A saúde dos animais confinados é fator decisivo no lucro desta prática e deve, portanto, ser monitorada para que as decisões sejam mais ágeis.
Em um sistema de confinamento de bovinos, alguns problemas podem ocorrer, reduzindo sua capacidade de ganho ou podendo chegar até a perda do animal, comprometendo sua lucratividade. Neste contexto, esta revisão relaciona algumas das principais doenças infecciosas e metabólicas que podem afetar os bovinos confinados.
Botulismo
É uma intoxicação específica resultante da ingestão e absorção pela mucosa digestiva de toxinas pré-formadas do
que levam o animal a um quadro de paralisia motora progressiva. A doença é determinada pela ingestão de toxinas pré-formadas que, após serem absorvidas, ligam-se a receptores no Sistema Nervoso Periférico, bloqueando a síntese e liberação de acetilcolina, que atua como mediadora do impulso nervoso, determinando assim um quadro de paralisia flácida. Não há efeito da toxina no Sistema Nervoso Central.
A melhor prevenção é a vacinação que deve ser feita em duas etapas, com um mês de intervalo entre as mesmas. Como a vacina necessita de um período de 16 a 18 dias para conferir proteção efetiva, recomenda-se que a primeira dose seja feita um mês antes da entrada do animal no confinamento. Embora o nível de proteção das vacinas não seja totalmente satisfatório, este ainda é considerado o método de proteção mais eficaz.
Vale a pena lembrar que as medidas preventivas acima descritas são destinadas aos animais confinados.
Dermatomicose
É uma dermatite localizada, de caráter crônico, causada pela invasão da pele e pêlos por fungos conhecidos como dermatófitos e se caracteriza por descamação e perda de pêlos. É também conhecida pelo nome de tinha, ringworm, dermatofitose ou tricofitose.
As perdas econômicas são baixas, uma vez que a infecção é superficial e restrita à pele, mas a inquietação decorrente do prurido pode resultar em diminuição nas taxas de ganho.
O meio de contaminação mais comum é o contato direto entre animais infectados e animais sadios, embora os esporos possam estar presentes em cercas, postes, cochos etc. A infecção se desenvolve no tecido queratinizado do estrato córneo ou folículo piloso, sendo que lesões superficiais favorecem o estabelecimento do fungo. A penetração do fungo enfraquece o pêlo e causa a sua queda próxima à superfície da pele. A presença de crostas ressecadas, características da doença, decorre do acúmulo de células epiteliais queratinizadas, exsudato do processo inflamatório e de fragmentos de pêlos.
Uma forma de prevenção é isolamento e tratamento imediato dos animais afetados assim que forem observadas as primeiras lesões, juntamente com a desinfecção do local e dos utensílios utilizados no manejo destes animais.
Dermatofilose
É um processo infeccioso da pele que acomete bovinos, além de outras espécies, causado pelo
que se caracteriza por uma dermatite exsudativa, com necrose, acantose e formação de escaras. Também é conhecida por estreptotricose cutânea.
A bactéria, ao penetrar na epiderme, causa um processo inflamatório agudo que leva a um acúmulo de exsudato, pêlos e fragmentos, que produzem crostas. Na maioria dos casos, a lesão parece ser autolimitante, regredindo espontaneamente após um período de duas a três semanas. Nas infecções crônicas, a doença pode persistir por meses.
Timpanismo
É uma doença metabólica de animais ruminantes, também conhecida por meteorismo ruminal, caracterizada pela distensão acentuada do rúmen e retículo, devido à incapacidade do animal em expulsar os gases produzidos através dos mecanismos fisiológicos normais, que acarreta um quadro de dificuldade respiratória e circulatória, com asfixia e morte do animal.
A ingestão de grandes quantidades de produtos altamente fermentáveis, em um curto espaço de tempo, leva à formação de grandes volumes de ácidos graxos voláteis resultantes do processo de fermentação pela microflora ruminal. O pH ruminal baixa até 6, fazendo com que a produção de dióxido de carbono e de bicarbonato salivar seja acelerado. Ocorre formação de uma espuma densa, pela mistura de gás com o conteúdo sólido e líquido do rúmen, que é estabilizado pela presença de proteínas vegetais ou pelo excesso de muco produzido. A espuma resultante não consegue ser eructada, pois há inibição do processo de eructação, levando à distensão do rúmen até a sua capacidade máxima em função da contínua produção de gases, interferindo mecanicamente com os sistemas respiratório e circulatório do animal.
A morte provavelmente seja causada pela combinação dos efeitos mecânicos, resultantes da distensão exagerada do rúmen, e dos efeitos bioquímicos, resultantes da absorção de gases tóxicos pela mucosa ruminal (dióxido de carbono, ácido sulfídrico e amônia).
A maneira mais indicada de se prevenir o problema é evitar a adoção de dietas com excesso de grãos e deficiente em fibras, assim como a excessiva moagem dos grãos. O cuidado no uso de feno de leguminosas, embora de pouco uso em confinamentos em nosso País, também vale a pena ser comentado, para o caso de animais estabulados. Outras medidas de prevenção têm se mostrado pouco eficazes, além do que contribuem para encarecer o custo de produção.
A utilização de antibióticos com o objetivo de controlar a atividade bacteriana e a produção de gás no rúmen, tem se mostrado pouco praticável, em função da necessidade de um longo período de proteção. A inclusão de óleos na ração pode apresentar algum efeito profilático, embora apresente algumas desvantagens, tais como dificuldade de administração e curto período de proteção. O uso de ionóforos (monensina, lasalocida) na ração de bovinos confinados tem auxiliado na diminuição da incidência de timpanismo.
Acidose láctica
É uma doença metabólica aguda, causada pela ingestão súbita de grãos ou outros alimentos altamente fermentáveis em grandes quantidades, que é caracterizada por perda do apetite, depressão e morte. É também conhecida por sobrecarga ruminal, indigestão aguda, impactação aguda do rúmen ou indigestão por carboidratos.
Quando grãos ou outros produtos facilmente fermentáveis são consumidos rapidamente e em grandes quantidades, há alteração da microflora ruminal com predominância de bactérias gram-positivas, principalmente o
, e produção de grandes quantidades de ácido láctico. A grande concentração de ácido láctico leva a uma queda no pH. Ocorre um aumento da pressão osmótica do rúmen resultando em desidratação e diarréia. O animal apresenta polipnéia e depressão.
A manifestação de rumenite e laminite, assim como o desenvolvimento de abcessos hepáticos, são seqüelas comuns de um quadro de sobrecarga ruminal. A rumenite ocorre devido à alta acidez do conteúdo ruminal, que causa lesões à mucosa, possibilitando a invasão de bactérias, que pela circulação atingem o fígado, onde formam abcessos.
As medidas mais eficazes para este fim são aquelas que buscam evitar o acesso acidental de animais a grandes quantidades de grãos e a adoção de um bom esquema de adaptação, com mudança lenta e gradual ao concentrado.
A adoção de produtos tamponantes na ração é válida para a prevenção do problema em animais confinados que recebem grandes quantidades de grãos. A substância tamponante mais usada é o bicarbonato de sódio, na proporção de 1,0-2,0% do concentrado. O bicarbonato de sódio pode ser substituído pelo bicarbonato de potássio ou carbonato de potássio. Outra substância tamponante é o óxido de magnésio que pode ser usado na proporção de 0,2 a 0,3% da ração seca total. O uso de ionóforos (monensina sódica ou lasalocida ) também é indicado para diminuir a incidência de acidose.
Laminite
É um processo inflamatório agudo das estruturas sensíveis da parede do casco que resulta em claudicação e deformidade permanente do casco. O mecanismo de desencadeamento do processo que leva ao quadro de laminite ainda não está totalmente esclarecido. Alguns acreditam que a laminite ocorra em função do excesso de histamina, que causa um ingurgitamento do leito vascular do casco. Por outro lado, o estudo da doença produzida experimentalmente tem demonstrado que o suprimento sangüíneo arterial da lâmina do casco é bastante reduzido ao invés de ser aumentado. Quando há ingestão excessiva de grãos, ocorre um aumento na produção de ácido láctico no trato digestivo, com destruição de grande número de bactérias e liberação de suas toxinas. A acidose ruminal provoca uma lesão na mucosa ruminal com aumento de sua permeabilidade, levando a uma endotoxemia (intoxicação) e acidose sistêmica, que resulta em vasoconstrição periférica, com redução do fluxo sangüíneo às lâminas do casco.
O melhor método para prevenção é a adoção de medidas que evitem a acidose láctica, que pode ser feito através de um adequado esquema de adaptação para animais que receberão dietas altamente concentradas e o uso de produtos alcalinizantes (bicarbonato ou carbonato de cálcio) na ração. Evitar o confinamento de animais muito novos também pode ser indicado para diminuir a incidência da doença. Uma medida a longo prazo para redução da incidência da doença seria a seleção contra machos cujas progênies apresentem esta condição.
Intoxicação por uréia
É um processo agudo de intoxicação, causada pelo consumo de uréia por animais não adaptados ou em grandes quantidades no caso de animais já adaptados, que se caracteriza por incoordenação motora, tremores musculares, colapso e morte.
A uréia quando alcança o rúmen sofre ação da urease e é então desdobrada em amônia e dióxido de carbono, sendo a amônia utilizada como fonte de nitrogênio para síntese de proteínas pelos microorganismos ruminais.
Acredita-se que o mecanismo de intoxicação aguda em ruminantes seja decorrente do excesso de amônia absorvido que excede a capacidade detoxicadora do fígado e tamponante do sangue. Isto ocorre principalmente em pH elevado, devido à grande quantidade de amônia presente, quando há então aumento da permeabilidade da parede ruminal. O ácido oxálico pode ser o causador da intoxicação, que é liberado pelo carbamato de amônia, após certas reações em pH elevado.
A quantidade de uréia necessária para provocar o quadro de intoxicação depende de diversos fatores, principalmente velocidade de ingestão, pH do rúmen e grau de adaptação do animal. Geralmente, níveis de 0,45 a 0,50 g de uréia/kg PV, ingeridos num curto espaço de tempo, provocam intoxicação em animais não adaptados.
A adoção de um correto esquema de adaptação gradual do animal a dietas com uréia, assim como uma correta homogeneização da mistura são as medidas mais indicadas para a prevenção do problema. Recomenda-se um período de adaptação de duas a quatro semanas, em função do nível e forma de fornecimento da uréia. O total de uréia não deve exceder a 3% do concentrado ou 1% da matéria seca da ração. Animais que ficam mais de três dias sem receber uréia devem passar por um novo período de adaptação, visto que a tolerância é perdida rapidamente pelo fígado (biossíntese de uréia a níveis desejados). Animais em jejum, fracos ou com dietas pobres em proteína e energia também são mais susceptíveis. A uréia não apresenta efeitos residuais no organismo.
Pedro Paulo Pires
Embrapa Gado de Corte
Newsletter Cultivar
Receba por e-mail as últimas notícias sobre agricultura
Newsletter Cultivar
Receba por e-mail as últimas notícias sobre agricultura