Como detectar o déficit hídrico na soja

A obtenção de alta produtividade na cultura da soja pode ser limitada por stresses bióticos e abióticos, sendo a deficiência hídrica um dos principais entraves, especialmente quando associada a altas temperaturas

04.10.2022 | 16:22 (UTC -3)

A obtenção de alta produtividade na cultura da soja pode ser limitada por stresses bióticos e abióticos, sendo a deficiência hídrica um dos principais entraves, especialmente quando associada a altas temperaturas. Os danos causados pelo estresse hídrico podem ser reversíveis quando ocorrem a curto prazo, reduzindo o potencial de produção, e até irreversíveis, a longo prazo, causando perda de produtividade de até 100%.

Aproximadamente 90% da planta de soja é constituída por água, sendo esta essencial nos processos fisiológicos e bioquímicos da planta. A redução na quantidade de água para a planta promove a indução do fechamento estomático para evitar a transpiração da planta, o que leva a uma redução na fotossíntese pela menor absorção de CO2 atmosférico, reduzindo a produção de fotoassimilados e afetando, consequentemente, a produtividade de grãos.

A água possui papel como solvente na planta através do transporte de minerais, gases e outros solutos, além de ser fundamental para a absorção radicular de nutrientes da solução do solo. Sendo assim, a disponibilidade hídrica é fundamental para não reduzir o potencial produtivo da soja, sobretudo nos períodos mais críticos, que são da semeadura até a emergência, no florescimento e durante o enchimento de grãos.

Atualmente, algumas plataformas de fenotipagem permitem, através de sensores micrometeorológicos associados a imagens multiespectrais (ex: Infravermelho térmico para verificar a temperatura da superfície da folha) detectar precocemente o início do estresse hídrico nas plantas, antes mesmo do aparecimento de sintomas visuais. Assim, essas ferramentas permitem avaliar de forma rápida e eficiente a interação entre o genótipo e o ambiente, permitindo maior celeridade na tomada de decisão.

Ferramentas tecnológicas para identificar o déficit hídrico

O uso de ferramentas para identificar e avaliar o estado hídrico das plantas de forma individual ou em lavouras vem se tornando cada vez mais necessário para auxiliar nas estratégias de manejo, uma vez que o déficit hídrico vem ocorrendo nos últimos anos com maior frequência em muitas regiões produtoras de soja no Brasil. Diante desse cenário, a pesquisa precisa buscar alternativas para sugerir estratégias de manejo do déficit hídrico em diferentes cultivares de soja e épocas de semeadura, através do uso de ferramentas eficientes.

As principais ferramentas de fenotipagem na atualidade são o NDVI (Índice de Vegetação por Diferença Normalizada), teor relativo de clorofila nas folhas, temperatura do dossel vegetativo e reflectância termal. Essas ferramentas possuem diferentes princípios de funcionamento, o que permite um melhor monitoramento do déficit hídrico ao longo do ciclo de desenvolvimento da cultura.

Índice de Vegetação por Diferença Normalizada - NDVI

A obtenção deste índice ocorre através do uso de sensoriamento remoto, por meio de sensores embarcados principalmente em satélites e/ou drones. Ainda, o uso de sensores ópticos portáteis (Figura 1) permite avaliar em tempo real, a campo, a condição da lavoura, possibilitando a realização do manejo in situ e in locu. De forma simplificada, o NDVI pode possibilitar a avaliação da condição hídrica de acordo com a área foliar, biomassa total e teores de clorofila do dossel vegetal, tendo como valores próximos a +1 a indicação do vigor vegetativo e valores próximos a -1 a presença de água ou ausência de vegetação.

Figura 1 - Sensor óptico de vegetação que realiza a medição do  Índice de Vegetação por Diferença Normalizada (NDVI) na cultura da soja. Fonte: Beneduzzi et al., 2017.
Figura 1 - Sensor óptico de vegetação que realiza a medição do Índice de Vegetação por Diferença Normalizada (NDVI) na cultura da soja. Fonte: Beneduzzi et al., 2017.

Teor relativo de clorofila nas folhas

Os pigmentos fotossintéticos possuem fundamental importância na captura e absorção de luz na faixa visível do espectro. O teor de clorofila nas folhas possibilita a avaliação do status nutricional do nitrogênio no dossel vegetal e, juntamente com os carotenóides, monitora o estádio fenológico por meio do número de folhas e avalia diferentes estresses aos quais as plantas podem ser submetidas. O teor relativo de clorofila nas folhas pode ser medido através de um equipamento portátil denominado Clorofilômetro (Figura 2). Apesar do mesmo necessitar de contato físico com a folha para a avaliação deste parâmetro, este é um método não destrutivo que fornece uma rápida avaliação do teor de clorofila.

Figura 2 - Sensor óptico de vegetação que estima o teor relativo de clorofila no tecido vegetal, medido com auxílio de Clorofilômetro SPAD-502. Fonte: Autores.
Figura 2 - Sensor óptico de vegetação que estima o teor relativo de clorofila no tecido vegetal, medido com auxílio de Clorofilômetro SPAD-502. Fonte: Autores.

Temperatura do dossel vegetal e Reflectância termal

A intensidade do estresse hídrico e a condutância estomática possuem relação direta com a taxa de transpiração das plantas, resultando na manutenção da temperatura ideal para as folhas. Uma alternativa para avaliar a temperatura do dossel vegetativo é a radiação infravermelha  emitida pelas plantas (Figura 3).

Figura 3 - Sensor infravermelho que mede a temperatura do dossel vegetal. Fonte: Autores.
Figura 3 - Sensor infravermelho que mede a temperatura do dossel vegetal. Fonte: Autores.

A reflectância termal é uma ferramenta para avaliar a temperatura das plantas e permite verificar o nível de estresse da planta de acordo com a intensidade de emissão na faixa espectral do infravermelho de onda longa. As imagens termais possuem relação com inúmeras atividades fisiológicas e bioquímicas das plantas, tendo relação com o conteúdo de água e evaporação da folha ou dossel, condutância estomática, temperatura e, por consequência, com o processo de fotossíntese. As imagens termais possuem uma escala desde preto até vermelho, indicando temperaturas mais amenas e mais elevadas, respectivamente (Figura 4).

Figura 4 - Imagens RGB e Infravermelho das plantas de soja em duas fases de desenvolvimento (vegetativo e reprodutivo) submetidas ao estresse hídrico. Câmera termal modelo Flir C2. Fonte: Autores.
Figura 4 - Imagens RGB e Infravermelho das plantas de soja em duas fases de desenvolvimento (vegetativo e reprodutivo) submetidas ao estresse hídrico. Câmera termal modelo Flir C2. Fonte: Autores.
Figura 4 - Imagens RGB e Infravermelho das plantas de soja em duas fases de desenvolvimento (vegetativo e reprodutivo) submetidas ao estresse hídrico. Câmera termal modelo Flir C2. Fonte: Autores.
Figura 4 - Imagens RGB e Infravermelho das plantas de soja em duas fases de desenvolvimento (vegetativo e reprodutivo) submetidas ao estresse hídrico. Câmera termal modelo Flir C2. Fonte: Autores.

Capacidade de campo - CC

A capacidade de campo consiste no limite máximo de água que um solo pode reter em seus poros, sem que haja perdas por percolação no perfil do solo ou por escorrimento superficial. A capacidade de campo diminui quando há o consumo gradativo de água no solo pelas plantas, sendo este consumo dependente, principalmente, das cultivares utilizadas e do estádio fenológico da cultura. Sendo assim, o acompanhamento da quantidade de água disponível no solo para a cultura é um importante parâmetro para o monitoramento da deficiência hídrica.

Estudos realizados para verificar a eficiência das ferramentas

Com o intuito de verificar a eficiência das ferramentas de fenotipagem, utilizou-se as cultivares de soja Vmax RR, TMG 7262 RR, TMG Transgênica (HaHB4) e TMG Convencional, sendo classificadas, em relação ao grau de maturação, como 5,9; 6,2; 3,9 e 3,9, respectivamente.

Testou-se em casa de vegetação a indução do estresse hídrico nas fases de desenvolvimento vegetativo, entre os estádios V4-V5, e reprodutivo, nos estádios R1-R2 (Início do florescimento até florescimento pleno). Após o período de sete dias de irrigação, avaliou-se todos os efeitos primários do estresse com as ferramentas já apresentadas e analisadas através da Correlação Linear de Pearson, com nível de significância a p=0,01.

Resultados

Os resultados encontrados com a análise de correlação para as ferramentas testadas foram muito promissores em identificar o estresse hídrico precoce, como apresentado na Figura 5. Resultados com correlação muito alta: NDVI x SPAD (r=0,93), NDVI x CC (r=0,97) e SPAD x CC (r=0,97). Resultados com correlação moderada: SPAD x Emissão termal (r=0,64), CC x Emissão termal (r=0,57). Resultados com correlação baixa: NDVI x Emissão termal (r=0,47).

Figura 5 - Análise de correlação entre os diferentes parâmetros para as fases de desenvolvimento do período vegetativo (V4-V5) e reprodutivo (R1-R2). Fonte: Autores.
Figura 5 - Análise de correlação entre os diferentes parâmetros para as fases de desenvolvimento do período vegetativo (V4-V5) e reprodutivo (R1-R2). Fonte: Autores.

Não identificou-se diferença significativa para as cultivares utilizadas, assim os resultados foram analisados usando a média de todas. As imagens termais apresentaram, a partir do terceiro dia com déficit hídrico, alteração na emissão termal em ambas as fases de desenvolvimento.

Na fase vegetativa (V4-V5), as alterações térmicas foram menores, com média de 1°C e não tiveram impactos significativos no dossel, pois nessa fase há poucas folhas e raízes, as quais são menos desenvolvidas e possuem menor exigência hídrica. Na fase reprodutiva (R1-R2), o déficit hídrico foi acentuado a partir do terceiro dia de supressão da irrigação, pois nessa fase de desenvolvimento a planta possui um alto índice de área foliar e, consequentemente, uma alta demanda hídrica diária, sendo mais suscetível ao estresse.

Conclusão

Com esses resultados podem ser indicados os parâmetros de Índice de Vegetação por Diferença Normalizada (NDVI) e teor relativo de clorofila nas folhas (SPAD) como ferramentas para identificar e avaliar o estresse hídrico na cultura da soja durante as fases vegetativo e reprodutivo.

Além do NDVI poder ser obtido através de imagens de satélites, drones e outros equipamentos, existem outros dispositivos portáteis que apresentam alta eficiência e rapidez para a mensuração destas duas variáveis.

A imagem termal se mostrou uma ferramenta potencialmente eficiente na detecção do estresse hídrico na cultura da soja.

Alexandre Alan Cassinelli, André Luis Vian, Christian Bredemeier, Departamento de Plantas de Lavouras da Faculdade de Agronomia, Programa de Pós-graduação em Fitotecnia - Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Elizandro Fochesatto, Faculdade de Agronomia da Universidade Alto Vale do Rio do Peixe; João Paulo Vanin, Engenheiro Agrônomo - Executivo da SLC Agrícola S.A

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