A atividade pecuária de corte vem sofrendo constantes mudanças, as quais visam intensificar o manejo, maximizar a produção de carne e aumentar a rentabilidade do setor. Diante de tais exigências, muitas vezes, o produtor é levado a adotar medidas como aquisição de animais precoces e fornecimento de alimentos industrializados, geralmente ricos em energia e proteína sem submeter os animais a um período de adaptação. Paralelamente, e de importância equivalente, oferecem aos seus animais volumosos armazenados sob forma de feno e/ou silagem de milho ou sorgo, mantendo os bovinos confinados para diminuir o tempo de abate. Soma-se a isso o fato de grande parte dos proprietários rurais não se preocuparem com o aspecto sanitário dos seus animais e não contarem com orientação técnica adequada. Dessa forma, as falhas no manejo propiciam o surgimento de diversos distúrbios metabólicos, a maioria diretamente relacionada a fatores de origem nutricional. Dentre esses distúrbios encontra-se a laminite, uma doença digital que acomete as lâminas do cório laminar dos dígitos dos bovinos.
Sabe-se que bovinos portadores de laminite e/ou de suas complicações passam mais tempo deitados, em função do desconforto e dor nos pés e por isso alimentam-se menos. Assim, pode ocorrer decréscimo no volume de leite produzido por lactação, interferindo diretamente na alimentação e desenvolvimento dos bezerros. Quanto à estrutura corporal, pode-se ter perda de até 25%, ou seja, um bovino com 500 kg de peso corporal pode perder até 125 kg. Considerando um rendimento médio de carcaça de 50%, esse animal estaria perdendo, aproximadamente, 60 kg ou quatro arrobas, que, ao preço de mercado de R$ 58,00/arroba, resultaria em prejuízo de cerca de R$ 232,00.
Com relação aos distúrbios reprodutivos, rebanhos acometidos por laminite, mesmo que subclínica, ou de outras enfermidades digitais, apresentam maiores médias de intervalos entre o parto e o primeiro serviço, entre o parto e a concepção e menores taxas de fertilidade no primeiro serviço, além de aumentar o número de animais destinados ao descarte. Em decorrência da redução do escore de condição corporal (ECC) provocada pela laminite, a aciclia, o anestro e o “cio silencioso” são achados freqüentes em fêmeas bovinas, tanto de aptidão para corte como para leite, havendo prejuízo notável sobre os indicadores de fertilidade, sobretudo naqueles rebanhos cujo manejo reprodutivo adotado é a inseminação artificial (IA). Além disso, pesquisas realizadas recentemente pela Escola de Veterinária da Universidade Federal de Goiás mostraram que as doenças relacionadas aos cascos promovem alterações nos padrões seminais de touros, levando à baixa qualidade do sêmen, além da dor e do desconforto ao realizar a monta, especialmente quando os membros enfermos são os pélvicos.
A laminite em raças bovinas destinadas à produção de carne é mais freqüente em animais explorados intensivamente ou durante os confinamentos, ocasião que são superalimentados. Entretanto, não é raro observar animais manejados a pasto, especialmente machos em terminação e suplementados em cochos, com complexos mineralo-protéicos, apresentando sinais de laminite e suas complicações ou de outras enfermidades digitais. Nessa categoria animal, além da enfermidade interferir negativamente no ganho de peso, o alto custo do tratamento muitas vezes torna a atividade economicamente inviável. Ressalta-se que algumas raças oriundas do Bos taurus, especializadas na produção de carne, independente do manejo a que são submetidas, parecem ser mais susceptíveis a determinadas doenças digitais que o Bos indicus.
Inúmeros são os fatores desencadeantes da laminite em bovinos, porém o manejo nutricional tem considerável relevância no surgimento da enfermidade. Pesquisas revelam que o aumento sazonal da laminite está, provavelmente, associado com períodos de estabulação e/ ou de parição acompanhada com mudanças súbitas na alimentação. A quantidade e qualidade do volumoso, especialmente quanto ao teor e tamanho de fibra, têm sido sugeridas como importantes fatores que influenciam a ocorrência da doença. O comprimento das fibras deve ser adequado de forma a estimular a ruminação e salivação. Os excessos de volumosos muito fibrosos e de concentrados muito finos não são recomendáveis na mistura total do alimento, para não interferir no pH rumenal. Sabe-se, ainda, que o fornecimento de concentrado rico em energia, como é o caso do farelo de milho, sem prévia adaptação, leva a uma alteração na população de microrganismos rumenais, prevalecendo aqueles que degradam o amido e produzem ácido lático. Esta substância diminui o pH local e facilita a passagem de toxinas, do rúmen para o sangue. Este processo leva a uma série de alterações metabólicas prejudiciais principalmente à circulação sanguínea dos cascos, região sujeita a grande pressão e distribuição do peso corpóreo do bovino, facilitando o surgimento das lesões digitais secundárias.
Pode-se distinguir três formas dessa enfermidade, sendo uma manifestada clinicamente por claudicação, inflamação dos cascos, muitas vezes dos quatro membros concomitantemente, dor intensa, relutância em se locomover, aproximação dos membros torácicos e afastamento dos pélvicos para aliviar a pressão sobre os dígitos afetados e diminuição rápida do ECC, tendo curso de até dez dias. Outra forma, também considerada como de maior importância econômica, é a denominada subclínica, sendo responsável pela produção de estojo córneo de qualidade inferior, redução do rendimento de carcaça e da fertilidade, perda progressiva de carne e ECC, além do surgimento de lesões secundárias, tais como a doença da linha branca, úlceras de sola e pinça, erosão de talão, hematomas de sola, fissuras ou rachaduras longitudinais e/ou transversais da muralha e as linhas de estresse, estendendo-se de dez a 45 dias. A forma crônica tem características semelhantes à subclínica, contudo é responsável por deformidade acentuada dos cascos e sua duração é superior a 45 dias.
Diagnosticar a enfermidade não é uma tarefa tão simples, uma vez que grande parte do rebanho acometido manifesta a forma subclínica ou crônica, as quais normalmente não apresentam sinais clínicos específicos. Contudo, pode-se observar a produção de um estojo córneo de qualidade inferior, a formação de linhas de estresse, baixo desempenho e queda dos índices zootécnicos dos animais. A forma clínica é mais facilmente diagnosticada, especialmente naquelas propriedades cujos confinamentos ocorrem em pisos compactados ou cimentados, observando-se desconforto e troca de apoio de um membro para outro, realizando movimentos de “sapatear”. As lesões secundárias podem ser percebidas ao exame clínico específico dos dígitos, realizado sempre por um médico veterinário especialista no assunto.
A adoção de medidas preventivas para a laminite e suas complicações deve sempre ser acompanhada por um responsável técnico, uma vez que não existe um procedimento isolado que dispense a intervenção humana sobre os animais. A implementação dessas medidas visam, sobretudo, amenizar as diferentes formas de complicações da doença, bem como valorizar a questão da nutrição. No que diz respeito a esse quesito, deve-se realizar mudanças gradativas na alimentação dos bovinos no período pré-confinamento, fornecendo concentrado de boa qualidade e aumentando suas proporções dentro de um prazo de, mais ou menos, 30 dias, além de permitir o acesso dos animais a volumosos de boa qualidade e ao sal mineralizado, para estimular a produção adequada de saliva. O sal mineralizado deve ser fornecido regularmente, uma vez que é fonte de cobre e zinco, minerais importantes na integridade dos tecidos de sustentação e de produção do estojo córneo. Os volumosos conservados ou triturados (silagem e capineiras de napier, cana, etc.) devem conter teor de fibra bruta adequado, geralmente constituindo em torno de 18% da matéria seca da ração para bovinos confinados e tamanho de partículas em torno de 7 a 13 centímetros em pelo menos 30% da ração. O concentrado deve ser o menos fino possível, de preferência associado ao uso de 1% de bicarbonato de sódio na ração. Estes cuidados levam à estimulação da salivação e amenizam a acidez do rúmen, diminuem a incidência de acidose rumenal e, conseqüentemente, o surgimento de enfermidades metabólicas diversas, principalmente da laminite. A utilização de monensina e/ou biotina têm demonstrado bom efeito sobre a prevenção e recuperação de bovinos com laminite. Além disso, a biotina tem ótimo efeito sobre o crescimento e a qualidade do estojo córneo, contudo a relação custo/benefício do uso desses compostos deve ser avaliada, especialmente naquelas propriedades onde a incidência da doença é alta.
Com relação às complicações da laminite, o controle das enfermidades decorrentes do problema é baseado em medidas destinadas a manter os cascos em bom estado, com o mínimo de interferência do veterinário, desde que aplicadas sistematicamente e com seriedade. Dessa forma, a preparação dos cascos de animais de raças puras antes da entrada em um novo ambiente e a eliminação dos animais que não possam suportar as condições de criação extensiva ou intensiva tornam-se indispensáveis. Recomenda-se, ainda, a desinfecção regular dos cascos, bem como o tratamento das lesões secundárias por passagem em um pedilúvio com sulfato de cobre a 3 a 5% e realização de, pelo menos, um casqueamento preventivo anual dos animais de raças especializadas manejados intensivamente. Deve-se anotar, em fichas de controle, os dados relativos aos animais que apresentam a doença, os tratamentos utilizados e seus custos. O uso do hipoclorito de sódio a 0,5 ou 1% também tem apresentado bons resultados tanto como preventivo quanto para tratamento de lesões decorrentes da laminite.
Finalmente, analisando as conseqüências da laminite para a bovinocultura, é possível recomendar a adoção de medidas de controle, como fornecer alimentação balanceada, submeter os animais a mudanças gradativas de alimentação e, principalmente, atentando para a questão do bem- estar animal. A escolha da raça a ser explorada deve fundamentar-se na finalidade do criatório, seja cria, recria, terminação ou comercialização de matrizes e reprodutores e no manejo adotado, sempre considerando a realidade de cada fazenda. Lembre-se: prevenir é sempre melhor que remediar!!!
Marco Augusto Machado Silva, Luiz Antônio Franco da Silva, Paulo Henrique Jorge da Cunha e Andressa Mendes Garcia
Universidade Federal de Goiás
* Confira este artigo, com fotos, em formato PDF. Basta clicar no link abaixo:
Newsletter Cultivar
Receba por e-mail as últimas notícias sobre agricultura
Newsletter Cultivar
Receba por e-mail as últimas notícias sobre agricultura