Doenças de final de ciclo (DFCs) na soja

Por Gerarda Beatriz Pinto da Silva (Drones for Agro), Jessica Freitas (IFRS e Drones for Agro, Felipe Motta (IFRS e Drones for Agro) e Jorge Luis Alves de Azevedo (Drones for Agro)

27.12.2023 | 16:26 (UTC -3)

A soja (Glycine max L. Merril) é a cultura oleaginosa mais produzida no mundo, com área plantada na safra 2019/20 de, aproximadamente, 126 milhões de hectares. De acordo com estimativas do Ministério de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), a produção nesta safra poderá alcançar 337 milhões de toneladas.

Ainda nesta safra, o Brasil se tornará o maior produtor mundial de soja, com mais de 125 milhões de toneladas (USDA), ultrapassando os EUA. Estimativas da CONAB indicam que, foram plantados 37 milhões de hectares e, que, serão colhidos 8 milhões de tonelada a mais do que na safra anterior. Parte deste incremento, justifica-se em função do aumento nas áreas plantadas, que crescem a uma taxa de 500 mil hectares ano-1. 

Além disso, um fator preponderante para este incremento produtivo está relacionado a baixa pressão da ferrugem asiática (Phakopsora pachyrhizi) em território nacional. Uma vez que, esta doença tem potencial para causar perdas produtivas de até 90%, quando não manejada corretamente.

Sendo assim, o ciclo de desenvolvimento da soja pode ser influenciado por diversos fatores, classificados como estresses biótico e abióticos. Dentre eles, as doenças de origem fitopatogênicas são os fatores mais limitantes ao rendimento (t ha-1). Forçando os produtores rurais a utilizarem cada vez mais agrotóxicos no manejo de suas lavouras. 

De modo geral, podemos considerar que o manejo fitossanitário ocorre de duas formas, através de pulverizações calendarizadas e, em função da incidência e/ou severidade das doenças nas lavouras, baseadas através do monitoramento contínuo.

As aplicações calendarizadas levam em consideração os estádios de desenvolvimento da cultura e a época de provável incidência de uma ou várias doenças. Ao passo que, o monitoramento implica que as pulverizações são realizadas apenas quando se identificam os primeiros sintomas ou foco das doenças no campo.

Figura 1: evolução dos sintomas de antracnose (Colletotrichum spp.) na soja na safra 2019/20; a) Sintomas iniciais na folha, na forma de manchas escuras ao longo das nervuras; b) A área foliar ao redor das nervuras afetadas torna-se clorótica; c) A área foliar infectada seca e torna-se quebradiça; d) Os sintomas também podem ser observados nos pecíolos foliares da soja, na forma de manchas negras
Figura 1: evolução dos sintomas de antracnose (Colletotrichum spp.) na soja na safra 2019/20; a) Sintomas iniciais na folha, na forma de manchas escuras ao longo das nervuras; b) A área foliar ao redor das nervuras afetadas torna-se clorótica; c) A área foliar infectada seca e torna-se quebradiça; d) Os sintomas também podem ser observados nos pecíolos foliares da soja, na forma de manchas negras

Na safra 2019/20 percebeu-se que, apesar da ferrugem asiática (P. pachyrhizi) ser uma das principais doenças para a cultura, ela não teve expressividade em comparação a outras doenças, como: antracnose (Colletotrichum dematium var. truncata), olho de rã (Cercospora sojina), cercosporiose (Cercospora kikuchii) e mancha-alvo (Corynespora cassiicola), que geralmente são doenças secundárias para a soja, mas que apresentaram alta incidência para esta safra.

Geralmente, essas doenças manifestam-se apenas no final do ciclo, por isso recebem o nome de Doenças de Final de Ciclo, ou simplesmente, DFCs. Contudo, nesta safra, foi possível verificar a sua presença ainda no início do desenvolvimento da cultura, antes mesmo das plantas entrarem em estádio reprodutivo (emissão das primeiras flores). Desta forma, é de fundamental importância o monitoramento e a identificação dessas doenças em todos os estádios de desenvolvimento da soja. 

Figura 2: sintomas de cercorporiose (Cercospora kikuchii) em folhas de soja na safra 2019/20
Figura 2: sintomas de cercorporiose (Cercospora kikuchii) em folhas de soja na safra 2019/20

Para auxiliar os produtores, diversas ferramentas podem ser utilizadas, dentre elas, imagens multiespectrais e até mesmo em RGB (Red, Green e Blue), as quais podem ser obtidas através de sensores embarcados em drones e/ou satélites. A partir destas imagens, é possível a geração de mapas com índices de vegetação georreferenciados que permitem a identificação e detecção precoce destas doenças.

Figura 3: sintomas de olho de rã (Cercospora sojina) em folhas de soja na safra 2019/20
Figura 3: sintomas de olho de rã (Cercospora sojina) em folhas de soja na safra 2019/20

Como pode-se observar nas imagens (1, 2 e 3), as DFCs causam sintomas visíveis nas folhas, o que permite a sua detecção por sensores óticos. Por isso, identificar as áreas afetadas com antecedência é sinônimo de rentabilidade, pois sabendo da presença da doença, o manejo pode ser mais rápido e eficiente. 

Além disso, é possível a programação das aplicações com mais acurácia. Isto quer dizer que, de posse das imagens georreferenciadas dos talhões, o agricultor pode escolher por qual área começar as suas aplicações, ou seja, ele sabe com precisão qual o talhão com maiores chances de uma epidemia por doenças.

O uso de tecnologias de sensoriamento remoto voltadas para o agronegócio vem se tornando uma das principais ferramentas da agricultura de precisão. Baseado em sensores acoplados aos Veículos Aéreos Não Tripulados (VANTs), é possível gerar mapas para avaliar de forma pontual todo talhão cultivado, ou seja, realizar um monitoramento completo da lavoura, da semeadura até a colheita. 

Figura 4: sensor RGB (Red, Blue e Green) embarcado em um drone quadricoptero
Figura 4: sensor RGB (Red, Blue e Green) embarcado em um drone quadricoptero

Estudos visando a detecção precoce de DFCs em soja tem demonstrado que os índices de vegetação podem ser utilizados para a detecção dessas doenças. Dentre eles, podemos citar: VARI (Visible Atmospherically Resistant Index), LCI (Leaf Color Index), NDVI (Normalized Difference Vegetation Index) e NDRE (Normalized Difference Red Edge).

Figura 5: a) Sensor multiespectral duplo com resolução 4K para captar imagens em RGB, NIR e RedEgde; b) Sensor embarcado em drone quadricoptero
Figura 5: a) Sensor multiespectral duplo com resolução 4K para captar imagens em RGB, NIR e RedEgde; b) Sensor embarcado em drone quadricoptero

Vale ressaltar que, os índices VARI e LCI são obtidos com sensores que atuam na região do visível (Figura 4). Ao passo que, os índices NDVI e NDRE necessitam de sensores multiespectrais (Figura 5) para a sua obtenção, uma vez que utilizam comprimentos de onda na região do infravermelho (Near InfraRed, 840 nm) e na borda do vermelho (RedEdge, 690 a 750 nm). 

Figura 6; imagens do voo realizado aos 66 dias após a semeadura de soja na Safra 2019/20, utilizando sensor RGB
Figura 6; imagens do voo realizado aos 66 dias após a semeadura de soja na Safra 2019/20, utilizando sensor RGB

Em uma lavoura de soja com 38 ha, monitorada na região de Bom Jesus/RS, foram realizados diversos voos para o acompanhamento da safra. No voo realizado 66 dias após a semeadura, foi possível perceber alguns locais com possíveis problemas fitossanitários, conforme mostra a Figura 6. Utilizou-se neste voo um sensor RGB acoplado a um drone do tipo quadricoptero (Figura 4).

Na figura, observa-se que ambos os índices VARI e LCI, foram úteis na identificação de zonas com possíveis focos de doenças. Situação evidenciada pela coloração em tons de vermelho e amarelo, nas imagens dos índices. A cor vermelha significa que, naquela área existe solo exposto (as plantas não foram capazes de cobrir toda a superfície do solo) ou plantas mortas. A cor amarela demonstra que há baixa cobertura vegetal (baixa biomassa) e/ou que a biomassa existente apresenta algum estresse.

Para comprovar o tipo de estresse presente nas áreas em amarelo, realizaram-se visitas de inspeções periódicas nestes locais, onde constatou-se a incidência de doenças foliares, características de final de ciclo (Figuras 1, 2 e 3). A fim de controlar estas doenças, pulverizações com fungicidas foram realizadas para retardar a infecção, proteger as plantas ainda não infectadas e as folhas do baixeiro.

Um novo sobrevoo foi realizado nesta mesma área 100 dias após a semeadura, desta vez utilizando um sensor multiespectral duplo (Figura 5). A partir das imagens obtidas, pode-se observar que no ortomosaico é perceptível um tom de verde mais intenso, quando comparado ao voo anterior. Indicando que há mais biomassa na área e que, há apenas alguns pontos onde a soja não foi capaz de fechar completamente o dossel.

Figura 7: imagens do voo realizado aos 100 dias após a semeadura de soja na Safra 2019/20, utilizando sensor multiespectral duplo
Figura 7: imagens do voo realizado aos 100 dias após a semeadura de soja na Safra 2019/20, utilizando sensor multiespectral duplo

Entretanto, os índices NDVI e NDRE demonstram que ainda existe um estresse presente na área, os quais mais uma vez, são evidenciados nos locais com tons amarelados e avermelhados. Estes índices, atuam em uma região não visível a olho nu e, por isso, alguns estresses podem ser detectados mesmo antes dos primeiros sintomas visíveis. 

Além disso, mesmo com as aplicações de fungicidas, não é possível reduzir a área foliar que já foi infectada pelas doenças, ou seja, as manchas exibidas nas figuras 1, 2 e 3 não vão simplesmente desaparecer. Este é um dos motivos pelo qual, os índices NDVI e NDRE são utilizados, uma vez que, são hábeis em detectar alterações fotossintéticas nos terços superior e médio das lavouras de soja.

Este tipo de tecnologia está avançando cada vez mais rápido no cenário agrícola brasileiro. Desta maneira, espera-se que nas próximas safras, o número de adeptos ao monitoramento via imagens seja mais elevado. De modo a evitar o panorama evidenciado na safra 2019/20, onde foram realizadas diversas pulverizações calendarizadas para o manejo da ferrugem asiática da soja. Doença que teve de baixo a médio impacto nas lavouras, enquanto negligenciou-se outras doenças, como antracnose, olho de rã, cercosporiose e mancha alvo.

Isso demonstra como o agricultor tem manejado as suas lavouras, seguindo orientações baseadas em “receita de bolo”. No entanto, esquecem que o cenário climático brasileiro é dinâmico e que uma safra jamais será igual a outra. Sendo assim, a pressão de doenças existente numa safra é fortemente influenciada pela condição climática, em outras palavras, se não houver umidade no ar suficiente, a incidência de ferrugem asiática será menor, entretanto, maior atenção é necessária para o desenvolvimento das DFCs.

*Por Gerarda Beatriz Pinto da Silva (Drones for Agro), Jessica Freitas (IFRS e Drones for Agro, Felipe Motta (IFRS e Drones for Agro) e Jorge Luis Alves de Azevedo (Drones for Agro)

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