Contribuições da análise foliar para o uso sustentável e racional dos insumos agrícolas
Por Luiz Fernando Costa Ribeiro Silva e Letícia Almeida, da Universidade Federal de Viçosa
Amaranthus hybridus, planta daninha conhecida popularmente como caruru, tem sido uma das maiores preocupações para produtores de soja do Sul do Brasil. Desde 2018, quando se confirmou a resistência ao herbicida glifosato em lavouras no Rio Grande do Sul (RS), tem-se observado incremento gradual na infestação das áreas, safra após safra. A resistência também pode se estender aos herbicidas inibidores da ALS como chlorimuron, diclosulam, imazethapyr, dentre outros, reduzindo as opções de manejo.
Com uma fisiologia que garante rápido crescimento, associada a fluxos de emergência, plantas de caruru que escapem ao controle na dessecação ou venham a emergir antes da soja, irão ter grande vantagem. Nas condições da metade Sul do RS, tem-se observado maior emergência de plântulas a partir do mês de novembro, quando as temperaturas tendem a se elevar após o período de inverno. Estudo analisando o dano econômico desta planta daninha na soja no RS, indicou perdas de produtividade da ordem de 4 a 8% por hectare (Zandona et al., 2022).
O problema de caruru resistente ao glifosato (A. hybridus) ocorre desde 2013 na Argentina (Heap, 2023), com primeiro relato em 1996 para resistência aos herbicidas chlorimuron e imazethapyr. Mais recentemente, casos reportados em lavouras de milho e soja indicam resistência também para 2,4-D e dicamba e, ainda, fomesafem (inibidor da enzima Protox) em 2021, o que causa grande preocupação a técnicos e ao setor produtivo daquele país. Nos EUA, há registro de resistência a inibidores do FSII como atrazina, metribuzin e simazina (Heap, 2023), além do problema com o caruru gigante (A. palmeri), considerado como praga quarentenária no Brasil. Olhando o histórico destes países, perguntamos se é possível evitar que este cenário desastroso aconteça nas lavouras brasileiras? Sabemos da prática, que é possível apenas atrasar a evolução da resistência aos herbicidas. Todavia, é necessário adotar um programa de manejo integrado efetivo, ou seja, utilizar práticas associadas que envolvam ações além do controle químico.
Visando reduzir o avanço de casos de populações resistentes de caruru, a partir da produção de sementes o que aumenta o problema para a safra seguinte, alguns pontos devem ser destacados:
1 - Realizar uma boa dessecação da área onde a soja será semeada: a associação de moléculas alternativas ao glifosato torna-se importante e complementa o controle de plantas que possam já ter emergido: glifosato + saflufenacil + 2,4-D (3,0 L/ha + 50 g/ha + 1,5 L/ha) tem se mostrado uma boa alternativa, seguida de uma aplicação sequencial (10 dias após) de glufosinato de amônio (2,0 L/ha); opções que envolvam clethodim como a associação pré-formulada clethodim+fluroxypir (1,2L/ha) e glifosato (3,0L/ha) ou clethodim + glifosato + saflufenacil (0,5 L/ha + 3,0 L/ha + 70 g/ha), ambas seguidas de uma aplicação sequencial de glufosinato de amônio, mostram-se eficientes especialmente quando há relato de azevém resistente a glifosato na área, o que pode interferir no estabelecimento da soja.
2 - Utilizar herbicidas pré-emergentes: a adoção desta prática tem-se mostrado fundamental, uma vez que há limitação de opções para manejo em pós-emergência de caruru em soja (praticamente, apenas fomesafem). Bons resultados de aplicações em pré-emergência já foram observados com inibidores da Protox, Inibidores do crescimento da parte aérea, Inibidores do FS2, por exemplo e associações – flumioxazina, sulfentrazone + diuron, s-metolachlor, flumioxazina + imazethapyr, dentre outros. Todavia, a limitação que se observa no uso destes produtos está na necessidade de atingirem a região onde as sementes de caruru estejam no solo. Há necessidade de incorporação (mecânica ou irrigação/chuva) para que haja contato do produto com a camada de solo onde o banco de sementes do caruru se encontra. Especialmente na região da Campanha do RS, os meses de novembro, dezembro e janeiro tendem a ser bastante secos, com ausência de chuvas expressivas, podendo dificultar a eficiência destes produtos. Dispor de irrigação é a maior segurança de eficiência desta ferramenta.
3 - Manejo em Pós-emergência: esta ação complementa o uso de pré-emergentes. Como já comentado, há limitação em opções para caruru nesta modalidade de aplicação (praticamente fomesafem). A molécula inibidora da enzima Protox tem sido utilizada com sucesso, porém, para plantas de caruru até 10cm de altura na pós-emergência. O uso do pós-emergente controla novos fluxos emergentes de caruru. Novas tecnologias estão chegando no mercado envolvendo uso de dicamba e 2,4-D, permitindo mais opções de manejo para cultivares de soja detentoras das tecnologias em questão. No momento, apenas a tecnologia com 2,4-D permite uso em pós-emergência. Todavia, em áreas com altíssimas infestações, o uso do pré-emergente pode ainda não ser descartado, dando maior segurança e reduzindo a pressão e/ou responsabilidade sobre o pós-emergente. Cabe lembrar, que já existem relatos de resistência a 2,4-D e dicamba na Argentina.
4 - Rotação de culturas: a rotação de culturas com milho assim como com pastagens de verão (sorgo forrageiro, milheto, capim-sudão, dentre outras), permite rotacionar moléculas herbicidas,. Mecanismos de ação que envolvem a inibição do FS II (atrazina, simazina) ou da enzima HPPD (mesotrione), podem auxiliar o controle e evitar novas entradas no banco de sementes do solo.
5 - Evitar a disseminação de sementes: a limpeza de maquinário utilizado na colheita é essencial, uma vez que a disseminação de caruru é amplamente favorecida. Estudos já avaliaram e indicam que bovinos, ovinos e pássaros podem ser dispersores de sementes de caruru viáveis, mesmo após passagem destas pelo trato digestivo destes animais. Portanto, deve-se evitar que animais em pastejo tenham contato com plantas de caruru com semente ou mesmo recebam feno contaminado com sementes.
Além das estratégias citadas, como parte do manejo integrado, é possível praticar ações complementares, começando pelo o que vem antes da lavoura, numa visão de sistema de produção. A pecuária é uma atividade inerente à cultura gaúcha, especialmente na metade Sul do estado do RS. As áreas utilizadas para cultivo de lavouras de grãos no verão, especialmente a soja, costumam ter pastagens de azevém e/ou aveia no inverno, para engorda de bovinos de corte principalmente. Um estudo prévio realizado na Embrapa Pecuária Sul indicou que o resíduo de azevém (4,4 t/ha) pastejado de forma moderada serviu como uma importante barreira física ao caruru emergente na soja em sucessão; esta comparação foi feita ao resíduo pastejado em maior intensidade (2,5 t/ha) e também a uma área preparada para cultivo convencional da soja (Lamego et al., 2022).
Em sistemas integrados com lavoura e pecuária, para que a lavoura em sucessão aproveite as vantagens da pecuária praticada no inverno, é fundamental adequar a taxa de lotação de animais à disponibilidade de forragem; o excesso de pastejo prejudica o crescimento do pasto além de favorecer a compactação do solo, o que prejudica a lavoura. Portanto, observar as recomendações técnicas para cada forrageira e ajustar a carga animal é essencial. Sabemos que a “palha” procedente de plantas de cobertura antecessoras à lavoura, é fundamental num sistema conservacionista como o plantio direto, de forma a preservar o solo, reter umidade, sendo inclusive barreira para a emergência de plantas daninhas. O resíduo do pastejo também pode vir a contribuir para o controle de plantas daninhas na lavoura em sucessão, em regiões onde a pecuária é praticada.
Caruru resistente a herbicidas é um sério problema e a evolução de novos casos deve continuar a acontecer, se apenas a troca de moléculas químicas for observada. Cuidados devem ser adotados na forma de programas de manejo, visando evitar novos casos de resistência. O uso de herbicida pré-emergente para manejo de caruru resistente tem sido eficiente e importante.
Contudo, a visão do sistema de produção, envolvendo a fase anterior à lavoura, como no caso da pecuária em regiões do RS, pode favorecer o manejo integrado de caruru. Para isso, é preciso observar lotações animais que otimizem o uso do pasto e, ainda, permitam resíduo que possa fazer parte do manejo da planta daninha resistente, a ser complementado pelas demais estratégias destacadas.
*Por Fabiane Pinto Lamego (na foto), da Embrapa Pecuária Sul, e Marlon Ouriques Bastiani, da Três Tentos Agroindustrial
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