A busca por sistemas agropecuários que sejam, ao mesmo tempo, produtivos, econômicos, intensivos e sustentáveis tem aumentado nos últimos tempos frente aos constantes acréscimos que se verificam no custo de produção.
Se até recentemente era possível produzir com rentabilidade apenas uma cultura mantendo o solo em pousio pelo restante do ano, hoje já se faz necessário intensificar o uso da terra com vistas ao aumento da produtividade para compensar a margem de lucro cada vez menor. O mesmo se verifica para o caso das pastagens que, via de regra, encontram-se degradadas e com produtividade muito aquém do seu potencial, havendo escassez de forragem durante o período seco do ano. O produtor florestal enfrenta dificuldades para manutenção dos maciços florestais, visto que há um período de vários anos de investimentos sem retorno econômico até que estejam prontos para colheita.
Juntar estas três atividades numa só é a proposta do sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), que agrega diversificação de atividades, intensificação no uso da terra e sustentabilidade, além de aumentar a biodiversidade. Na sucessão à lavoura, o período de pousio dá lugar à pastagem que permanece na gleba de terra até uma próxima safra de grãos ou forragem (silagem, feno), fibras etc., o que pode demorar um, dois, três ou mais anos, conforme o planejamento da propriedade rural. Certo é que o sinergismo entre lavouras e forrageiras (capins para pasto) modifica o ambiente físico, químico e biológico do solo com benefícios para ambas. Daí até o interesse em agregar o componente florestal, foi questão de muito pouco tempo. Hoje, sistemas ILPF têm ganhado importância dentro da propriedade agrícola, pois permitem a continuidade na produção de grãos e de pastagens num patamar maior de produtividade e o segmento florestal representa uma poupança para o agropecuarista, pois os custos deste são menores em razão das outras atividades associadas, sejam lavouras ou pastagens.
Dentre as várias vantagens que o sistema apresenta, uma merece destaque especial e diz respeito à redução na pressão pelo desmatamento, tanto na busca por novas áreas de cultivo quanto por madeira. Somente na região do Cerrado existem cerca de 50 milhões de hectares de terra sob pastagens degradadas passíveis de recuperação e inserção neste segmento produtivo.
As possibilidades de combinação entre os componentes do sistema são enormes e os ajustes se fazem necessários, dependendo do interesse do produtor e dos aspectos edafoclimáticos e mercadológicos. Para energia (carvão), madeira para escoras, postes ou toras para serrarias, o número de árvores por unidade de área irá diminuindo, respectivamente, bem como aumentando os espaçamentos. Havendo maior interesse pela produção agrícola, é de se esperar maior espaçamento entre as linhas de árvores como forma de diminuir o sombreamento nas faixas de plantios das lavouras. O segmento animal é o que apresenta maior flexibilidade dentro do sistema, pois as pastagens se ajustam bem a diferentes arranjos das árvores. Entretanto, estas diferentes possibilidades não modificam a essência das tecnologias, podendo apenas interferir no período de ocupação de cada segmento em particular dentro do conjunto das atividades agrossilvipastoris.
A principal dificuldade em ILPF refere-se à complexidade do sistema, que exige planejamento e melhor gestão da propriedade rural para uma perfeita sincronização da produção e que minimize riscos. Com este objetivo, abaixo são apresentados aspectos relevantes para implantação destes sistemas ILPF.
PLANEJANDO O SISTEMA
Tão logo o produtor rural decida pela implantação de um sistema ILPF, é importante procurar assistência técnica para planejamento de todas as etapas. Dentre estas, quais as condições das terras para receber o empreendimento, quais investimentos deverão ser realizados (correção química e física do solo, máquinas e equipamentos), escolha da(s) espécie(s) e clone(s) florestal(is) com adaptação regional, qual(is) lavoura(s) a implantar no primeiro ano e nos subsequentes, qual(is) pastagem(ns) e qual será o tipo de exploração pecuária, embora esta possa variar de ano a ano.
Um perfeito conhecimento do mercado local ou regional é fundamental na comercialização dos produtos, especialmente quanto ao tipo de produto florestal a produzir. Nesta etapa, também são feitos os contratos de prestações de serviços e de fornecimento de mudas da(s) espécie(s) florestal(is) selecionada(s). Nunca é demais lembrar que deixar para comprar estas mudas por ocasião do plantio será uma tarefa árdua, pois os viveiros geralmente as produzem mediante contratos antecipados e dificilmente haverá disponibilidade para compras imediatas e, quando houver, o preço será alto. Além destas considerações, o produtor deve colocar em prática todas aquelas decisões comuns para implementação de um novo ano agrícola. Em resumo, o planejamento deve levar em conta tudo aquilo que o sistema irá demandar no intervalo de um ciclo completo das atividades, visto que pelo menos o componente florestal não poderá ser mudado após sua implantação e isso poderá demorar uma ou duas dezenas de anos.
IMPLANTANDO O SISTEMA
A adequação das condições químicas do solo deve ser feita tomando por base o segmento mais exigente, que são as lavouras. Nas condições das terras sob clima tropical, especialmente na região do Cerrado, os solos são pobres em nutrientes e há presença de alumínio tóxico às raízes das plantas, principalmente das lavouras. As condições são ainda piores naquelas áreas sob pastagens degradadas onde, além da escassez de nutrientes, a matéria orgânica do solo é muito baixa, a compactação e a erosão estão presentes em graus variados de severidade e existem plantas daninhas, muitas delas perenes. Na maioria das vezes, são terrenos nestas condições que estão disponíveis para este empreendimento. Embora existam alguns dados animadores quanto à correção química do solo em superfície, via de regra é necessário arar o solo para, além da incorporação de corretivos a maiores profundidades, eliminar camadas compactadas, sulcos de erosão, trilheiros de gado e cupinzeiros. Como estas etapas estão dentro de um cronograma pré-estabelecido, é desejável adequá-las para que sejam cumpridas ao final do período das chuvas (março–maio). Assim, o risco de erosão é reduzido pela ausência de chuvas erosivas neste período e a umidade ainda possibilitará o estabelecimento de uma cultura de cobertura de solo para o plantio direto das lavouras em novembro. O que se observa na prática é essa mobilização do solo imediatamente antes da implantação das lavouras e das árvores. Nestas condições, há maior risco ambiental.
Cada segmento agronômico/florestal tem o seu manejo específico. Assim, adubações de base e de cobertura e os tratos culturais seguem as recomendações técnicas para cada cultura em particular. Também as máquinas e os equipamentos devem ser equipados com acessórios que impeçam interferência em outro segmento, como por exemplo a deriva da aplicação de herbicidas. As árvores devem ser plantadas primeiro, pois as suas linhas vão orientar o plantio das lavouras intercalares. Se as condições topográficas permitirem terrenos planos, a orientação das linhas de árvores deve ser no sentido leste-oeste, sentido que possibilita maior entrada de luz solar nas faixas de terra ocupadas primeiramente pelas lavouras e depois pelas pastagens. Caso contrário, estas deverão seguir a orientação de curvas de nível do terreno dotado de sistema de terraceamento para conservação do solo e da água.
Qual espaçamento entre as linhas de árvores deve ser adotado? Esta é a indagação mais frequente. Com certeza, o produtor visualiza um sistema com maior número possível de árvores visando a obtenção de maior renda com a comercialização destas, sem perder de vista a produção das lavouras e das pastagens. Na prática, esta decisão dependerá da finalidade de uso da produção florestal, observando alguns quesitos que irão favorecer a operacionalização das atividades como um todo. Assim, o espaçamento deve levar em consideração a largura de operação dos equipamentos disponíveis, por exemplo a largura da barra de pulverização. É necessário contabilizar um espaço de 1 m de cada lado da linha de árvores, que deve ser mantida limpa para não haver competição. Árvores novas de eucalipto são bastante sensíveis à competição. Espaçamentos de 6 m, 15 m ou mais entre as linhas são possíveis, sendo bastante comuns aqueles entre 10 m e 12 m. Em casos em que pretende-se produzir lavouras por mais de dois anos, o espaçamento também é ampliado. Existem, ainda, clones de árvores com menor fuste (copa) que interceptam menos luz e, portanto, são mais apropriados a menores espaçamentos para uma mesma finalidade. Não deve ser ignorado o fato de que as plantas de eucalipto possuem um sistema radicular bastante desenvolvido lateralmente, especialmente os clones, o que permite à planta absorver nutrientes numa faixa maior e, assim, crescer mais rapidamente em sistemas agroflorestais.
No caso do eucalipto, normalmente o povoamento fica com 200 e 300 árvores por hectare quando a finalidade é a produção de toras para serrarias ou postes. No caso de postes, o corte se dá entre 10 e 12 anos de idade, podendo chegar a até 20 anos no caso de produção de toras para serrarias. Por exemplo, num espaçamento de 10 m entre linhas e 4 m entre árvores na linha, 40 m² por árvore, o povoamento é de 250 árvores/ha. Muitas vezes, adota-se um espaçamento menor na linha, por exemplo 2 m, e no terceiro ou no quarto ano retira-se a árvore intermediária para uso menos nobre com o objetivo de obtenção de renda intermediária.
Quando o objetivo é a produção de carvão, de mourões de cerca ou de escoras, adota-se um espaçamento menor dentro da linha e um espaçamento suficiente para cultivos intercalares. Os espaçamentos 9 x 1 m ou 6 x 1,5 m são apropriados, pois mantêm 1.111 plantas/ha, que é considerado adequado a esta finalidade. Para a produção de carvão, ainda são dados três cortes nas árvores aos 7, aos 12 e aos 17 anos, havendo a possibilidade de um cultivo de cereal após cada corte, oportunidade esta de entrada de nutrientes para a pastagem seguinte via adubação da lavoura. Então, é esperada menor queda da produção da forrageira em comparação aos sistemas em que os intervalos entre os cortes são maiores. Recentemente, está havendo intenção de manejo das florestas para carvão com apenas dois cortes antes da reforma do povoamento, aos seis anos após o plantio, e o segundo mais seis anos após o primeiro, com a mesma expectativa de produção somados os três cortes do sistema em uso. Esta alteração proporciona um ciclo a mais de lavouras depois da reforma, refletindo em maior produção de grãos e em mais nutrientes residuais para as pastagens subsequentes.
Entretanto, em qualquer dos casos de produção florestal associado a lavouras ou a pastagens, há possibilidade de implantar linhas duplas ou triplas de árvores num espaçamento menor, deixando faixas entre estas com a finalidade de cultivos intercalares de grãos e, posteriormente, implantação do pasto para criação de animais.
MANEJANDO O SISTEMA
Para o caso do eucalipto, que é uma árvore de crescimento rápido, geralmente nos dois primeiros anos são cultivadas lavouras intercalares às árvores, estabelecendo um sistema lavoura-floresta (agroflorestal). No segundo ano, o pasto já pode ser implantado consorciado com a lavoura. Neste caso, a lavoura deve ser de milho ou de sorgo, que suportam bem este consórcio. Aí, o Sistema Santa Fé deve ser preferido para esta finalidade. Em casos de lavoura de soja, ainda não é possível estabelecer o adequado plantio consorciado com espécies forrageiras sem que haja perdas de produtividade da oleaginosa, bem como transtornos na colheita; então, neste caso a pastagem deve ser implantada em sobressemeio ou posteriormente à colheita, se ainda houver umidade suficiente para o seu estabelecimento ou, então, deve-se esperar pela próxima estação chuvosa.
A utilização do pasto implantado juntamente com lavoura no segundo ano deve ter início após a recuperação do mesmo, depois da colheita do cereal. Como as árvores ainda não estão suficientemente desenvolvidas, até o segundo ano após o plantio é recomendável usar animais mais leves, especialmente no caso de bovinos para pastejo, pois animais maiores podem ocasionar quebra de árvores.
É necessário fazer a desrama (eliminação dos ramos laterais) das árvores quando o objetivo é produzir postes ou toras. Em espaçamentos maiores, há tendência de maior emissão de ramos laterais, que são persistentes devido a maior incidência de luz e que vão originar nós que desvalorizam o produto. A desrama é feita em algumas etapas e deve chegar a até 6 m de altura nas árvores adultas por ser esta a parte mais nobre. Nunca retirar os galhos do terço superior das árvores, pois isto vai prejudicar o crescimento das mesmas.
Normalmente, as pastagens não sofrem adubações de manutenção. Então, é esperado que a produtividade delas caia à medida em que são utilizadas. Para evitar degradação da mesma, é necessário acompanhar a sua produção e ajustar a carga animal e/ou realizar adubações de manutenção destas pastagens, ressaltando que estas adubações beneficiarão, também, as árvores e a cultura a ser implantada no ciclo seguinte. O povoamento florestal cria um microclima favorável para a produção, propiciando maior conforto térmico aos animais e manutenção do pasto verde por mais tempo no período seco do ano. Para facilitar o manejo animal, ainda é possível fazer a subdivisão das glebas em piquetes usando cercas elétricas com fixação dos isoladores nas próprias árvores do povoamento florestal (Eucacerca, segundo denominação dada pela Votorantim Metais, de Vazante-MG), o que faz baratear a construção.
No caso de espécies de árvores que rebrotam, depois que estas são cortadas é possível fazer um ciclo de lavoura anual consorciada com capim para voltar com a pastagem na sequência. Como as árvores já possuem um sistema radicular desenvolvido, nesta situação o crescimento é muito rápido, dificultando o desenvolvimento de lavouras no segundo ano após o corte, porém possibilitando a entrada dos animais no segundo ano.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta permitem o uso intensivo e sustentável do solo, com rentabilidade, desde o ano de sua implantação. As produções intermediárias de grãos, fibras, carne, leite etc. possibilitam renda e o custeio do povoamento florestal, de tal maneira que a colheita do produto florestal se transforma em verdadeira caderneta de poupança para o produtor. A diversificação das atividades também permite a fixação do homem no campo devido ao melhor aproveitamento da mão-de-obra durante todo o ano. A produção de madeira reduz a pressão de desmatamento, sobretudo no Cerrado e na Floresta Amazônica, contribuindo para melhorar a imagem do Brasil frente à opinião pública internacional.
Para que todos estes benefícios sejam potencializados, é necessário seguir à risca o cronograma das atividades planejadas. Improvisações sempre contribuem para baixar a qualidade dos resultados.
Ramon Costa Alvarenga
e
Miguel Marques Gontijo Neto
pesquisadores da Embrapa Milho e Sorgo
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