O Brasil é o maior produtor mundial de cana-de-açúcar (Saccharum officinarum L.), com uma área plantada de aproximadamente 5 milhões de hectares, sendo o Estado de São Paulo o maior produtor nacional. A mecanização da colheita tornou-se uma necessidade dos tempos modernos para atender a demanda e evitar as queimadas necessárias na colheita manual. Entretanto, o Brasil ainda não possui níveis satisfatórios quando comparados com outros países produtores como os Estados Unidos, Austrália e África do Sul.
Perdas de 10 a 15 % são freqüentes quando a cana é colhida crua (sem queima prévia), sendo o cortador de base o maior responsável.
As colhedoras cortam a cana em sua base pelo impacto, usando um disco rotativo com múltiplas lâminas. O rolo defletor empurra a cana para frente antes de cortá-la para facilitar a alimentação pelos rolos alimentadores. A deflexão e o corte de base são responsáveis por danos na soqueira e na cana colhida, causando grande volume de perdas tanto de massa como de deterioração, além de facilitar o ataque de fungos e doenças na soqueira. Em alguns casos, as trincas vão além do nó, dividindo os toletes em duas ou mais partes quando a cana é picada, e estes pequenos pedaços ou fragmentos são facilmente arrastados junto com a palha no extrator.
Outro grande problema para as usinas é a terra e a sujeira transportadas junto com a cana. As colhedoras modernas têm potência suficiente para colher abaixo da superfície do solo, se o operador considerar necessário, dentro de certas condições, o que, dependendo do sistema de limpeza, se constitui em uma grande fonte adicional de sujeira. Com o princípio do corte de base é impossível evitar tais perdas e danos. Os atuais cortadores de base além de causar um alto volume de perdas de cana, também provocam uma redução na produtividade potencial devido aos danos causados na soqueira.
Alternativas para o corte de base
A alternativa para o corte por impacto seria o corte por deslizamento. Isto é fácil de entender. Se houver um ângulo oblíquo entre a lâmina e o material a ser cortado, haverá um deslizamento e, estando o material aderido à lâmina, este será rompido por fricção. O corte por deslizamento, entretanto, não se aplica a cortadores de base para colhedoras de cana-de-açúcar, pois estes trabalham rente ou abaixo da superfície do solo, sendo impossível manter o perfil das lâminas amolado. Nestas condições, a cana acaba escorregando ao longo da lâmina sem ser cortada adequadamente. Para evitar o corte por impacto e resolver este problema, foram sugeridos lâminas com perfis serrilhados. Os dentes do serrilhado iniciam o corte com maior facilidade, impedindo que a cana deslize ao longo do perfil, cortando-as com maior eficiência.
Corte perfeito
O desempenho dessas lâminas foi verificado em testes de laboratório, comparando-se diferentes passos (distância entre um dente e outro) do perfil serrilhado, assim como diferentes ângulos de inclinação das lâminas tanto para frente como para trás. Um corte perfeito, isto é, sem fragmentar a cana, é obtido com a utilização de lâmina serrilhada e inclinada para frente. A cinemática dos cortadores de base alternativos (lâminas inclinadas para trás e para frente, mostrados nas Figuras 1 e 2, respectivamente) foi exaustivamente estudada para definir um perfil curvo para as lâminas, além de uma adequada relação entre as velocidades normais e tangenciais (Vt/Vn) em um ponto específico do perfil.
Desempenho no campo
Devido a problemas operacionais e aos processos de fabricação, as lâminas curvas foram substituídas por lâminas retas para serem testadas no campo.
O cortador de base com lâminas inclinadas para trás apresentou bom desempenho apenas enquanto as lâminas eram novas, mas quando o perfil serrilhado começou a desgastar-se, a colhedora começou a apresentar problemas na alimentação, forçando o operador a cortar abaixo da superfície do solo, para se evitar o embuchamento. O cortador de base com lâminas inclinadas para frente apresentou melhor desempenho que os convencionais, mesmo com o perfil serrilhado desgastado.
As lâminas serrilhadas foram fabricadas por processo de corte laser. Este sistema reduz o custo de fabricação quanto comparado a outros sistemas mecânicos (usinagem). A lâmina se apoia em um suporte inclinado e a lâmpada laser se desloca em zig-zag, proporcionando o perfil serrilhado. Existem algumas limitações neste processo quanto ao tamanho (passo) do serrilhado, mas segundo os resultados obtidos nos testes de laboratório, os perfis serrilhados com passos menores são mais eficientes.
Foram feitos extensivos testes de campo em Mackay e Mossmam, Austrália, usando as lâminas serrilhadas e adaptadas em discos do tipo prato. Nestes testes, procurou-se cortar levemente acima da superfície do solo a fim de evitar o contato da lâmina com o solo.
Se os cortadores de base convencional forem regulados para cortar acima da superfície, causam problemas na alimentação pelo fato de as lâminas não permanecerem amoladas, o que acaba derrubando a cana sem cortá-las adequadamente, enquanto que os cortadores de base com lâminas serrilhadas e inclinadas possibilitam o corte levemente acima da superfície, reduzindo o desgaste das lâminas, as perdas, os danos na soqueira, além da quantidade de terra e sujeira na cana fornecida às usinas.
Os brotos remanescentes no campo logo após a colheita, que seriam eliminados no corte convencional, têm um crescimento bem mais rápido e apresentam uma maior tolerância aos veranicos, pois o sistema radicular não foi danificado pela ação dos cortadores de base.
Na página seguinte vê-se uma área onde as ruas da esquerda foram colhidas com cortadores de base com lâminas serrilhadas e inclinadas enquanto que as ruas da direita foram colhidas com cortadores de base convencional. Nota-se uma grande diferença na rebrota, a favor da lâmina serrilhada e inclinada.
As tabelas a seguir mostram dados colhidos no campo e fornecidos pela usina Mossmam Mill. Para se mensurar os danos causados na soqueira, foram contados os números de tocos remanescentes facilmente removíveis com a mão (soltos) e os que se apresentavam rígidos ou necessitavam de um certo esforço para serem removidos (firmes). Estes valores são as medias de cinco repetições em parcelas de cinco metros de comprimento ao longo da rua, determinadas ao acaso.
A tabela 1 (Veja como visualizar este artigo, com gráficos, figuras e tabelas, em PDF, no link no final da página) mostra os valores do primeiro teste realizado em Mackay, comparando cortador de base convencional com lâmina serrilhada e inclinada para trás.
A tabela 2 mostra os valores da rebrota em números de brotos e massa (kg) por metro linear obtidos através de amostragem, sendo cinco amostras de dois metros sobre as ruas, seis semanas após a colheita.
No teste em Mossmam foram comparados dados entre um cortador de base com lâminas standard e serrilhada, ambas inclinadas para frente. A usina Mossmam Mill forneceu os dados apresentados na Tabela 3. Pode-se observar que houve uma significativa redução no teor de cinza e matéria estranha, o que acarretou em um aumento no teor de açúcar (brix). Este teste foi realizado em condições normais de operação e a quantidade de cana colhida para cada tipo de lâmina é apresentada na tabela em toneladas.
Vantagens das serrilhadas e inclinadas
Resumidamente, lâminas inclinadas e serrilhadas representam uma solução prática e econômica para minimizar perdas e danos na soqueira e na cana colhida. Pelo fato de ser possível colher levemente acima da superfície do solo, há uma sensível redução no desgaste das lâminas, além de reduzir a quantidade de terra na cana fornecida às usinas. As lâminas inclinadas para frente apresentaram melhor desempenho que as lâminas standard e inclinadas para trás, mesmo depois de desgastadas. Com uma simples modificação no disco do cortador de base, é possível adaptá-las em qualquer colhedora comercial, a um custo extremamente baixo.
Roberto da Cunha Mello,
IAC
* Este artigo foi publicado na edição número 16 da revista Cultivar Máquinas, de janeiro/feveiro de 2003.
* Confira este artigo, com fotos e tabelas, em formato PDF. Basta clicar no link abaixo:
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