Enfezamentos na cultura do milho

Por Luciano Viana Cota, Dagma Dionisia da Silva, Rodrigo Veras da Costa, Simone Martins Mendes e Ivenio Rubens de Oliveira, pesquisadores da Embrapa Milho e Sorgo

03.01.2024 | 16:36 (UTC -3)

Os enfezamentos do milho têm se destacado entre as doenças mais preocupantes do milho nas últimas safras, com perdas severas em diversas regiões do país. As perdas devidas aos enfezamentos podem chegar a 100%, em função da época de infecção e da suscetibilidade do cultivar plantado (Figura 1). Os enfezamentos são causados por bactérias da classe Mollicutes, caracterizadas pela ausência de parede celular. Os mollicutes infectam as plantas de forma sistêmica resultante da colonização e infecção dos tecidos do floema. Em milho, dois sintomas de enfezamento são conhecidos, enfezamento pálido e o enfezamento vermelho, ocasionados pelo procarionte Spiroplasma kunkelii Whitcomb (Corn Stunt Spyroplasma) e por Phytoplasma (Maize bushy stunt phytoplasma), respectivamente. Ambos são transmitidos de forma persistente propagativa pela cigarrinha do milho Dalbulus maidis (DeLong & Wolcott) (Homoptera: Cicadellidae). Além dos molicutes, D. maidis também transmite a virose conhecida como raiado fino. Segundo Waquil (1997), plântulas de milho infestadas com até 10 cigarrinhas adultas/planta sofrem redução de 40 e 62% de peso seco da parte aérea e sistema radicular respectivamente. Assim, nas fases iniciais da lavoura, quanto maior a população de cigarrinha estiver, maior será a necessidade de proteção das plantas. Quanto mais cedo os sintomas se manifestarem maiores serão os prejuízos. Embora estejam presentes em todas as regiões produtoras, nas últimas safras, os enfezamentos se destacaram entre as doenças de milho nas regiões Centro Oeste e Sudeste, oeste da Bahia e no Paraná.

As plantas com enfezamento apresentam redução de crescimento e desenvolvimento, entrenós curtos, proliferação e malformação de espigas, espigas improdutivas e enfraquecimento dos colmos com favorecimento a infecções fúngicas que resultam em tombamento. Os sintomas do enfezamento pálido são caracterizados por estrias cloróticas delimitadas que se iniciam na base das folhas, plantas com altura reduzida, encurtamento de entrenós, brotos nas axilas foliares e cor avermelhada em folhas, podendo ocorrer enfraquecimento dos colmos e proliferação de espigas (Figura 2A). Já para o enfezamento vermelho são amarelecimento e/ou avermelhamento das folhas geralmente iniciando pelas bordas, perfilhamento e proliferação de espigas por planta (Figura 2B).

O sistema de cultivo do milho no Brasil em duas safras, cria uma ponte verde na cultura e permite também que o ciclo de vida da cigarrinha D. maidis se complete, favorecendo o aumento de sua população. A introdução de milho RR (Roundup ready), com resistência a herbicida glifosato, resultou em dificuldade no controle de plantas tiguera. Essas plantas são frequentemente observadas em áreas produtivas e podem favorecer a permanência dos patógenos e do vetor, sendo fonte de inóculo desses e outros patógenos.

Os enfezamentos são transmitidos pela cigarrinha do milho Dalbulus maidis (Figura 3). A cigarrinha adulta mede de 3,7 a 4,3 mm de comprimento, com fêmeas geralmente maiores que machos (Oliveira et al., 2017). As características da cigarrinha são coloração palha com manchas negras no abdômen e duas manchas negras na cabeça, similares a olhos escuros (Figura 03). Adultos e ninfas vivem em colônias no cartucho e folhas jovens do milho e ambos sugam a seiva das plantas onde adquirem os patógenos e posteriormente os transmite de forma persistente propagativa. O ciclo de vida de ovo a adulto da cigarrinha é em torno de 45 dias. Sob condições favoráveis de temperatura, 26 e 32 ºC, o ciclo pode ser completado em 24 dias. Na fase adulta as fêmeas podem depositar cerca de 14 ovos/dia, totalizando em média, 611 ovos durante seu ciclo. Assim, considerando o ciclo do milho em torno de 180 dias, as populações podem aumentar devido às várias gerações de D. maidis nesse período. Isto permite que cigarrinhas de lavouras mais velhas migrem para lavouras mais novas. As variáveis do ciclo de vida de vida de D. maidis, seu comportamento e ecologia são fundamentais para compreender a interação vetor/patógenos/hospedeiro e provavelmente para o desenvolvimento de estratégias de manejo dos enfezamentos. O sistema de cultivo do milho no Brasil em duas safras, no verão (primeira safra) e na safrinha (segunda safra), permite que haja uma ponte verde da cultura e permite também que o ciclo de vida da cigarrinha se complete, favorecendo o aumento de sua população. Embora possa ocorrer na primeira safra, no período segunda safra ou em plantios tardios as populações de cigarrinha aumentam e resultam em maior incidência dos enfezamentos. Além disso, em função do milho com resistência a herbicida, maior dificuldade tem sido encontrada para controlar a tiguera, como é chamado o milho voluntário que fica nas lavouras durante todo ano. Assim a manutenção de plantas de milho nas áreas de lavoura é condição favorável para permanência dos patógenos e do vetor. Daí a importância de quebra do ciclo biológico de D. maidis e da ponte verde na cultura. Na ausência do milho, a cigarrinha poderia utilizar a migração a longas distâncias como estratégia de sobrevivência, bem como a diapausa (espécie de estado de dormência em insetos) em restos culturais de milho e outros hospedeiros e em plantas voluntárias.

Para reduzir os danos provocados pelos enfezamentos na cultura do milho devem ser empregadas medidas integradas e preventivas de manejo. O manejo dos enfezamentos inicia-se na colheita de milho da safra anterior com uma boa regulagem das colheitadeiras para evitar que o mínimo de espigas e grãos fiquem na área para reduzir a população de milho tiguera. Eliminar o milho tiguera presente na área antes da semeadura da cultura do milho. A eliminação de plantas tiguera está entre as recomendações mais importantes a ser adotada em áreas com infestação de cigarrinha e enfezamento, pois são fonte de inoculo da cigarrinha, dos molicutes e do vírus do raiado fino entre lavouras e safras de milho (Figura 04). Realizar o planejamento dos plantios evitando plantios de lavouras novas próximas de lavouras mais velhas. Evitar semeadura em áreas próximas a lavouras com enfezamentos. Práticas culturais podem ser associadas ao sistema de manejo para reduzir os prejuízos causados pelos enfezamentos, como a semeadura em épocas que garantam o bom desenvolvimento das plantas em boas condições fitossanitárias e evitar semeaduras sucessivas de milho.

Escolha de cultivares com bons níveis de resistência aos enfezamentos (Figura 05). Plantar mais de um cultivar e fazer rotação de cultivares para evitar a quebra de resistência dos cultivares e os danos provocados pelos enfezamentos; A resistência genética é a estratégia mais indicada para os enfezamentos. Esta medida também é importante para evitar grandes prejuízos causados pelo cultivo de híbridos suscetíveis em regiões com alta incidência de enfezamentos.

Tratamento de sementes com inseticidas específicos para o controle de cigarrinhas e pulverizar a lavoura nos estádios inicias da cultura. O tratamento de sementes com inseticidas pode reduzir a população da cigarrinha nas fases iniciais de desenvolvimento do milho, sendo importante aplicar produtos registrados no Mapa (Agrofit, 2020). Para que a cigarrinha morra pela ingestão de inseticida é necessário que se alimente de plântulas. Assim ela pode transmitir os molicutes antes que morra. A associação do tratamento de sementes com aplicações foliares em seguida, podem aumentar a eficiência do controle da cigarrinha, quando comparado a seus efeitos individuais.

Figura 1: espiga de milho de uma planta com enfezamento (esquerda) e planta sem sintomas (direita); foto: Simone Martins Mendes - Embrapa Milho e Sorgo
Figura 1: espiga de milho de uma planta com enfezamento (esquerda) e planta sem sintomas (direita); foto: Simone Martins Mendes - Embrapa Milho e Sorgo
Figura 02: planta de milho com sintomas do enfezamento pálido (A) e enfezamento vermelho (B); foto: Dagma Dionísia da Silva - Embrapa Milho e Sorgo
Figura 02: planta de milho com sintomas do enfezamento pálido (A) e enfezamento vermelho (B); foto: Dagma Dionísia da Silva - Embrapa Milho e Sorgo
Figura 03: plantas de milho com a cigarrinhas Dalbulus maidis; foto: Dagma Dionísia da Silva - Embrapa Milho e Sorgo
Figura 03: plantas de milho com a cigarrinhas Dalbulus maidis; foto: Dagma Dionísia da Silva - Embrapa Milho e Sorgo
Figura 04: planta tiguera de milho com sintomas de enfezamento vermelho; foto: Dagma Dionísia da Silva - Embrapa Milho e Sorgo
Figura 04: planta tiguera de milho com sintomas de enfezamento vermelho; foto: Dagma Dionísia da Silva - Embrapa Milho e Sorgo
Figura 05: híbrido de milho mais resistentes aos enfezamentos (esquerda) e híbrido mais suscetível (direita); foto: Luciano Viana Cota - Embrapa Milho e Sorgo
Figura 05: híbrido de milho mais resistentes aos enfezamentos (esquerda) e híbrido mais suscetível (direita); foto: Luciano Viana Cota - Embrapa Milho e Sorgo

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