A tricomonose é uma doença venérea de bovinos causada por um protozoário flagelado denominado
(
) cujo habitat é o trato genital de bovinos sendo transmitido mais freqüentemente do macho para a fêmea através da monta ou pelo uso de sêmen contaminado.
Epidemiologia
O parasito é transmitido do touro infectado para a fêmea susceptível durante a cópula. A transmissão mecânica é possível durante a inseminação, porém rara, como pela utilização de sêmen contaminado, ainda que possível. É também possível a infecção mecânica por um touro não infectado, quando este se contamina durante a cobertura pelo contato com uma vaca infectada ou portadora e mantenha temporariamente o parasito, contaminando uma fêmea susceptível.
O touro é o portador assintomático, não sofrendo a infecção nem adquirindo naturalmente imunidade contra a mesma. Os touros mais velhos têm maior risco de adquirirem a doença e manterem-se portadores permanentes uma vez que com a idade aumenta a profundidade das criptas prepuciais, o que facilita a permanência do parasita onde tem o seu nicho ecológico.
A fêmea portadora pode ser definida como aquela vaca que foi infectada e mantém o parasita por longos períodos, durante o período entre estros, gestacional e no pós-parto.
No Brasil, os primeiros relatos foram no Rio Grande do Sul por Roehe (1948) que observou o
em um feto abortado. Os estudos realizados em São Paulo, por Amaral et al.(1970) detectaram uma prevalência de 8% e na Paraíba, por Bacalhau (1981) que observou 27% de touros de rebanhos portadores de T.foetus. Mais recentemente Gomes et al.(1991), no Rio Grande do Sul isolou o T.foetus em 1,88% de 2286 amostras examinadas abrangendo um período de 1972 a 1987.
Em 1997, Leite et al. (1977) examinando lavados prepuciais e fetos encaminhados à Fundação de Ensino e Pesquisa da Escola de Veterinária (UFMG) observaram formas vivas de
, em 5,9% e em dois dos fetos atribuindo os baixos índices a coleta e ao transporte que pode ter sido inadequados, uma vez que vários materiais chegavam sem refrigeração, que não é forma recomendável de conservação (Leite et al., 1997).
Sinais clínicos
A presença da tricomonose em um rebanho pode ser percebida através da ocorrência de uma taxa de natalidade menor que a esperada e uma estação de nascimentos prolongada. Em rebanhos suceptíveis ocorre infertilidade que inclui falha na concepção após cobertura freqüente pelo touro, sendo que as vacas aparentemente concebem, mas retornam ao cio meses mais tarde.
A infecção pelo
no macho é assintomática, não apresentando este nenhuma manifestação clínica da doença (Stoessel, 1982), Na fêmea, a infecção causa, além de repetições irregulares de cio com intervalos aumentados, vaginite, cervicite, endometrite e, eventualmente piometra, morte embrionária ou fetal, feto macerado e aborto. Os abortamentos na fase inicial, até os cinco meses, e piometra podem ocorrer com uma freqüência que geralmente não excede 10%, portanto o produtor não pode ter como referência estes eventos para suspeitar de que o seu rebanho está acometido pela Tricomonose.
Diagnóstico
O diagnóstico da Tricomonose Bovina baseia-se na identificação de formas vivas de
em material prepucial e vaginal ou em fetos abortados e suas membranas fetais (Stoessel, 1982). Quando se faz o diagnóstico nas fêmeas, o sucesso do diagnóstico depende da qualidade do material coletado, sendo que o período ideal de coleta compreende 2-3 dias antes do cio e 2-3 dias depois, onde existe um pico de multiplicação do microorganismo na mucosa vaginal.
A confirmação de um cultivo positivo para o
está baseada na visualização do parasita, através de exame direto do material coletado, entre lâmina e lamínula, com um aumento de 400 X em microscopia de campo escuro ou contraste de fase. Os materiais a serem coletados são os seguintes: líquidos placentários, fetos abortados ou líquido abomasal, muco vaginal ou secreções purulentas líquido de piometra, e, principalmente o esmegma prepucial ou o lavado prepucial de touros provenientes de rebanhos onde se suspeite da doença. Nos Estados Unidos o In Pouch TFâ, um sistema ou kit que contém um meio de cultivo próprio para o Tritrichomonas tem obtido excelentes resultados, mas não está disponível no Brasil.
Para a coleta do material pode ser usado o método de lavado prepucial com equipo e solução salina ,ph 7,4, “swab” prepucial ou aspiração com pipeta de inseminação. Quando coletado com “swab” ou pipeta o material é depositado em tubo de ensaio (de preferência com tampa de rosca) contendo Lactato de Ringer, PBS (ph 7,4) ou solução salina (ph 7,4), ou mesmo o meio seletivo escolhido para o isolamento. No Brasil, o meio de Rieck modificado (Guida et al., 1960) tem obtido bons resultados e pode ser utilizado pelos técnicos de campo, pois os ingredientes são de fácil aquisição e manipulação além de ser de baixo custo. O meio de Rieck modificado é produzido com leite em pó (40g) e suplemento de antibióticos (penicilina G sódica, 2000000 UI e estreptomicina ,1g) e utilizado na proporção de 1,5 para 60 ml de lavado prepucial e 0,25g para 10 ml de muco vaginal coletado em soro fisiológico .
O material coletado deve ser estocado em vidro âmbar ou envoltos por um papel laminado e enviados ao laboratório em temperatura ambiente até no máximo 12 horas. No laboratório, o material deve ser centrifugado a 2000rpm e o sedimento examinado para a presença do parasito e, paralelamente, inoculado em meio de cultura (que pode ser o meio de Rieck modificado) e examinado por até sete dias, iniciando-se o exame das culturas geralmente após 48 horas que o material é transferido para o meio e incubado a 37o C . A identificação de pelo menos um (1) parasito vivo no material examinado, com os movimentos abruptos característicos confere positividade à amostra. Deve-se atentar para o fato de que a motilidade do parasita vai diminuindo no decorrer do exame, por isto as lâminas devem ser examinadas tão logo sejam montadas.
É um aspecto primordial para o sucesso do diagnóstico da Tricomonose Bovina uma coleta apropriada do material. A sensibilidade do diagnóstico está diretamente relacionada ao método e freqüência de coleta e, principalmente, ao acondicionamento e transporte do material, sendo que coletas repetidas no mesmo animal diminuem a probabilidade de resultados falsos negativos. De todos aspectos a serem considerados no diagnóstico devemos enfatizar o repouso sexual dos touros, no mínimo 15 dias, antes e durante o intervalo entre as coletas e a freqüência das coletas, no mínimo de três para que um animal seja considerado negativo.
Controle
O desconhecimento atual sobre a prevalência e epidemiologia da Tricomonose Bovina em nosso meio e, conseqüentemente, sobre sua importância econômica, levando a situações graves, como a ausência no mercado nacional de drogas para o tratamento específico dos animais infectados.
Embora seja generalizada a utilização do repouso sexual de 3-4 ciclos para recuperação das fêmeas, trabalhos mais recentes têm demonstrado que essa prática somente não é suficiente para o controle da doença, uma vez que algumas fêmeas (fêmeas portadoras) podem manter a infecção por vários meses (Kwasnicka et al.,1996).
Vários métodos podem ser utilizados para o controle da tricomonose em rebanhos, sendo todos baseados na segregação de touros e fêmeas positivos.
1. Descarte periódico de touros velhos (acima de 5-6 anos) e introdução de touros jovens testados.
2. Evitar touros “arrendados” ou utilizados em parceria.
3. Efetuar teste (cultura) dos touros no mínimo 45 dias antes da estação de monta e após o seu término.
4. Repouso sexual das fêmeas por, no mínimo, três ciclos consecutivos.
5.Descarte seletivo: devem ser descartados todos os touros positivos e as fêmeas que falharem na concepção, abortarem ou apresentarem piometra, assim como as que forem comprovadamente positivas.
6. Não adquirir touros de fazendas com problema de Tricomonose, ainda que touros virgens. Não adquirir também fêmeas prenhas, que falharam ou abortaram. Adquirir preferencialmente novilhas.
7.Vacinação: mais recentemente têm sido desenvolvidas vacinas de eficiência comprovada em estudos isolados não tendo ainda sido largamente usada com sucesso para que possa ser recomendada em detrimento dos métodos tradicionais de controle.
8.Evitar utilização de pastagens comuns. Nunca levar touros para esses locais.
9. Introduzir melhoria de manejo como a inseminação artificial (quando viável) não usando em hipótese nenhuma o touro de repasse.
10. Manutenção de grupos de animais infectados e não infectados: os touros infectados são levados a cobrir somente fêmeas infectadas sendo as fêmeas susceptíveis, novilhas ou fêmeas que levaram a gestação a termo seriam cobertas por touros virgens ou comprovadamente negativos (três testes negativos consecutivos). Isto, entretanto, pode surtir resultado somente em rebanhos menores, sendo quase inviável em grandes rebanhos de corte. Qualquer animal que for introduzido no rebanho deve provir de rebanhos sem histórico de tricomonose e ainda assim possuírem três resultados negativos para o parasito. Adicionalmente, antes da estação de monta deve-se examinar os touros, para o descarte dos que se apresentarem positivos.
No Brasil não existem vacinas disponíveis para o controle da Tricomonose, embora estas sejam utilizadas em alguns países. Entretanto, o controle da doença para ser efetivo deve ser complementado com as práticas de manejo sanitário descritas.
Tratamento
O tratamento se justifica principalmente quando são utilizados touros de elevado valor zootécnico, mas não é indicado para grande número de animais ou para uso indiscriminado em um rebanho.
O dimetridazole por via oral é altamente eficaz, entretanto são necessários 5 dias de tratamento ao um custo de aproximadamente US$ 125 por animal, o que é considerado elevado para animais de rebanho (Skirrow et al., 1985). Os autores utilizaram uma associação de penicilina procaína (7000 UI/Kg de peso corporal) por via intramuscular com ipronidazole, em dose única (30 g por animal, intramuscular) ou dividida em três doses, aplicadas por 3 dias consecutivos (30 g, 15g e 15 g, respectivamente). A eficiência do tratamento do tratamento foi de 92,8% para o grupo tratado em dose única, e 100% para o grupo tratado três vezes. Os autores recomendam que touros que não respondam ao tratamento sejam descartados.
Entretanto, Jesus et al.,( 1996) observaram que, tanto o ipronidazole quanto a tripaflavina apresentaram a mesma eficiência no tratamento da Tricomonose Bovina, devendo ser a escolha da base a ser utilizada ser feita em função da conveniência e do tipo de manejo utilizado no rebanho. O tratamento também testado por Martins et al. (1997), utilizando-se a aplicação tópica de acriflavina a 1,5%, em veículo de creme neutro, demonstrou ser eficiente e prático, uma vez que é necessária somente uma aplicação do produto, diminuindo, portanto, a necessidade de maior manuseio dos touros. Do ponto de vista econômico, o tratamento é bastante viável uma vez que a aplicação tópica de acriflavina tem um custo em torno de R$ 7 por animal, quando utilizada uma aplicação, somando-se o custo do anestésico.
Aiesca Oliveira Pellegrin
Embrapa Pantanal
Rômulo Cerqueira Leite
UFMG
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