Manejo adequado de nematoides na lavoura
Sucessão de culturas, promoção de condições ideias para o bom desenvolvimento das plantas e integração de ferramentas fazem parte do manejo adequado de nematoides
Patógenos necrotróficos, recorrentes na cultura da soja, não raras vezes acabam classificados como doença de final de ciclo (DFC). É o caso da mancha parda e em especial do crestamento por cercóspora, facilmente confundido com outras doenças foliares. Sua evolução ocorre através da fitotoxina Cercosporina, que auxilia diretamente na assertividade da diagnose do sintoma foliar.
A localização geográfica do Brasil confere privilégios agroclimáticos específicos de uma macrorregião localizada em torno dos trópicos. Essas condições permitem a sobrevivência, desenvolvimento e reprodução da grande maioria das espécies do planeta, sejam de interesse agrícola ou não. Neste particular, seres vivos que utilizam o cultivo agrícola como substrato para sua perpetuação, tem horizonte vasto para sobreviver, devido ao sistema de monocultivo. Este ambiente permite que uma grande gama de patógenos encontre condições excelentes para sobreviver por alguns meses do ano, mesmo com a ausência da cultura. Os patógenos necrotróficos têm habilidade de sobreviver sem o hospedeiro vivo, através de estruturas de resistência no solo ou em atividades saprofíticas, nutrindo-se da matéria orgânica.
Alguns dos patógenos necrotróficos, recorrentes na cultura da soja, eram chamados, antigamente e de modo incorreto, de doenças de final de ciclo (DFC). Recebiam este nome pelo desconhecimento de sua epidemiologia, somente por sua observação sintomática, presente no final do ciclo da cultura da soja. Dentre os patógenos com estas características, encontram-se a mancha parda (Septoria glycines) e o crestamento por cercóspora (Cercospora kikuchii). Especialmente este último, possui características bem específicas de infecção e apresenta sintomas que podem ser confundidos com outras doenças foliares em soja. A evolução da doença ocorre através de uma fitotoxina produzida pela C. kikuchii, que auxilia diretamente na assertividade da diagnose do sintoma foliar.
A fitotoxina chamada Cercosporina teve o primeiro relato no Japão, por volta dos anos 70, onde os pesquisadores descreveram a rota de biossíntese desse composto (Okubo et al., 1975). Concluíram que a rota inicia-se com a condensação das moléculas de acetato e malato, estabelecendo a rota dos policetídios, uma grande classe de metabólitos secundários presentes em bactérias, fungos, plantas e alguns animais.
Um fator fundamental para sua produção e virulência, é a presença de luz (Ehrenshaft et al., 1991). A molécula de cercosporina absorve comprimentos de onda na faixa do visível, entre 400nm e 600nm, ou seja, do roxo ao amarelo. Com isso, o gatilho para produção desta fitotoxina é disparado imediatamente com a presença de luz, sendo suprimido com o escuro. Além disso, temperaturas acima de 30°C inibem a produção de cercosporina. Isso auxilia para o entendimento de que em regiões mais quentes, a presença dos sintomas de crestamento de cercóspora ficam visíveis em anos mais amenos ou muito no final do ciclo da cultura.
Com a absorção de luz, a cercosporina é produzida, se energiza rapidamente e é convertida em um estado tripleto Cerc* (espécies tripletas geradas enzimaticamente capazes de transferir energia a vários aceptores). Nesta forma, a Cerc* transfere energia para a clorofila, tornando-a tripleta (Chl*), que por sua vez irá transferir a energia para o aceptor mais ávido por elétrons, o oxigênio. Com elétrons despareados, inicia-se a produção em cascata de Espécies Reativas de Oxigênio (EROs) na célula vegetal, como oxigênio singleto (1O2), radical superóxido (-O2), radical peroxila (HO2), peróxido de hidrogênio (H2O2) e radical hidroxila (OH-). As EROs, provocam a peroxidação lipídica (Esquema 1), destruindo a integridade celular, induzindo o extravasamento do conteúdo citoplasmático (Esquema 2), causando a morte da célula (Daub & Ehrenshaft, 2000). Algumas hipóteses direcionam que o extravasamento de nutrientes do citoplasma para os espaços intercelulares facilita o crescimento e esporulação do fungo (Daub et al., 1983).
A produção de Cercosporina é realizada pela C. kikuchii para auxiliar no processo de infecção e virulência sobre o hospedeiro suscetível. O primeiro relato dessa associação foi feito por Upchurch et al. (1991), observando que mutantes do patógeno, que não produziam cercosporina, não eram capazes de causar infecção em folhas de soja. Em outros trabalhos, Almeida et al. (2005) encontraram uma relação de 83% entre os patógenos que produzem cercosporina e a severidade da doença na planta. Abordaram ainda que, isolados que apresentaram mais halos roxos a vermelhos em meio de cultura, também foram aqueles que produziram mais cercosporina e, portanto, foram os mais virulentos. Além disso, isolados que produziram baixos níveis da fitotoxina, causaram lesões muito pequenas e de baixa taxa de progresso.
Outro fator importante nesta relação e expressão dos sintomas é a presença de luz. Diversos estudos comprovaram que no escuro ou sombreado, a penetração e evolução dos sintomas foi menor, quando comparado com a condição sob luz direta. Essa característica elucida a diagnose, ora confusa, com a expressão sintomática da doença.
Os sintomas de crestamento de cercóspora são visualizados nas folhas de cima da cultura e dificilmente no terço inferior, onde a prevalência é da mancha parda.
A partir do estádio de formação do grão até o seu enchimento, ocorre o momento de maior expressão dos sintomas de crestamento. Nas folhas de cima, inicia-se o processo de expressão sintomática, através de um leve bronzeamento na região entre-nervuras do folíolo, facilmente confundido com fitotoxidade de adjuvante. Com o avanço do ciclo da cultura, provido de molhamento foliar para hidratação dos conídios e produção de cercosporina, os sintomas evoluem, passando rapidamente para clorose, seguida de necrose e torção da borda do folíolo. Em alguns casos, ainda é possível verificar um arroxeamento das nervuras, hastes e legumes, finalizando o ciclo do patógeno no hospedeiro, com o grão.
Artigo publicado na edição 215 da Cultivar Grandes Culturas, mês abril, ano 2017.
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