Manejo de doenças fúngicas em trigo

Por Daniel Debona e Darlan Felipe Sartori, Universidade Tecnológica Federal do Paraná

17.08.2023 | 15:28 (UTC -3)

O trigo é o segundo grão mais consumido pela humanidade e representa 30% da produção mundial de grãos. O Brasil é o oitavo maior produtor do cereal e, na safra 2022, foi registrada a maior produção da história, 9,5 milhões de toneladas. Nas últimas cinco décadas, o aumento médio na produtividade foi de 3,5% por ano. Apesar desse aumento, a média nacional, em torno de 3 t/ha, está aquém do potencial da cultura, que pode superar 140 sc/ha em condições de campo no Brasil.

Diversos fatores limitam o aumento da produtividade de trigo, destacando-se as doenças causadas por fungos, bactérias, vírus e nematoides. Os fungos constituem o grupo de patógenos mais importante, reduzindo 15-20% a produção de trigo a cada ano. Os fungos podem causar doenças radiculares (mal do pé, podridão-comum), foliares (ferrugens, oídio, mancha-amarela, mancha-marrom) e de espiga (brusone, giberela). No Sul do Brasil, região responsável por quase 90% do trigo produzido no Brasil, o oídio, a mancha-amarela e a giberela estão entre as doenças que mais têm preocupado os produtores nas últimas safras.

O oídio, causado por Blumeria graminis f. sp. tritici, aparece na forma de uma pulverulência branca a cinza sobre folhas, colmos e espigas, constituindo uma das primeiras doenças foliares que ocorrem no trigo. A doença causa maiores prejuízos em anos com temperaturas moderadas (15-20°C) e baixa frequência de chuvas. Reduções na produtividade de 10% a 62% têm sido reportadas no Brasil devido ao oídio, dependendo do ano e da cultivar. Dados da Embrapa Trigo, entretanto, apontam que o dano médio ao longo das safras varia entre 5% e 8%.

Entre os danos diretos da giberela, estão abortamento de flores, formação de grãos chochos, enrugados, de baixo peso e reduzida densidade, que são perdidos, em parte, durante a trilha 
Entre os danos diretos da giberela, estão abortamento de flores, formação de grãos chochos, enrugados, de baixo peso e reduzida densidade, que são perdidos, em parte, durante a trilha 

O uso de cultivares moderadamente resistentes, como BRS Belajoia, BRS Parrudo, BRS Reponte TBIO Mestre e TBIO Ponteiro, é uma estratégia fundamental no manejo do oídio. A adubação equilibrada, evitando-se o excesso de nitrogênio (N), bem como a eliminação de plantas voluntárias, com o objetivo de reduzir o inóculo primário do patógeno, também pode reduzir os danos causados pelo oídio. Com relação aos fungicidas, o tratamento de sementes com fungicidas sistêmicos, notadamente triazóis, é uma importante ferramenta para o controle da doença. Na parte aérea, fungicidas contendo triazóis (tebuconazol, tetraconazol, difenoconazol, propiconazol) ou morfolina (fenpropimorfe) têm se destacado no controle de oídio.

O fungo Pyrenophora tritici-repentis é o agente causal da mancha-amarela, principal mancha foliar que acomete a cultura do trigo no Sul do Brasil. Os sintomas da mancha-amarela manifestam-se de forma mais pronunciada em plantas adultas e podem aparecer como clorose, necrose ou ambas, a depender da interação da raça do fungo com a cultivar de trigo. Com o progresso da doença, grande parte do limbo foliar pode apresentar necrose. Temperaturas entre 18°C e 28°C, bem como molhamento foliar variando de 12 a 30 horas, favorecem o desenvolvimento da doença. As principais fontes de inóculo primário do fungo consistem em sementes infectadas, restos culturais e hospedeiros alternativos, incluindo o azevém. Em virtude de o fungo sobreviver em restos culturais, a monocultura de trigo tem resultado em maior densidade de inóculo com consequente aumento na severidade da mancha-amarela.

O manejo da mancha-amarela envolve principalmente medidas de controle cultural, químico e genético. Entre as medidas de controle cultural, encontram-se a rotação com culturas não hospedeiras, incluindo a canola e o nabo, bem como a eliminação de plantas voluntárias de azevém, centeio, cevada, trigo e triticale. Algumas misturas de fungicidas dos grupos dos triazóis, estrobilurinas e carboxamidas têm se destacado no controle da mancha amarela. Além disso, o “turbinamento” do programa de controle com triazóis, incluindo o propiconazol, pode aumentar a eficiência de controle da doença. O controle genético, por meio de cultivares moderadamente resistentes à mancha-amarela, a exemplo de TBIO Astro, TBIO Audaz, TBIO Sonic e TBIO Sossego, representa um método adicional no controle da doença. O uso de sementes sadias, o tratamento de sementes com fungicidas, a exemplo de iprodiona, a adubação equilibrada com N, fósforo (P) e potássio (K), evitando-se a deficiência de N, também são de suma importância para reduzir os danos causados pela doença.

O oídio causa maiores prejuízos em anos com temperaturas moderadas (15-20ºC) e baixa frequência de chuvas; fungicidas contendo triazóis ou morfolina têm se destacado no controle de oídio 
O oídio causa maiores prejuízos em anos com temperaturas moderadas (15-20ºC) e baixa frequência de chuvas; fungicidas contendo triazóis ou morfolina têm se destacado no controle de oídio 

A giberela ou fusariose, causada por Gibberella zeae, constitui a principal doença da espiga que ocorre no trigo no Sul do Brasil, ocorrendo também em aveia, cevada e outras gramíneas. O potencial de dano é superior a 50%. No Brasil, o dano médio tem sido superior a 10% por ano. A infecção ocorre principalmente durante o florescimento do trigo. Os sintomas da doença caracterizam-se pela coloração esbranquiçada ou palha das aristas e espiguetas, cuja direção desvia em relação a espiguetas não infectadas. Estruturas de coloração salmão, que correspondem à fase anamórfica do fungo (Fusarium) ou pontuações pretas, que representam os peritécios (fase teleomórfica: Gibberella), normalmente aparecem sobre espiguetas infectadas.

A giberela causa danos diretos e indiretos. Entre os danos diretos, estão o abortamento de flores e a formação de grãos chochos, enrugados, de baixo peso e reduzida densidade, que são perdidos, em parte, durante a trilha. Além disso, grãos infectados e seus derivados são tóxicos aos seres humanos e animais, devido à produção de diferentes micotoxinas por F. graminearum, com destaque para o deoxinivalenol (DON).

O controle da giberela envolve a resistência de cultivares, práticas culturais e a aplicação de fungicidas. Entre as cultivares com maior nível de resistência à giberela estão BRS 327, BRS Atobá, BRS Guamirim, BRS Guaraim, BRS Louro, BRS Parrudo, BRS Pastoreio, BRS Primaz, BRS Reponte, BRS Sanhaço, BRS Tarumã, BRS Umbu, Jadeíte 11, ORS Agile, RBO 2B5, LG Cromo, LG Fortaleza, LG Prisma, ORS 1401, ORS 1402, IAC 5-Canindé, Topázio, TBIO Audaz. A cultivar TBIO Trunfo também tem demonstrado elevado nível de resistência à doença e baixos níveis de DON nos grãos.

Entre as medidas de controle da mancha-amarela, encontram-se a rotação com culturas não hospedeiras, incluindo a canola e o nabo, bem como a eliminação de plantas voluntárias de azevém, centeio, cevada, trigo e triticale 
Entre as medidas de controle da mancha-amarela, encontram-se a rotação com culturas não hospedeiras, incluindo a canola e o nabo, bem como a eliminação de plantas voluntárias de azevém, centeio, cevada, trigo e triticale 

O controle químico representa uma das principais ferramentas de controle da giberela, porém a eficiência depende de diversos fatores, incluindo o momento de aplicação, a escolha do fungicida e a tecnologia de aplicação. As aplicações realizadas durante o florescimento, especialmente entre o início e a metade da antese (EC 60-64) têm resultado em maior porcentagem de controle da giberela e maior produtividade. Metconazol, tebuconazol e protioconazol estão entre os ingredientes ativos mais efetivos no controle da giberela. A tecnologia de aplicação exerce grande influência na eficiência do controle da giberela. O emprego de pontas de pulverização anguladas e de maiores volumes de calda pode contribuir para o aumento na cobertura do alvo, diminuindo a incidência de giberela e o acúmulo de DON.

Em suma, somente a adoção de estratégias integradas, incluindo o uso de sementes de qualidade e tratadas com fungicidas, a escolha de cultivares com maior de nível de resistência, a rotação de culturas, bem como a aplicação de fungicidas na parte aérea no momento correto, com fungicidas eficientes e com a tecnologia de aplicação adequada, poderão mitigar os danos na produtividade e na qualidade dos grãos que as doenças causam à cultura do trigo.

Por Daniel Debona e Darlan Felipe Sartori, Universidade Tecnológica Federal do Paraná

Artigo publicado na edição 289 da revista Cultivar Grandes Culturas

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