Manejo de lagartas em algodoeiro

Além do controle químico é preciso obedecer às práticas de manejo integrado como monitoramento, manutenção e preservação de inimigos naturais

23.04.2020 | 20:59 (UTC -3)

Por sua diversidade e alto potencial destrutivo lepidópteros estão entre as principais pragas em algodoeiro. Lagarta-das-maçãs, Helicoverpa armigera, falsa medideira, o complexo Spodoptera e curuquerê são alguns destes insetos. Para o combate, além do controle químico é preciso obedecer às práticas de manejo integrado como monitoramento, manutenção e preservação de inimigos naturais, tratamento de sementes e estabelecimento de período especifico de semeadura para cultivo em cada região.

Nas últimas safras a ocorrência de lagartas tem preocupado os cotonicultores, principalmente espécies da subfamília Heliothinae, como a velha conhecida lagarta-das-maçãs, Heliothis virescens, e a Helicoverpa armigera, recém introduzida nas condições brasileiras, além do complexo Spodoptera, lagarta-falsa-medideira, Chrysodeixis includens (Walker) e o curuquerê-do-algodoeiro, Alabama argillacea (Hübner).

Curuquerê

O curuquerê-do-algodoeiro, Alabama argilácea, é a principal praga desfolhadora. Pode provocar desfolha de grande intensidade, pois cada lagarta é capaz de consumir 90cm² de área foliar para completar seu ciclo. A cada safra os ataques desta praga estão ocorrendo mais cedo, em decorrência das plantas de algodão remanescentes (soqueira e tigueras) da safra anterior, que permanecem entre as lavouras de soja, milho e ao longo das estradas, alimentando-as e favorecendo a reprodução continuada da praga.

As lagartas possuem coloração verde-escura, com duas estrias longitudinais no dorso e apresentam pintas pretas em todo o corpo. Em alta infestação, as lagartas ficam com uma coloração escura, dando ao cotonicultor um indicativo do grau de infestação.

Figura 1.  Lagartas do curuquerê. (Foto: F.J. Celoto/Lab. MIP – Unesp/Ilha Solteira)
Figura 1. Lagartas do curuquerê. (Foto: F.J. Celoto/Lab. MIP – Unesp/Ilha Solteira)
Figura 1.  Lagartas do curuquerê. (Foto: F.J. Celoto/Lab. MIP – Unesp/Ilha Solteira)
Figura 1. Lagartas do curuquerê. (Foto: F.J. Celoto/Lab. MIP – Unesp/Ilha Solteira)

Os danos ocorrem inicialmente em folhas novas do ponteiro que se apresentam raspadas e, em seguida, as folhas medianas das plantas, mostram perfurações irregulares. Posteriormente ocorre a desfolha generalizada,  podendo atacar inclusive as brácteas das estruturas reprodutivas. Quando o ataque se dá na abertura das maçãs, provoca sua maturação forçada, diminuindo a resistência das fibras, e as fezes podem manchar as fibras, depreciando-as.

O controle deve ser realizado quando atingir o nível de 50% de plantas com lagartas pequenas (menor que 1,5 cm) ou 30% de plantas com lagartas grandes (maior que 1,5 m), podendo ainda considerar o nível de 25% de desfolha.

Figura 2.  Danos do curuquerê. (Foto: F.J. Celoto/Lab. MIP – Unesp/Ilha Solteira)
Figura 2. Danos do curuquerê. (Foto: F.J. Celoto/Lab. MIP – Unesp/Ilha Solteira)

Lagarta-das-maçãs

A lagarta-das-maçãs, Heliothis virescens, é uma espécie de grande potencial para causar prejuízo à cultura do algodão, capaz de ocasionar perdas que variam de 18% a 32%, dependendo da região. Em média para cada 5% de infestação haverá a destruição de 25% de maçãs. Os ovos são depositados nos ponteiros das plantas e as lagartas novas se alimentam das folhas novas. Após passar para o segundo ínstar, movimentam-se em sentido descente, destruindo botões florais a partir do ponteiro. Quando mais desenvolvidas atacam botões florais maiores, flores e maçãs, destruindo-as. Durante a fase de lagarta, que dura aproximadamente 15 dias, cada indivíduo pode atacar em média, sete estruturas reprodutivas. Surtos no início da safra tendem a estar ligados a ocorrência de alta infestação na cultura anterior, como a soja.

As amostragens para lagarta-da-maçã devem ser feitas em toda a planta, a partir dos ponteiros e o nível de dano é 6% a 8% de plantas atacadas. Entretanto, a presença de lagartas grandes dificulta o controle da praga.

Figura 3. Lagarta-da-maçã atacando botão floral, flor e maçã de algodão. (Foto: F.J. Celoto/Lab. MIP – Unesp/Ilha Solteira)
Figura 3. Lagarta-da-maçã atacando botão floral, flor e maçã de algodão. (Foto: F.J. Celoto/Lab. MIP – Unesp/Ilha Solteira)
Figura 3. Lagarta-da-maçã atacando botão floral, flor e maçã de algodão. (Foto: F.J. Celoto/Lab. MIP – Unesp/Ilha Solteira)
Figura 3. Lagarta-da-maçã atacando botão floral, flor e maçã de algodão. (Foto: F.J. Celoto/Lab. MIP – Unesp/Ilha Solteira)

Helicoverpa

Lagartas da espécie H. armigera possui alto potencial reprodutivo. Cada fêmea pode ovipositar até 1.500 ovos, colocados sempre de forma isolada sobre talos, flores, frutos e folhas. O período larval é constituído por 5 a 6 ínstares e pode durar de 2 a 3 semanas, dependendo das condições climáticas, período em que causa danos. A espécie pode se alimentar de folhas e caules, contudo, têm preferência por brotos, inflorescências, frutos e vagens e causam danos tanto na fase vegetativa quanto reprodutiva, comportamento semelhante ao da lagarta-da-maçã. Ambas possuem alto potencial destrutivo, uma vez que a preferência é por estruturas reprodutivas, afetando diretamente na produtividade.

Figura 4. Helicoverpa armigera atacando estruturas reprodutivas de algodão. (Fotos: G. Papa &  J. A. Zanardi Jr, J. A. /Lab. MIP-Unesp-Ilha Solteira.)
Figura 4. Helicoverpa armigera atacando estruturas reprodutivas de algodão. (Fotos: G. Papa & J. A. Zanardi Jr, J. A. /Lab. MIP-Unesp-Ilha Solteira.)
Figura 4. Helicoverpa armigera atacando estruturas reprodutivas de algodão. (Fotos: G. Papa &  J. A. Zanardi Jr, J. A. /Lab. MIP-Unesp-Ilha Solteira.)
Figura 4. Helicoverpa armigera atacando estruturas reprodutivas de algodão. (Fotos: G. Papa & J. A. Zanardi Jr, J. A. /Lab. MIP-Unesp-Ilha Solteira.)

A Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) estima que as perdas na safra de 2012/2013 no Brasil atingiram 2 bilhões de reais, com destaque para a Bahia onde foram constatadas perdas de até 80% na produção do algodão.

Estudos realizados pela equipe de pesquisa do professor Geraldo Papa demonstraram que cada lagarta (em um ciclo de vida) pode consumir em média 9,7 estruturas reprodutivas e a ocorrência de 1 lagarta/plantas de algodoeiro tem poder para reduzir a produtividade em 14,1%.

Uma das alternativas que se adequam ao manejo integrado da H. armigera é o emprego de inseticidas de origem biológica, como o HzNPV (Helicoverpazea Nucleopolyhedrovirus), que apesar de sua especificidade, é seletivo a inimigos naturais, possui bom perfil toxicológico e demostra-se eficiente ao controle da praga, como mostra a análise desenvolvida pela equipe de pesquisa do professor Geraldo Papa.

Figura 5. Eficiência do inseticida de origem biológica HzNPV (Helicoverpazea Nucleopolyhedrovirus), sobre Helicoverpa armigera. (Fonte: G. PAPA /Lab. MIP – Unesp/Ilha Solteira)
Figura 5. Eficiência do inseticida de origem biológica HzNPV (Helicoverpazea Nucleopolyhedrovirus), sobre Helicoverpa armigera. (Fonte: G. PAPA /Lab. MIP – Unesp/Ilha Solteira)

Lagartas do gênero Spodoptera

As lagartas do gênero Spodoptera que atacam o algodoeiro (Spodoptera frugiperda, Spodoptera cosmiodes e Spodoptera eridanea) são pragas cuja importância econômica tem crescido ano a ano na cultura do algodão, principalmente nas áreas agrícolas do cerrado brasileiro, promovendo danos severos que podem reduzir significativamente a produção de fibra. As causas do aumento populacional da espécie na cultura envolvem o cultivo intensivo do solo praticado nestas áreas, com sucessão de ciclos de hospedeiros durante todo o ano, condições climáticas favoráveis (alta temperatura e baixa umidade relativa do ar), o uso excessivo e inadequado de inseticidas de amplo espectro de ação, e, principalmente, o plantio de gramíneas como milho, sorgo e milheto em sucessão à cultura do algodão. A polifagia e capacidade migratória do inseto asseguram sua sobrevivência em épocas desfavoráveis, já que nesta espécie não ocorre o fenômeno da diapausa.

Outro fato importante, é que as lagartas que sobrevivem na área de plantio após a dessecação, apresentam comportamento de lagarta rosca, permanecendo abrigadas sob torrões e restos culturais durante o dia e à noite, saem para atacar as plantas recém emergidas, cortando-as rente ao solo ou destruindo as folhas.     

Figura 6. Spodoptera eridanea atacando botão floral.  (Foto: F.J. Celoto/Lab. MIP – Unesp/Ilha Solteira)
Figura 6. Spodoptera eridanea atacando botão floral. (Foto: F.J. Celoto/Lab. MIP – Unesp/Ilha Solteira)
Figura 7. Spodoptera frugiperda em maçã de algodão. (Foto: F.J. Celoto/Lab. MIP – Unesp/Ilha Solteira)
Figura 7. Spodoptera frugiperda em maçã de algodão. (Foto: F.J. Celoto/Lab. MIP – Unesp/Ilha Solteira)

As lagartas ocorrem praticamente durante todo o período vegetativo da cultura do algodão, atacando todas as partes da planta. As mariposas realizam postura geralmente na parte mediana das plantas, onde ovipositam em média 100 ovos agrupados, dispostos em camadas.

Nas últimas safras, constatou-se de forma crescente a ocorrência de Spodoptera eridania e Spodoptera cosmioides em lavouras de algodão, principalmente nas regiões de cerrado, causando desfolha e danificando os órgãos frutíferos.      Para a Spodoptera, além do percentual de plantas atacadas com a presença das lagartas, é importante quantificar a intensidade do ataque em número de lagartas por planta durante as amostragens e considerar essa informação para auxiliar na tomada de decisão. Cada lagarta destrói em média seis estruturas produtivas, sendo dois a três botões florais e três a quatro maçãs, durante o período do ciclo larval. Quando a lagarta-das-maçãs e a lagarta-militar ocorrem separadamente ou em períodos distintos, são considerados os mesmos valores de referência para o seu controle. Medidas de controle devem ser adotadas quando atingir o nível de 10% de plantas ou estruturas reprodutivas atacadas. Entretanto, os danos provocados ao algodão são diferentes de acordo com a espécie. 

HELIOTHIS X SPODOPTERA: DANOS COMPARADOS

Com o objetivo de quantificar as diferenças entre as lagartas de Spodoptera frugiperda e Heliothis virescens quanto aos danos produzidos ao algodoeiro, o professor Geraldo Papa e equipe  instalaram experimento onde plantas de algodão foram infestadas com S. frugiperda e outras com com H. virescens e deixadas para se alimentarem das plantas até o empupamento. Os parâmetros avaliados foram: número de estruturas reprodutivas danificadas individualmente por espécie, produtividade de plumas + sementes e observações do comportamento das lagartas nas plantas. Concluiu-se que:

-  As lagartas de H. virescens danificaram maior número de estruturas reprodutivas (média de 19.5 estruturas/planta) que lagartas de S. frugiperda (média de 5.6 estruturas/planta).

- A produção das plantas infestadas com S. frugiperda foi 15.6% superior a produção obtida pelas plantas infestadas com H. virescens.

- As lagartas de S. frugiperda  deslocaram-se menos nas plantas e consumiram grande parte das estruturas atacadas, consequentemente, o consumo do número de estruturas foi menor.

- As lagartas de H. virescens deslocaram-se bastante e consumiram pequena parte das estruturas atacadas, porém o número de estruturas danificadas foi maior.

Média acumulada de danos causados por S. frugiperda e H. virescens por planta em relação ao número total de estruturas (Fonte: G. Papa, 2005)
Média acumulada de danos causados por S. frugiperda e H. virescens por planta em relação ao número total de estruturas (Fonte: G. Papa, 2005)

Spodoptera x Cultivares transgênicas (Bt)

Apesar das cultivares transgênicas expressarem proteínas tóxicas à maioria dos lepidopteros-pragas, o gênero Spodoptera tem sido o grande problema para essas cultivares devido à menor sensibilidade das lagartas às proteínas Bt e Vip. Assim, os produtores que adotam a tecnologia optando por cultivares transgênicas (Bt) na expectativa de controle de todas as lagartas acabam necessitando pulverizar as lavouras de algodão para o controle de Spodoptera, aumentado seu custo, pois além do maior valor das sementes transgênicas, os inseticidas de menor custo não tem sido efetivos para o controle de Spodoptera, sendo necessário o uso de inseticidas de mais modernos e mais caros. Assim, para regiões produtoras onde a ocorrência de Spodoptera é maior, o produtor necessita estar atento a presença das lagartas, efetuando monitoramento constante dos algodoais para executar o controle químico no momento em que as lagartas ainda estão nos primeiros instares.   

Falsa medideira ou Lagarta-mede-palmo

A falsa-medideira (Chrysodeixis includens) é a predominante nas lavouras quando comparada a outras espécies de Plusiinae. A constatação de elevadas populações de falsa-medideira tem preocupado produtores e técnicos em diversas regiões produtoras, passando de status de praga secundária a status de praga-chave em cultivos de soja e aumento da frequência de ataque em algodão.

Os adultos são mariposas com cerca de 35 mm de envergadura com as asas superiores de coloração cinza-escura, apresentando um pequeno desenho prateado no centro, em forma de “U”, os ovos são colocados isoladamente na face inferior das folhas e nos ponteiros, apresentando a coloração branca.

Figura 8. Lagarta mede-palmo. (Foto: F.J. Celoto/Lab. MIP – Unesp/Ilha Solteira)
Figura 8. Lagarta mede-palmo. (Foto: F.J. Celoto/Lab. MIP – Unesp/Ilha Solteira)
Figura 8. Lagarta mede-palmo. (Foto: F.J. Celoto/Lab. MIP – Unesp/Ilha Solteira)
Figura 8. Lagarta mede-palmo. (Foto: F.J. Celoto/Lab. MIP – Unesp/Ilha Solteira)

O dano provocado pela falsa-medideira é a desfolha causada pela alimentação das lagartas. O ataque começa no baixeiro com sentido ascendente. Os danos nas folhas são perfurações circulares entre as nervuras. A presença de 20% das plantas com lagartas pequenas determina o momento de controle. A posição de ataque das lagartas dessa espécie, abaixo da metade inferior das plantas, dificulta a ação de controle de inseticidas, pois nas aplicações convencionais é relativamente reduzida a quantidade de substância que atingem os estratos inferiores das plantas. As desfolhas tardias durante o período de abertura dos capulhos são provocadas por populações mistas de curuquerê e falsa-medideira e o controle deve ser realizado antes da deposição de excrementos nas fibras. O ataque nas lavouras de algodão coincide com a maturação das lavouras de soja.

Manejo

O manejo de lagartas é complexo. Deve ser implementado em um âmbito regional, visto que a maioria das espécies tem hábito polífago.  A principal forma de controle destas pragas é o controle químico decorrente, em grande parte, pela praticidade do método, associada à rápida obtenção dos resultados desejáveis e à frequente viabilidade econômica. No entanto, na maioria dos casos as medidas coletivas de manejo não são executadas, favorecendo a reprodução e dispersão das pragas e, nestas condições, os inseticidas não proporcionam a eficácia esperada, ou seja, os inseticidas passam a ser a única medida de combate às pragas e “sucumbem a tanta responsabilidade”.

Dessa forma, torna-se extremamente necessário que a cotonicultura moderna interaja com as práticas propostas pelo Manejo Integrado de Pragas (MIP), tais como monitoramento, níveis de controle, uso de feromônios, manutenção e preservação de inimigos naturais, manejo de resistência de insetos, tratamento de sementes, controle de pragas na dessecação que antecede a semeadura, vazio sanitário, controle eficiente de soqueiras e plantas voluntárias, controle de pragas em culturas de final de ciclo e que “forneceriam” pragas para o cultivo seguinte e estabelecimento de período especifico de semeadura (“janela”) para cultivo em cada região.


Geraldo Papa, João Antonio Zanardi Jr., Roberto da Silva e Fernando Juari Celoto, Unesp - Campus de Ilha Solteira/SP


Artigo publicado na edição 203 da Cultivar Grandes Culturas.

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