Nos dias de hoje, em que se utiliza cada vez mais o Manejo Integrado de Pragas (MIP) ou Manejo Ecológico de Pragas (MEP) em direção a uma agricultura sustentável, o controle biológico, seja clássico ou aplicado, assume importância cada vez maior. Primeiramente, por ser um dos pilares de sustentação de qualquer programa, pois os inimigos naturais são os principais fatores de mortalidade no agroecossistema, com papel relevante na manutenção do equilíbrio de pragas. Eles representam, ao lado de taxonomia, métodos de amostragem e níveis de controle, a sustentação de qualquer programa. Em segundo lugar, aparecem como uma importante medida de controle para manutenção das pragas em níveis populacionais toleráveis, ao lado de tantos outros métodos de controle, como os culturais, físicos, de resistência de plantas a insetos e métodos comportamentais (feromônios), que podem até ser harmoniosamente integrados com métodos químicos (especialmente produtos fisiológicos e aqueles de última geração, pouco agressivos ao ambiente).
Em MIP devem ser adotados os procedimentos básicos de controle biológico, quais sejam, introdução, conservação e multiplicação. Com relação à conservação, devem ser utilizados produtos seletivos (controle biológico natural), especialmente em culturas com grande número de pragas, onde poderia ser difícil a utilização de agentes biológicos, dada a sua especificidade. Em culturas com pequeno número de pragas, sejam exóticas, para as quais a introdução de inimigos naturais pode ser de grande valia, ou para pragas nativas, para as quais devem ser utilizados inimigos naturais locais, o Controle Biológico Aplicado (CBA), envolvendo produções massais de inimigos naturais (multiplicação) e posterior liberação inundativa, assume grande importância
A introdução de inimigos naturais em nosso país foi iniciada em 1921, com a importação de
(Aphelinidae), proveniente dos EUA para controlar a cochonilha branca do pessegueiro, Pseudaulacaspis pentagona. Seguiram-se outras importações como as de Neodusmetia sangwani para controle de Antonina graminis em pastagens na década de 60, com resultados animadores. Na década de 70, também houve introduções muito bem sucedidas, como as de Cotesia flavipes, de Trinidad-Tobago, para controlar Diatraea saccharalis; a de parasitóides de pulgões do trigo feita pela Embrapa, para controlar os principais afídeos da cultura. Recentemente, na década de 90, foi introduzido da Colômbia,
, para controle da traça Tuta absoluta em tomateiro industrial, resultando no primeiro caso de sucesso desse parasitóide no Brasil. As introduções tendem a aumentar cada vez mais em nosso país, pois recentemente foi criado o Sistema de Quarentena "Costa Lima" pela Embrapa-CNPMA, Jaguariúna, SP que além de facilitar tais importações dará maior credibilidade aos programas de Controle Biológico no Brasil.
É importante salientar que o próprio Controle Biológico que nada mais é do que um fenômeno natural de regulação de plantas e animais por inimigos naturais (agentes de mortalidade biótica) e que também sofreu modificações com os avanços tecnológicos. Assim, enquanto no passado ele era considerado uma medida de controle cujos resultados seriam obtidos a longo prazo e somente em culturas perenes, pois as liberações eram "inoculativas" e dependiam da permanência e adaptação do parasitóide ou predador na área, hoje já pode ser considerado uma medida emergencial, em alguns casos, semelhante a inseticidas.
Porque estas mudanças? Porque no passado, só se falava em Controle Biológico Clássico, e, pela falta de domínio de técnicas de criação de insetos, eram produzidas pequenas quantidades de inimigos naturais. Hoje, com o domínio dessas técnicas (especialmente em dietas artificiais), aumentaram-se as possibilidades de criações massais de inimigos naturais, e posteriores liberações em grandes quantidades. Tais liberações reduzirão os danos às culturas pela diminuição da evolução populacional da praga, de uma forma rápida e sem prejuízos ao ambiente.
E por que a comparação anteriormente feita com inseticida? Porque o agricultor se acostumou a usar produtos químicos que matam rapidamente as pragas, e somente irá substituí-los por algo equivalente. Com tais liberações inundativas, a mudança de estratégia é mais facilmente visualizada pelo agricultor e, rapidamente aceita.
O próprio Controle Biológico Clássico que, na época dos orgânicos sintéticos (1950-1980), deixou de ter a devida importância, pela agressividade de tais produtos, hoje deverá ter o seu renascimento, pois produtos fisiológicos e outros inseticidas menos agressivos ao ambiente facilitarão tais liberações inoculativas.
Existe um exemplo bastante recente no Brasil. Em março de 1996, foi introduzida em nosso país, a minadora-dos-citros, Phyllocnistis citrella, que não somente causa danos diretos às brotações cítricas, como está intimamente relacionada ao cancro cítrico, doença limitante à citricultura. Em função disso, introduziu-se dos EUA, um encirtídeo, Ageniaspis citricola, que, originário da Ásia, dera excelentes resultados em Israel, Austrália, Espanha e EUA. Entretanto, esse inseto somente dará resultados, ou se adaptará, nos locais onde houver uma aplicação racional de produtos químicos nas plantas cítricas. Nos EUA apenas nas propriedades onde se aplicou enxofre, óleos minerais ou produtos fisiológicos, houve adaptação do parasitóide.
Uso do Controle Biológico Aplicado
Nos dias de hoje, em programas de Manejo de Pragas, é mais comum falar-se em CBA.
Para se ter sucesso em CBA devem ser esquematizados programas inter e multidisciplinares, envolvendo especialistas em diferentes áreas da entomologia, associados a fitotecnistas, melhoristas, patologistas, nutricionistas de plantas, ambientalistas etc., que de uma forma conjunta, poderão gerar pacotes tecnológicos para serem utilizados em grandes áreas, com uma visão econômica, ecológica e social, com vistas a uma agricultura sustentável. Entretanto, tais programas, que hoje já incluem até plantas transgênicas, devem ter uma seqüência lógica que se inicia com a seleção da(s) cultura(s) e do(s) inimigo(s) natural(is), seguindo-se com uma criação de pequeno porte do hospedeiro e do inimigo natural para desenvolvimento de pesquisas básicas. Segue-se o desenvolvimento de um sistema de criação massal que produza inimigos naturais com "qualidade" semelhante àqueles da natureza. O programa tem seqüência com a avaliação do custo/benefício, variável com o tipo de cultura visada, finalizando-se o processo com a transferência da tecnologia ao usuário.
Programas com essas características têm sido desenvolvidos no Brasil, seja com parasitóides ou predadores importados e nativos, nas culturas de cana-de-açúcar, tomate, soja, trigo e florestas. Os excelentes resultados gerados e as grandes áreas tratadas com inimigos naturais têm aumentado a credibilidade no Controle Biológico, fazendo com que os congressos nacionais sobre o assunto reunam cerca de mil participantes. Sem dúvida, a pressão mundial existente, relacionada a problemas ambientais, e o potencial de utilização de agentes de controle biológico em países tropicais, apontam para uma utilização cada vez maior dessa tática de controle.
Hoje a comunidade científica está conscientizada da necessidade de utilização de manejo de pragas, que tem no controle biológico um dos seus principais aliados. Esta conscientização, aliada ao treinamento maciço de pesquisadores na área de entomologia no exterior e com o crescente desenvolvimento de nossos cursos de pós-graduação, apontam para um futuro promissor nesta área ainda emergente em nosso país.
Ainda faltam estudos básicos
No Brasil existem ainda problemas relacionados à falta de estudos básicos (incluindo análises de impacto ambiental); descontinuidade de programas e/ou projetos mal planejados e, muitas vezes, isolados (sem características inter ou multidisciplinares); falta de credibilidade no controle biológico, o que dificulta o aparecimento de firmas idôneas que comercializem inimigos naturais (prática comum em países desenvolvidos); inexistência de uma política nacional com definição de prioridades, principalmente voltada para estudos de controle biológico em culturas de subsistência; poucos investimentos na área; dificuldade de transferência da tecnologia gerada ao usuário. Este último talvez seja o mais importante deles, pois, muitas vezes existe a tecnologia e ela não chega ao agricultor. Assim, hoje o Brasil possui programas comparáveis aos melhores do mundo, em "qualidade" e em áreas tratadas, pois apenas para exemplificar, para controle de Diatraea saccharalis liberam-se Cotesia flavipes em 300.000 ha por ano. Esse e os outros casos de sucesso, citados em nosso país, sempre contaram com excelente suporte da extensão.
Nesse programa em cana-de-açúcar houve uma relação custo/benefício realmente espetacular, pois na década de 80 perdiam-se, em São Paulo, US$ 100 milhões por ano, devido ao ataque da broca-da-cana. Hoje, após a introdução do braconídeo citado, estas perdas diminuíram para 20 milhões/ano. Somos um país tropical, com um grande potencial de agentes biológicos e temos massa crítica já formada. Portanto, esses exemplos deverão aumentar cada vez mais, com alguns outros agentes como Trichogramma, utilizados em 18 milhões de ha, em 18 países no mundo, o qual já se mostrou eficiente entre nós em tomate, cana, milho, algodão, etc.
Para que se possa atingir o próximo milênio em condições de competir com países desenvolvidos é fundamental que os problemas citados sejam corrigidos e que haja um equilíbrio entre pesquisa básica e aplicada para o desenvolvimento de novas tecnologias. O treinamento de pesquisadores no Brasil ou exterior e o relacionamento internacional são fundamentais para que possamos acompanhar, em igualdade de condições, o mundo moderno, envolvendo aplicações de biologia molecular, plantas transgênicas e produção de parasitóides "in vitro" (uma realidade no Brasil).
O controle biológico continuará sofrendo mudanças, pois, no futuro, serão aprofundados os estudos de relações tritróficas e desenvolvidas linhagens mais vigorosas de inimigos naturais (adaptáveis às drásticas variações climáticas), ao lado de aprimoramento de técnicas de criação (manejo da criação) com o controle de qualidade do parasitóide ou predador produzido, desenvolvimento de produtos cada vez mais seletivos e novas técnicas de liberação e armazenamento, tornando este insumo biológico cada vez mais eficiente e acessível ao usuário. Para ampliar o seu espectro de utilização, é importante que cada vez mais o controle biológico seja analisado sob um ponto de vista global, e, não como uma atividade isolada dentro de um programa de manejo de pragas.
José Roberto P. Parra
ESALQ
Newsletter Cultivar
Receba por e-mail as últimas notícias sobre agricultura
Newsletter Cultivar
Receba por e-mail as últimas notícias sobre agricultura