O bicho-mineiro ou minador das folhas do cafeeiro,
(Guérin-Mèneville, 1842) (Lepidoptera: Lyonetiidae) é talvez a principal praga do cafeeiro (
spp.) na atualidade, principalmente nas regiões de temperaturas mais elevadas e de maior déficit hídrico.
É uma praga exótica, que tem como região de origem o continente africano. Foi constatada no Brasil a partir de 1851, vindo provavelmente em mudas atacadas provenientes das Antilhas e Ilha de Bourbon. É considerada praga monófaga, atacando somente cafeeiros.
À semelhança do que ocorreu com a broca-do-café,
(Ferrari, 1867) (Coleoptera: Scolytidae), o surgimento da ferrugem-do-cafeeiro no Brasil, Hemileia vastatrix Berk. & Br., no início da década de 70, é também um marco para o bicho-mineiro. Cafeeiros plantados em espaçamentos adequados para alta tecnologia ao controle da ferrugem propiciam melhores condições para o ataque do bicho-mineiro que, ao contrário da broca-do-café, se desenvolve bem em condições de maior insolação e baixa umidade do ar.
O adulto do bicho-mineiro é um microlepidóptero cuja mariposinha mede 6,5 mm de envergadura, tem coloração branco-prateada e asas anteriores e posteriores franjadas. Quando em repouso, as asas anteriores cobrem as posteriores (Figura 1 -
). Coloca os ovos na superfície superior das folhas e a lagartinha, ao eclodir, penetra diretamente para o interior da mesma, sem entrar em contato com a parte externa. As lagartinhas vivem dentro de lesões ou minas foliares por elas mesmas construídas e, quando completamente desenvolvidas, medem cerca de 3,5 mm de comprimento (Figura 2). Após completo desenvolvimento, abandonam as folhas pela parte superior das minas e, com o auxílio de um fio de seda, por elas mesmas produzido, descem até as folhas baixeiras para empupar em casulos construídos com fios de seda no formato da letra X (Figura 3). As lesões são inconfundíveis, apresentando o centro mais escuro, como resultado do acúmulo de excreções. O contorno, em geral, tende para o formato arredondado. A epiderme superior da folha, no local da lesão, destaca-se com facilidade (Figura 4 -
). De modo geral e, principalmente, nas épocas de grande infestação, o maior número de lesões é encontrado nas folhas do topo das plantas (terço superior).
O ciclo evolutivo de ovo a adulto dura entre 19 e 87 dias, sendo menor em temperaturas mais elevadas, e a fase de lagarta, que é a que causa danos, leva de 9 a 40 dias, passando por pelo menos três ecdises, e em média podem ocorrer 8 gerações por ano, podendo chegar a 12.
A ocorrência do bicho-mineiro está condicionada a diversos fatores: (1) climáticos - temperatura e chuva, principalmente; (2) condições da lavoura - lavouras mais arejadas têm maior probabilidade de serem atacadas; e (3) presença ou ausência de inimigos naturais - parasitóides, predadores e entomopatógenos.
As épocas em que são constatadas as maiores populações da praga são os períodos secos do ano, com início de junho a agosto e acme em outubro, sendo menor antes e após esses meses. Há casos em que a população aumenta em março-abril, em decorrência de veranico no mês de janeiro e/ou fevereiro, como ocorreu em 1990, na região Sul de Minas Gerais e como freqüentemente ocorre na cafeicultura do cerrado mineiro. As condições do tempo que influenciam negativamente a população da praga são a precipitação pluvial e a umidade relativa, ao contrário da temperatura, que exerce influência positiva.
As pulverizações de oxicloreto de cobre, para o controle da ferrugem, já foram também correlacionadas com o aumento da população do bicho-mineiro, porém as causas não foram determinadas.
As lesões, causadas pelas lagartas do bicho-mineiro nas folhas, reduzem a capacidade de fotossíntese em função da redução da área foliar e, se o ataque for intenso ocorre a desfolha da planta, de cima para baixo, devido à distribuição da praga. Em geral, as plantas que sofrem intenso ataque do bicho-mineiro apresentam, principalmente, o topo completamente desfolhado podendo, no entanto, sofrer desfolha total. Em conseqüência da desfolha, há redução da produção e da longevidade dos cafeeiros. Lavouras intensamente desfolhadas pela praga podem levar até dois anos para se recuperar.
No Sul de Minas foi constatada, em 1976, uma redução na produção de café da ordem de 52%, devido a uma desfolha de 67% no mês de outubro, em conseqüência do ataque do bicho-mineiro, ocasião em que ocorreu a maior florada daquele ano. Posteriormente, entre 1987 e 1993, também foram constatados altos prejuízos, sendo encontrada uma redução na produção entre 34,3 e 41,5% (Vide Cultivar v.2, n.22, p.14-16, nov. 2000). Maior prejuízo, de aproximadamente 72 % de redução na produção, foi observado na cafeicultura do cerrado mineiro, em 1998, região quente e favorável à praga.
Além do controle químico convencional, serão discutidas algumas formas de controle natural ou aplicado, que podem auxiliar na redução da praga, porém nem sempre com eficiência que permita reduzir significativamente os danos.
Controle Cultural - A utilização de quebra-ventos, ou arborização, com plantas apropriadas para tal fim, e devidamente planejados, auxiliam na redução do ataque da praga, que tem preferência por locais mais secos e arejados. São indicadas a seringueira, macadâmia, abacateiro, cajueiro, ingazeiro, grevílea robusta, bananeira entre outras.
A arborização pode ser um componente importante no equilíbrio ecológico do cafezal, também devido ao abrigo que oferece aos inimigos naturais de pragas. Faixas de vegetação, denominadas de “corredores biológicos”, entre talhões, que têm auxiliado no controle natural de pragas em diversas culturas, certamente o farão também em cafezais.
Resistência Genética - Embora hajam espécies de cafeeiro que apresentam resistência genética ao bicho-mineiro, como
G. Don. e
Lour., entre outras, as fontes de resistência ainda não estão presentes nos cultivares comerciais, como já existem naqueles resistentes à ferrugem-do-cafeeiro, talvez a forma ideal de resolver o problema da praga, com menor custo de produção e nenhum impacto ambiental.
Controle por Comportamento - Já é conhecido o feromônio sexual do bicho-mineiro, o qual pode ser utilizado para monitoramento da praga e mesmo na captura de machos adultos, em armadilhas de feromônio e cola, reduzindo a possibilidade de acasalamento e, conseqüentemente, a população da praga.
Controle Biológico - O controle biológico do bicho-mineiro é feito por predadores, parasitóides e entomopatógenos.
Controle Biológico por Predadores - Em Minas Gerais, o predatismo das lagartas do bicho-mineiro, feito principalmente pelas vespas
e
sp. (Hymenoptera: Vespidae) (Figuras 7 e 8), está em torno de 70% de eficiência.
Os vespeiros formados nos cafeeiros, apesar de poucos, via de regra são destruídos pelos trabalhadores rurais, pois as vespas são agressivas e podem causar acidentes. Resta, portanto, a preservação de matas remanescentes, e o reflorestamento com espécies nativas da região, o que contribuirá para a preservação e aumento das vespas predadoras que nelas se abrigam (Tabela 1).
Em condições de laboratório, já foi verificado que larvas do predador
(Hagen, 1861) (Neuroptera: Chrysopidae) conseguem predar as fases de pré-pupa e pupa do bicho-mineiro, mas não conseguem predar as fases de ovo e lagarta, esta última por estar protegida dentro das lesões, constituindo-se, assim, em mais um agente de controle biológico da praga.
Controle Biológico por Parasitóides - O parasitismo natural das lagartas de bicho-mineiro apresenta cerca de 18% de eficiência no controle da praga, feito principalmente pelos microhimenópteros
sp. (Hymenoptera: Braconidae),
sp. (Hymenoptera: Eulophidae) e
sp. (Hymenoptera: Entedontidae). Outras espécies também já foram constatadas parasitando lagartas de bicho-mineiro no Brasil (Tabela 2 -
).
Controle Biológico por Entomopatógenos - Dos agentes de controle biológico do bicho-mineiro, os patógenos ou microorganismos entomopatogênicos são os menos conhecidos, passando até mesmo despercebidos, embora possam causar epizootias quando as condições lhes são favoráveis. Sabe-se, entretanto, de sua existência e do potencial que possuem para o controle da praga. Já foram relatadas as presenças de bactérias e fungos em lagartas agonizantes ou mortas (Tabela 3 -
). As bactérias
(Enterobacteriaceae) e
(Pseudomonadaceae) são apontadas como os microorganismos mais eficientes até agora conhecidos em epizootias de lagartas de bicho-mineiro, com ocorrência de 65 e 90 %, respectivamente.
Controle por Extratos Vegetais - Uma das espécies vegetais cujo extrato mais tem sido pesquisado é a
A. Juss. (Meliaceae), conhecida como “nim”. A azadiractina, encontrada principalmente nas sementes, e em menor quantidade na casca e na folhas do nim, é o principal composto responsável pelos efeitos tóxicos aos insetos. Resultados promissores foram obtidos na redução da postura e da sobrevivência de ovos do bicho-mineiro com a utilização de extrato de nim. Outros extratos de plantas têm mostrado também resultados promissores no controle do bicho-mineiro, como o extrato de folhas de chagas (
) e do mentrasto (
).
Controle por Biofertilizantes e Caldas Fitoprotetoras - O uso de biofertilizantes e de caldas fitoprotetoras tem se difundido, principalmente, em sistemas agrícolas familiares. O “super-magro”, um biofertilizante fermentado e enriquecido, empregado em pulverização como adubação complementar no cafeeiro, tem sido utilizado por agricultores com o objetivo de controlar o bicho-mineiro e o ácaro-vermelho do cafeeiro. Semelhantemente, o uso de caldas fitoprotetoras, como a calda viçosa e a calda sulfocálcica, tem sido propagado como eficiente para o controle do bicho-mineiro.
Apesar da difusão desses compostos como um método alternativo ao tratamento fitossanitário convencional, pouco se sabe a respeito de suas eficiências como inseticidas/acaricidas. Além disso, em alguns casos pode haver problemas de fitotoxicidade, como é o caso da calda sulfocálcica em algumas culturas, dependendo da dosagem. É necessário, portanto, mais pesquisas no assunto que comprovem ou não a ação inseticida/acaricida desses compostos.
Controle Químico Convencional - Embora não se saiba exatamente qual a população do bicho-mineiro capaz de causar dano econômico, os trabalhos de pesquisa realizados pela EPAMIG em Minas Gerais, desde 1973, mostram que quando ocorrer 30% de folhas minadas, sem apresentarem rasgaduras provocadas por vespas predadoras (Figura 9 -
), nos terços médio e superior das plantas, principalmente entre os meses de junho e outubro (período mais seco), há necessidade de ser efetuado o controle químico. Caso não seja feito, e as condições nos meses de agosto, setembro e outubro forem favoráveis à praga, os prejuízos serão consideráveis.
A pulverização de inseticidas, somente quando a população atingir o nível de controle, deve influir pouco sobre o equilíbrio biológico, pois se a praga apresentar um aumento populacional significa que os inimigos naturais não estão sendo eficientes e que as condições para aumento da praga estão mais favoráveis do que para aumento dos inimigos naturais. Tal fato justifica a adoção de medidas de controle para abaixar a população do bicho-mineiro, restabelecendo o equilíbrio entre a praga e os inimigos naturais.
A amostragem de folhas, para ser conhecida a população do bicho-mineiro, deve ser feita nos terços médio e superior das plantas, em função da distribuição do inseto nas mesmas. Deve-se evitar a coleta de folhas apicais dos ramos ou do interior das plantas; recomenda-se folhas do 3º ao 5º par, a partir do ápice do ramo.
Caso não seja constatado o nível de controle (30%), não é recomendável o controle químico, pois somente o controle natural, através do parasitismo e predatismo, está sendo suficiente para manter baixa a população da praga. Esse nível de controle não se aplica a cafeeiros novos, de até três anos de idade, onde a desfolha, mesmo em baixos níveis, é prejudicial à sua formação. O controle químico quando realizado com produtos recomendados, e com base no nível de controle da praga, não afeta de maneira significativa os inimigos naturais do bicho-mineiro.
As lavouras devem ser inspecionadas constantemente na época crítica de ataque da praga, principalmente as muito expostas a ventos constantes. Na maioria das vezes, o controle é necessário somente em alguns talhões do cafezal, e as inspeções devem continuar até que comecem as chuvas mais freqüentes e haja início de novas brotações nas plantas.
Uma segunda pulverização, nos talhões já pulverizados, somente deve ser feita após 20-30 dias, se nas amostragens forem constatadas lagartas vivas do inseto dentro das minas.
Caso hajam condições extremamente favoráveis ao bicho-mineiro nos meses de janeiro e fevereiro (veranico), pode ocorrer um pico nos meses de abril e maio, que também deve ser controlado, muito comum na região dos cerrados de Minas Gerais. Esse pico não ocorre quando são usados inseticidas sistêmicos granulados na época das chuvas (aldicarb, disulfoton, phorate, imidacloprid e thiamethoxam), porém o efeito residual dos granulados nem sempre é suficiente para manter baixa a população do inseto até junho, havendo necessidade de complementar o controle com pulverizações foliares. Diversos produtos, ou mistura de produtos, em pulverização, apresentam eficiência no controle do bicho-mineiro, tais como os fosforados chlorpyrifos, ethion, fenthion, triazophos etc., o carbamato cartap e diversos piretróides, sendo que estes últimos, pelo amplo espectro de ação que possuem, são mais prejudiciais aos parasitóides e predadores da praga.
Em resumo, o manejo integrado do bicho-mineiro nas regiões onde sua incidência não é freqüente, fica restrito ao uso de pulverizações quando for constatado o nível de 30% de folhas minadas, sem a presença de rasgaduras produzidas pelas vespas predadoras. Nas regiões onde o inseto freqüentemente se constitui em praga, o controle deve ser feito com inseticidas sistêmicos granulados aplicados do solo, na época recomendada pelos fabricantes, e complementado com pulverização (entre junho e outubro) caso seja constatado 30% de folhas minadas sem sinais de predação.
e
EPAMIG/EcoCentro
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