Bioinseticidas no manejo de lagartas

Adoção de táticas de controle biológico e, em particular, o uso de bioinseticidas à base de Baculovírus para manejo de lagartas é uma importante ferramenta complementar e em alguns casos até mesmo alternativa a outras formas de combate a pragas

13.09.2022 | 14:46 (UTC -3)

A adoção de táticas de controle biológico e, em particular, o uso de bioinseticidas à base de Baculovírus para manejo de lagartas de grande importância econômica tem se mostrado importante ferramenta complementar e em alguns casos até mesmo alternativa a outras formas de combate a pragas.

Sabe-se que a abundância e a distribuição dos artrópodes é influenciada pela atividade dos inimigos naturais que ocorrem de forma voluntária em ecossistemas não modificados. Porém, em ecossistemas antropizados, ou os chamados agro-ecosistemas, essas interações biológicas tornam-se fortemente limitadas ou obstruídas e certas espécies perdem sua regulação natural e tornam-se pragas.

Deste modo, torna-se necessário a intervenção humana para tentar restaurar o equilíbrio entre as espécies existentes. É neste contexto que entra o Manejo Integrado de Pragas (MIP), com suas diferentes táticas de controle. Dentre estas táticas, o controle biológico tem papel decisivo, por ser uma ferramenta com inúmeras vantagens agro-ecológicas que dão sustentabilidade ao sistema, desde que seja respeitada toda a sua prerrogativa de utilização.

Falando-se especificamente de Baculovírus, uma importante categoria do controle biológico, é possível afirmar que sua utilização no controle de pragas-chaves tem grande potencial de emprego na agricultura brasileira, pois além de serem eficientes, são específicos e não agridem o ambiente, os animais e o homem. Os Baculovírus preenchem os requisitos básicos como alternativa e/ou complemento a outras táticas de controle.

A utilização de Baculovírus como inseticidas biológicos para controle de lepidópteros em programas de manejo integrado de pragas data da década de 1970. No Brasil, o programa de manejo da lagarta-da-soja, Anticarsia gemmatalis, por meio de Baculovírus (AgMNPV) se tornou um programa reconhecido mundialmente por sua eficácia e alcance em diferentes países da América Latina

As espécies de Baculovírus são altamente específicas para invertebrados-alvo. Sob o ponto de vista de segurança são incapazes de se multiplicar em microrganismos, células de plantas, cultura de células de vertebrados e em vertebrados. Além disso, a família Baculoviridae, a mais pesquisada e utilizada mundialmente como bioinseticida, não afeta os outros insetos e invertebrados inespecíficos. Assim, são agentes ideais em programas de MIP em culturas anuais, perenes e florestais.

Presença da lagarta falsa-medideira morta por vírus em folha de soja
Presença da lagarta falsa-medideira morta por vírus em folha de soja

O primeiro bioinseticida à base de Baculovírus (HzSNPV) foi registrado comercialmente em 1975 (Virion-H, Biocontrol-VHZ, Elcar) e empregado em larga escala para controle do complexo de espécies da família Heliothinae, por exemplo a Helicoverpa zea e a Chloridea virescens, importantes pragas-chaves da cultura do algodão nos Estados Unidos. Atualmente, aproximadamente 50 bioinseticidas à base de Baculovírus são utilizados em diferentes partes do mundo.

Os nucleopoliedrovírus (NPV) de Lepidoptera, como também são conhecidos os baculovírus do gênero Alphabaculovirus, são formados por DNA circular dupla fita associados a proteínas capsidiais (nucleocapsídeo). Envoltos por uma membrana protetora, os nucleocapsídeos formam os vírions. Por sua vez, os vírions são protegidos em uma matriz proteíca dando origem aos corpos de oclusão. A formação dos corpos de oclusão (OB – Occlusion Body) confere proteção física e biológica às partículas virais contra, por exemplo, a desativação por meio de fatores climáticos como temperatura e radiação solar. Compondo o corpo de oclusão podem ser observados vários vírions (nucleopoliedrovírus múltiplos-MNPV) ou apenas um vírion (nucleopoliedrovírus simples SNPV).

Após a aplicação foliar dos bioinseticidas, as lagartas ingerem os corpos de oclusão depositados sobre as plantas, o que dá início à primeira fase da infecção. Os corpos de oclusão dissolvem-se com o pH alcalino no intestino médio das lagartas, liberando as partículas virais. As partículas virais penetram no núcleo das células epiteliais do intestino, onde se replicam. Com a replicação são geradas novas partículas virais, porém são “nuas” e não estão inseridas em membrana protetora. Sem a armadura protetora, os vírus extracelulares (BV- Budded vírus) dispersam-se com facilidade pela hemolinfa e traqueias, invadindo outros tecidos da lagarta infectada. Novos corpos de oclusão se formam no núcleo das demais células, caracterizando a segunda fase de infecção. Grandes quantidades de nucleocapsídeos protegidos em corpos de oclusão são gerados, resultando na ruptura das células e dos tecidos, liberando vírus no ambiente e começando a EPIZOOTIA (transmissão horizontal) (Figura 1).

As partículas dos Baculovírus se apresentam em forma de bastonetes, chamados de vírions, que são revestidos por uma matriz proteíca. Esse vírus passa a atuar somente após a ingestão da praga alvo. Em outras palavras, a lagarta precisa ingerir as partículas virais depositadas sobre as folhas. As partículas virais são dissolvidas dentro do trato gastrointestinal das lagartas, propiciando a liberação dos vírions. Por sua vez, estes vírions penetram na membrana da parede intestinal e atingem a hemolinfa, espalhando-se e multiplicando-se no núcleo celular de diferentes tecidos. O processo, desde o início da infecção até à morte da praga alvo, pode durar em torno de 3 dias a 7 dias, dependendo do tamanho das lagartas e das condições ambientais (Figura 1).

Figura 1 - Ciclo biológico dos Baculovírus
Figura 1 - Ciclo biológico dos Baculovírus

Lagartas infectadas por Baculovírus perdem a capacidade motora e de alimentação entre dois e quatro dias (dependendo da idade da lagarta) após a ingestão de substratos contaminados, como folhas, ramos ou frutos, e morrerão dentro de 6 dias a 7 dias após a infecção. A descoloração da parte ventral (esbranquiçada a amarelada) é um sintoma típico, que se propaga progressivamente por todo o corpo. Apesar de diminuírem sua mobilidade, as lagartas infectadas comumente se deslocam para a parte superior das plantas e morrem penduradas pelas pernas abdominais. Nesta fase, a lagarta apresenta o corpo flácido que posteriormente escurece e se rompe com facilidade, liberando uma grande quantidade de poliedros que servirão de inóculo para contaminação de outras lagartas da mesma espécie (Figura 2). O vírus tem capacidade de dispersão a longas distâncias, seja pelo vento, poeira, chuva, e/ou contato com outros insetos (por exemplo, moscas). Com as chuvas, grande quantidade de poliedros se acumulam na camada superior do solo, onde o vírus pode permanecer de um ano para outro, promovendo futuras epizootias naturais nas áreas tratadas.

Figura 2 - Sucessão de sintomas e comportamento de uma lagarta provocados pela infecção viral após a ingestão de folhas contaminadas com Baculovírus
Figura 2 - Sucessão de sintomas e comportamento de uma lagarta provocados pela infecção viral após a ingestão de folhas contaminadas com Baculovírus

O sucesso de programas de uso de Baculovírus depende de uma série de fatores, incluindo a seleção de isolados mais virulentos, o momento adequado da aplicação (tanto em relação ao horário de aplicação como ao tamanho das lagartas e à densidade populacional que deve ser estimada por meio de avaliação frequente da população, tecnologia de aplicação apropriada, clima favorável, dentre outros). O momento de aplicação é extremamente importante, tanto em relação ao horário de aplicação como ao tamanho das lagartas e à densidade populacional que deve ser estimada por meio de monitoramento frequente da população. A aplicação deve ser realizada no final do dia, para dar aos vírus tempo de agirem durante a noite, quando as lagartas são mais ativas na sua alimentação. A aplicação deve ser ‘preventiva e inoculativa’, ou seja, ser feita tão logo se observarem as primeiras lagartas pequenas na lavoura.

Um dos entraves à utilização mais ampla desta categoria de produtos reside no fato de serem altamente específicos, o que pode levar o produtor a ter uma certa dificuldade de empregar estas ferramentas em seus programas de manejo de pragas, visto que muitas vezes duas ou mais espécies podem apresentar-se na mesma lavoura e ao mesmo tempo. Outro entrave tem sido o imediatismo na expectativa de obtenção de resultados, visto que os vírus tem ação mais lenta que os inseticidas químicos e devem ser utilizados de forma inoculativa, como ferramentas de base e como reguladores das populações de pragas. O uso do vírus é uma ferramenta valiosa dentro de um programa de Manejo Integrado de Pragas. Assim, quando um produtor decide por mudanças tecnológicas, estas mudanças devem seguir o posicionamento técnico correto, de forma a maximizar os benefícios que esta ferramenta pode trazer a curto e a longo prazo.

O programa brasileiro de utilização do Baculovírus na cultura da soja preconizado pela Embrapa foi adotado em aproximadamente dois milhões de hectares nos ano de 2003/04. Este exemplo é frequentemente citado em âmbito internacional como um real sucesso do controle biológico à base de Baculovírus. Porém, devido a inúmeros fatores, o MIP Soja caiu no esquecimento nos últimos anos e o uso de Baculovírus decresceu de forma lastimável, atualmente restringindo-se a algumas áreas isoladas no Sul do país. Produtores passaram a adotar práticas equivocadas e consequentemente, houve o retorno das aplicações químicas indiscriminadas e/ou calendarizadas na cultura com prejuízos socio-ambientais inestimáveis. Apesar das crescentes populações de A. gemmatalis em cultivos de soja, principalmente nos Cerrados, a adoção do Baculovírus continua insignificante, infelizmente, como qualquer outra tática que não seja a química.

Um caso pertinente e mais recente foi o que ocorreu com a identificação da Helicoverpa armigera no Brasil em 2013. Todos apostaram que as alternativas biológicas iriam decolar novamente, principalmente em cultivos como a soja, algodão e tomate. Sendo assim, empresas brasileiras e estrangeiras investiram principalmente no uso de bioinseticidas para controle de lagartas, pois são muitos os relatos de sucesso com a adoção de táticas biológicas, como os Baculovírus nos países de origem da H. armigera. Entretanto, o que se viu, apesar de todos os esforços de divulgação sobre as melhores táticas de manejo desta praga, foi um retrocesso ainda maior, pois passaram a utilizar inseticidas químicos de forma indiscriminada, sempre com o pensamento de que seriam as ferramentas mais viáveis para uma lagarta como a H. armigera.

O sobressalto provocado em 2013 pelas altas infestações com prejuízos inestimáveis e até hoje mal contabilizados fez muitos pensarem que a adoção do MIP propriamente dito seria impulsionada de forma generalizada nos cultivos brasileiros, mas não foi bem assim. As alternativas biológicas, comportamentais, legislativas, entre outras, ficaram novamente esquecidas. Afinal, para muitos os inseticidas químicos, seja de origem lícita ou ilícita, bastavam e o que é pior alguns ainda se arriscaram a dizer que a H. armigera não seria mais problema para o Brasil.

Outra praga que precisa de forma urgente ser abordada em um contexto amplo em relação ao MIP é a Spodoptera frugiperda. Além de ser um problema sério em gramíneas em geral e mais especificamente em milho, essa praga tem se tornado frequente em outras culturas como algodão, soja, tomate, feijão, dentre outras.  As perspectivas futuras em relação à seriedade desta praga são assustadoras devido à sua alta capacidade de adaptação e à rápida evolução de populações cada vez mais resistentes, até mesmo a tecnologias de última geração como as cultivares que expressam proteínas Bt. Neste alarmante contexto, a única alternativa viável e sustentável será, sem sombra de dúvida, a adoção de programas de Manejo Integrado de Pragas, tendo o controle biológico como uma ferramenta alicerce e indispensável.

Com certeza os inseticidas químicos não são e nunca serão a solução definitiva para o controle de pragas. As ferramentas químicas precisam ser vistas apenas como uma das várias ferramentas do Manejo Integrado de Pragas, pois para a boa convivência com estas "super lagartas" é essencial a integração de várias táticas de controle. Da mesma forma, o controle biológico não deve ser usado como uma prática isolada, sendo imprescindível que seja inserido dentro de um programa de Manejo de pragas. Neste sentido, o controle biológico deve ser utilizado de forma “contínua e integrada” a outras táticas de controle usualmente adotadas pelos produtores. Para tal, deve ser de fácil acesso, principalmente em relação à oferta e ao custo, duas questões historicamente limitantes que estão aos poucos sendo superadas por empresas comprometidas com o desenvolvimento e manufatura destes produtos.

Em suma, a adoção de táticas de controle biológico e, em particular, o uso de bioinseticidas à base de Baculovírus para manejo de lagartas de grande importância econômica - que crescem em seriedade e disponibilidade de uso a cada ano no Brasil - representam uma possibilidade real de redução de custos de produção, pois além de eficientes, são altamente complementares a outras formas de controle e reduzem significativamente os riscos ambientais, podendo trazer grandes benefícios à agricultura brasileira.

Cecilia Czepak, Escola de Agronomia/UFGl; Paula G. Marçon, Marcelo Lima, Rafael Ferreira Silvério e Janayne Rezende, Agbitech; Matheus Le Senechal Nunes, Escola de Agronomia/UFGl

Artigo publicado na edição 229 da Cultivar Grandes Culturas, mês junho, ano 2018.

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