Em muitas partes do mundo os animais de fazenda consomem dietas que podem não corresponder às suas necessidades de elementos minerais. As deficiências minerais podem ocorrer sob diversos graus, desde deficiências severas com perturbações mais ou menos características, até deficiências leves com sintomas não específicos, como desenvolvimento lento, problemas de fertilidade, baixo rendimento de carcaça e pouca produção leite (Tokarnia et al., 2000).
Várias doenças de animais pecuários são causadas ou relacionadas à deficiência de selênio (Se) e/ou vitamina E, principalmente a doença do músculo branco, freqüentemente em associação com fatores predisponentes, como excesso de ácidos graxos poliinsaturados na dieta, e crescimento rápido de animais jovens (Radostits et al., 2002; Amorim et al., 2003).
A distrofia muscular nutricional (DMN) ou doença do músculo branco é uma enfermidade degenerativa, caracterizada por afetar animais de produção com rápido desenvolvimento corporal, principalmente bezerros, potros, cordeiros e suínos ocasionando severa lesão muscular com conseqüente decúbito. Geralmente acomete animais mantidos em pastos cujos solos são deficientes de Se e/ou vitamina E, com histórico de fatores estressantes como desencadeadores da doença. Estes micronutrientes atuam como protetores das membranas celulares contra estresse oxidativo (Maas et al., 1996; Radostits et al., 2002; Amo.rim et al., 2003).
Casos de DMN foram registrados na Clínica de Grandes Animais da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia - FMVZ – Unesp Botucatu em bubalinos, eqüinos e bovinos, sendo confirmados com base nos achados clínicos, exames laboratoriais, exame post-mortem e, através da resposta ao tratamento com administrações parenterais de vitamina E e Se.
Etiopatogenia
As dietas deficientes em Se ou vitamina E predispõem a lipoperoxidação tecidual intensa que leva à degeneração hialina e calcificação das fibras musculares. O Se é componente da enzima antioxidante glutationa peroxidase (GSH-Px) responsável pela neutralização dos efeitos tóxicos do peróxido de hidrogênio no citosol enquanto que a vitamina E atua na prevenção da lipoperoxidação das membranas biológicas (Puls, 1994; Ramirez-Briesca et al., 2001; Radostits et al., 2002).
A concentração destes elementos no solo e forragens pode ser influenciada por fatores como pH, composição mineral e forragens que promovem maior translocação de Se do solo para as plantas (Maas et al., 1996; Ramirez-Briesca et al., 2001). Os valores de Se contidos nos solos, forragens e tecidos animal são úteis na avaliação do “status” deste micromineral em ruminantes (Puls, 1994).
Existem duas síndromes distintas de DMN: uma forma cardíaca e uma forma muscular esquelética. A forma cardíaca está associada a sinais de descompensação aguda do miocárdio, já a forma muscular esquelética está associada à fraqueza muscular e à dificuldade de locomoção. Em ambas as formas os animais que crescem mais rapidamente são comumente afetados (Maas et al., 1996). A forma esquelética da DMN é de surgimento lento, caracterizando-se por debilidade, fraqueza generalizada ou rigidez muscular, tremores na musculatura dos membros, devido à deterioração das fibras musculares levando os animais ao decúbito e incapacidade de levantar-se (McDowel, 1992; Maas et al., 1996; Tokarnia et al., 2000; Beytut et al., 2002).
Achados clínicos
Em geral os animais acometidos podem ser encontrados em decúbito esternal e incapacitados de se levantarem mesmo quando auxiliados. Se estiverem em posição quadrupedal, os sinais evidentes serão de enrijecimento, tremor dos membros e fraqueza. No entanto, seus reflexos neurológicos, visão e atitude mental são normais (Radostits et al., 2002).
Exames laboratoriais são úteis no diagnóstico como a interpretação das atividades séricas da creatina fosfoquinase (CK), aspartato amino transferase (AST) e lactato desidrogenase (LDH), que freqüentemente estão significativamente elevadas durante a fase aguda de miodegeneração (Maas et al., 1996). A CK é um bom indicador de lesões musculares. Já a AST não é um indicador específico de lesão muscular pois pode indicar também lesão hepática. Em casos agudos as atividades da CK e AST podem estar acima de 1000UI/l (McDowell et al., 1996).
A determinação laboratorial da concentração de selênio e vitamina E em amostras de sangue total, soro, plasma e fígado fornecem informações importantes para o diagnóstico do nível de selênio no rebanho. A obtenção de fragmentos hepáticos, nos animais vivos dá-se por meio de biópsia, sendo uma ferramenta importante para se determinar a necessidade da suplementação de micronutrientes no rebanho.
A concentração de selênio considerada normal varia de 0,90 a 1,75mg/g de matéria seca (MS) e 0,08 a 0,30mg/g de MS para o fígado e soro respectivamente (Radostits et al., 2002).
Em relação aos achados necroscópicos é comum encontrar grupos de músculos esqueléticos acometidos bilateralmente com áreas de degeneração de aspecto esbranquiçado ou acinzentado (Tokarnia et al., 1999), (foto abaixo). O músculo acometido é friável e edematoso podendo ser mineralizado. Freqüentemente, ocorre pneumonia secundária e em casos de envolvimento miocardial, são visíveis áreas de degeneração esbranquiçadas, principalmente no endocárdio do ventrículo esquerdo. Congestão pulmonar e edema são comuns. Histologicamente as lesões não são inflamatórias, a degeneração hialina é seguida por necrose de coagulação e graus variados de mineralização (Radostits et al., 2002).
Tratamento
Para o tratamento desta enfermidade, Radostits et al. (2002) recomendam a administração de uma solução com 3mg de Se (como selenito de sódio ou potássio) e 150UI de acetato de DL-a tocoferol/ml por via intramuscular (IM). Normalmente os animais com comprometimento grave do miocárdio não respondem ao tratamento.
Além da medicação citada acima é importante a manutenção dos bovinos em posição quadrupedal com auxílio de aparelho suspensor para bovinos, como ilustrado na foto acima. Isto impede que ocorra maior dano muscular decorrente do decúbito prolongado.
Profilaxia
A administração de Se e vitamina E na dieta animal pode ser realizada através de complementações minerais, geralmente sendo bem sucedidas em prevenir as principais doenças causadas pelas deficiências desses dois nutrientes. Fornecendo na dieta para vacas ou ovelhas durante gestação e lactação como fonte contínua aos bezerros e cordeiros. Pode ser fornecida também, pela adição de selenito de sódio em mistura mineral, por injeções individuais particularmente em circunstâncias em que a dieta não possa ser facilmente suplementada ou pela administração intra-ruminal de cápsulas de selênio, com finalidade de manter fonte de Se a longo prazo (Radostits et al., 2002).
Para diagnóstico dessas deficiências, primeiramente deve-se realizar o exame do rebanho levando em consideração o histórico, o exame clínico, a realização de necropsias e os estudos histopatológicos, sendo que na maioria das vezes para a conclusão final é necessária a realização de dosagens químicas em material proveniente de animais e num segundo plano a análise de pastagens (Tokarnia et al., 2000).
Em relação ao Se os dados continuam escassos para saber qual a importância da deficiência deste elemento em bovinos e ovinos no Brasil. Daí a necessidade do diagnóstico correto para a adoção de medidas profiláticas como, por exemplo, a adubação de pastagens com os minerais deficientes que apesar de resolver o problema de carência no rebanho e trazer ganhos na produtividade de massa verde é um método muito caro (Tokarnia et al., 2000).
Julio Simões Marcondes, José Paes Oliveira Filho e Eric Pivari Rosa,
Méd. Vet. Residentes Clínica de Grandes Animais
Rogério Martins Amorim, Alexandre Secorun Borges, Roberto Calderon Gonçalves e Simone Biagio Chiacchio,
FMVZ/Unesp Campus de Botucatu
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