Desde o advento do carro flex, o setor agrícola brasileiro vem sendo marcado por um novo ciclo no plantio da cana-de-açúcar para obtenção do álcool combustível, não apenas para substituição do petróleo devido à elevação dos preços internacionais, mas por questões relacionadas às mudanças climáticas, já que o etanol é uma fonte alternativa de energia renovável e menos poluidora. Dentre as fontes de energia usadas no Brasil, a cana-de-açúcar passou a ser a segunda matriz energética, superando a energia hidráulica, atrás apenas do petróleo.
O Brasil é hoje o maior produtor de cana-de-açúcar e exportador de açúcar do mundo gerando mais de 2 bilhões de dólares por ano na balança comercial brasileira. A região Centro-Sul tem uma participação aproximada de 90% do total da produção de cana-de-açúcar no Brasil. O Estado de São Paulo é o maior produtor, sendo responsável por mais de 60% de toda produção nacional de açúcar e etanol e, também, por mais de 70% das exportações. A região de Ribeirão Preto é responsável por 45% do total produzido no estado e vários outros municípios têm grandes áreas de plantio com diversas usinas instaladas, gerando milhares de empregos diretos e indiretos.
Nos últimos anos, a crescente importância sócio-econômica da cultura canavieira vem refletindo um aumento bastante significativo de área plantada(Figura 1), com destaque para os Estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Paraná.
Apesar dos benefícios econômicos apresentados pela expansão do setor sucroalcooleiro, algumas questões precisam ser mais bem discutidas sobre a cultura, como os impactos ambientais causados pelas queimadas. Uma das práticas mais comuns ainda hoje utilizada no Brasil é a queima da palha da cana-de-açúcar (Figura 2), com o propósito de facilitar as operações de colheita. A queimada consiste em atear fogo no canavial para promover a limpeza das folhas secas e verdes que são consideradas matéria-prima descartável.
Um dos pontos mais críticos sobre a queima da palha da cana-de-açúcar são as emissões de gases do efeito estufa na atmosfera (Figura 3), principalmente o gás carbônico (CO2), como também o monóxido de carbono (CO), óxido nitroso (N2O), metano (CH4) e a formação do ozônio (O3), além da poluição do ar atmosférico pela fumaça e fuligem.
A queima da palha equivale à emissão de 9 kg de CO2 por tonelada de cana, enquanto a fotossíntese da cana retira cerca de 15 toneladas por hectare de CO2. Assim, a cultura da cana-de-açúcar mostra-se extremamente eficiente na fixação de carbono, apresentando um balanço altamente positivo, já que absorve muito mais carbono do que libera na atmosfera.
No Estado de São Paulo, a Lei no. 11.241 de 2002 controla a queima da cana-de-açúcar para despalha e instalou um cronograma para que a totalidade dos canaviais deixe de ser queimados. A norma exige um planejamento que deve ser entregue anualmente à CETESB, de modo a adequar as áreas de produção ao plano de eliminação de queimadas. O prazo máximo seria 2021 para áreas mecanizáveis e 2031 para áreas não-mecanizáveis. No Protocolo Ambiental assinado entre o Governo do Estado e a UNICA em 2007, ocorreu a antecipação dos prazos. No ano de 2014, plantações que estiverem em áreas com declividade de até 12%, não poderão mais ser queimadas, existindo somente a colheita mecanizada da cana crua. Nas demais aéreas, o prazo é até o ano de 2017.
A absorção do gás carbônico pela cana-de-açúcar se dá durante o seu período de crescimento, entre 12 a 18 meses. Durante a queimada, entre 30 e 60 minutos, a cana libera todo esse gás na atmosfera, o que provoca um grande impacto negativo ao meio ambiente, por causa da liberação em excesso de todo carbono até então absorvido.
Os compostos nitrogenados oriundos da emissão do óxido nitroso são responsáveis por provocar problemas ambientais como a chuva ácida que contamina as águas e os solos, tendo grande potencial para afetar a biodiversidade e provocar declínio nas florestas naturais e mortandade de peixes.
O ozônio é altamente tóxico quando formado na baixa atmosfera, região onde vivemos, prejudicando o crescimento de plantas e o desenvolvimento de animais e do homem. Nos seres humanos diminui a resistência do organismo a infecções e causa irritações nos olhos e problemas respiratórios.
As queimadas no Estado de São Paulo ocorrem principalmente durante a estação seca de abril a novembro, coincidindo com o período de baixas precipitações e piores condições de dispersão da fumaça e de partículas da fuligem, o que agrava seus efeitos sobre a qualidade do ar, provocando transtornos pela sujeira nas residências domésticas e causando doenças dermatológicas, cardiovasculares e respiratórias na população devido à poluição atmosférica.
Existem aspectos favoráveis e desfavoráveis da queima em canaviais, podendo ser feita uma comparação da cana queimada (Figura 4a) e da cana crua (Figura 4b), do ponto de vista agronômico, industrial, econômico, operacional e energético.
Durante a queima da palha da cana-de-açúcar a temperatura chega a mais de 100º C a 1,5 cm de profundidade e atinge 800º C a 15 cm acima do solo, o que afeta gravemente a atividade biológica do solo, responsável também por sua fertilidade.
A queima da palha da cana-de-açúcar provoca as seguintes alterações: oxidação da matéria orgânica; eliminação de predadores naturais de algumas pragas, causando maior utilização de agrotóxicos; maior uso de herbicidas para controle de ervas daninhas que se desenvolvem rapidamente após a queima; agravamento do processo de erosão do solo pela falta de cobertura vegetal; diminuição do equilíbrio ecológico, quando a vegetação e pequenos animais são queimados; facilita o preparo do solo, o cultivo e o corte da cana, tanto manual como mecanizado; aumento do teor de cinzas do solo; e auxilia na eliminação de pragas da cultura.
A queima da palha da cana-de-açúcar acarreta dificuldades na conservação e purificação dos caldos, leva a um aumento de Brix (teor de sólidos solúveis) e fibra devido ao ressecamento dos colmos e favorece o aumento da infestação de microrganismos nos colmos, ocasionando exsudação e predispondo-os à deterioração.
A queima torna a colheita mais fácil e barata, mas causa mais prejuízos no caso de atraso no corte e leva a complicações com tratamento de água da lavagem pelo aumento de volume necessário.
A queima tem causado perdas da ordem de 30% da matéria-prima, que poderia ser aproveitada para a produção de biogás ou geração de energia de biomassa ao ser utilizada em caldeiras.
A produção da cana-de-açúcar sem a utilização de queimada prévia, com a incorporação de restos culturais no campo, oferece as seguintes vantagens: manutenção da umidade do solo; controle de ervas daninhas com a diminuição da quantidade de herbicidas; melhor controle da erosão com proteção do solo; redução do uso de herbicidas; aumento de matéria orgânica no solo pela adoção da prática por vários anos; redução da população de nematóides nocivos à cultura; melhor aproveitamento da cana do ponto de vista energético, levando-se toda fonte de energia para a indústria; melhoria da qualidade da matéria-prima entregue para a industrialização; e redução da poluição atmosférica provocada pela queima.
O cultivo da cana-de-açúcar sem a utilização de queimada prévia, com a presença de restos culturais no campo, oferece as seguintes desvantagens: dificuldade de mão-de-obra disponível para a adoção da técnica e resistência do próprio cortador em executá-la; desempenho de corte menor, tanto manual como mecânico, implicando em maiores custos de produção; aumento de matérias estranhas, tanto vegetal como mineral, na matéria-prima; tendência de apresentar corte basal mais elevado, provocando perdas de matéria-prima e prejudicando a brotação da soqueira; maior foco de infestação para alojamento de pragas; impossibilidade de utilização dos implementos tradicionais nos tratos culturais de adubação e cultivo; perigo de fogo acidental no período de entressafra e durante a colheita; cuidado na escolha de variedades apropriadas; aumento da incidência de acidentes de trabalho no corte de cana crua porque o uso do podão pode provocar cortes e a folha da cana pode ferir os olhos; menor brotação de soqueiras em algumas variedades; maior incidência de animais peçonhentos que podem provocar acidentes durante o corte manual; e maior incidência de broca, cigarrinha-da-raiz e doenças de podridões, devido a presença da palha no solo durante a fase inicial de crescimento.
Os dados econômicos positivos da participação da cana-de-açúcar no agronegócio brasileiro não devem ser os únicos considerados, haja vista, que a cultura carrega uma série de questões de fundamental importância, como os impactos ambientais causados pelas queimadas.
A poluição do ar gerada pela queima de cana-de-açúcar, o agravamento do efeito estufa e os transtornos causados à população pela fumaça e pela fuligem, são fatos que merecem atenção especial, pois instituições ligadas ao setor sucroalcooleiro tendem a afirmar que o balanço ambiental da cana apresenta saldo positivo em relação às emissões de gases. Esta argumentação é válida e correta, senão pelo diferencial normalmente nunca explicitado de que o canavial realmente absorve e incorpora CO2 em grande quantidade, mas o seu consumo é muito lento quando comparado com a liberação na atmosfera.
Apesar da criação de lei para regulamentar as queimadas da cana-de-açúcar no Estado de São Paulo, a intensificação da colheita mecanizada de cana será inevitável, devido à evolução tecnológica, o que possibilitará um maior ganho ambiental e resultará principalmente em menor emissão de poluentes atmosféricos e na melhoria da qualidade do solo.
PqC Embrapa Informática Agropecuária,
PqC IAC/Cana,
PqC voluntária IAC/Cana
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