemáticas diminuíram significativamente os sintomas e prejuízos.
Por hora, está levantada a hipótese dos ácaros lesionam tecidos jovens das plantas ou injetam toxinas nas plantas, o que levaria às deformações e anomalias sob alta infestação da praga, aspecto que precisa ser objetivo de estudos futuros, como aqueles com infestações com níveis populacionais crescentes.
Cabe ressaltar a necessidade de estudos mais abrangentes, especialmente para entender as interações entre o ácaro-preto, a planta de soja e humo sobre o solo. Também, se faz necessário identificar o que induz a planta aos sintomas de haste verde e soja-louca, e a razão de graus variados de sintomas a campo. As pesquisas sobre métodos de controle devem ser priorizadas para amenizar os prejuízos imediatos dos produtores.
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