A agricultura brasileira está conectada?
Por Pedro Abel Vieira, Elisio Contini e Roberta Grundling, pesquisadores da Embrapa; e Antônio Marcio Buainain, professor do Instituto de Economia da Unicamp
Avaliação em campo estuda o efeito da seleção da marcha no desempenho operacional de tratores agrícolas.
Tratores são máquinas dotadas de elementos, mecanismos e sistemas que, atuando de forma conjunta, são responsáveis por fornecer potência para o desenvolvimento das mais variadas tarefas no campo. A utilização de tratores na execução de tarefas agrícolas proporcionou uma série de vantagens para a atividade, entretanto alguns aspectos apresentam-se desfavoráveis, como o elevado custo com combustíveis, o aumento da poluição ambiental e a dependência de fontes não renováveis de combustíveis.
O gasto com combustíveis pode em alguns casos ultrapassar 50% do custo operacional total da máquina, sendo dessa forma uma despesa relevante na exploração agrícola moderna. O consumo de combustível de máquinas agrícolas é geralmente apresentado em função da hora ou da área trabalhada, sendo que a primeira maneira prevalece em publicações técnicas de fabricantes e órgãos especializados. A demanda de potência e torque do motor é função da característica da operação desenvolvida e exerce influência direta no consumo horário de combustível.
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A transmissão é um sistema essencial nos tratores agrícolas, pois esse mecanismo possibilita ajustar a velocidade e o torque para condições específicas de operação. A correta seleção da marcha e da rotação de trabalho pode constituir-se de um meio simples e eficaz para reduzir o consumo de combustível de tratores agrícolas, uma vez que essa ação pode aproveitar de modo mais eficiente a potência e o torque disponível no motor. A utilização de marchas adequadas à operação pode também proporcionar a manutenção da patinagem dos rodados do trator em patamares apropriados, garantindo uma operação mais eficiente e econômica.
Um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa realizou uma série de estudos para avaliar o efeito da seleção da marcha e da rotação do motor nos parâmetros de desempenho de um trator agrícola. Nos estudos foi utilizado um trator da marca John Deere, modelo 5705, 4x2 com tração dianteira auxiliar (TDA) e potência de 62,56kW (85cv) no motor a 2.250rpm. O trator estava equipado com pneus radiais 12.4 – 24 no eixo dianteiro e 18.4 – 30 no eixo traseiro, ambos da linha Optitrac da Goodyear.
O primeiro teste avaliou o efeito da marcha selecionada e da força de tração realizada no consumo de combustível, na potência na barra de tração e na patinagem dos pneus do trator. Foram testadas as combinações entre três marchas (3ª A, 1ª B e 2ª B) e três forças de tração (8,83kN; 11,36kN e 15,50kN). As velocidades teóricas obtidas com cada uma das marchas, no regime de rotação de 2.250rpm no motor, foram: 3ª A – 1,07m/s, 1ª B – 1,27m/s e 2ª B – 1,77m/s. O trabalho foi executado em pista de concreto, com 40m de comprimento. A força de tração foi variada através da alteração das marchas de um trator lastro (marca Valtra Valmet, modelo 800), atrelada ao trator testado por meio de um cabo de aço.
Os fatores força de tração e marcha selecionada (velocidade) apresentaram efeito linear e positivo no consumo horário de combustível do motor do trator agrícola ensaiado, de acordo com a superfície de resposta e a equação ajustada, apresentadas na Figura 1A. A Figura 1B apresenta a superfície de resposta e o modelo ajustado para descrever a demanda de potência na barra de tração em função da força e da velocidade de operação do trator. A demanda de potência do trator é o produto entre a força de tração e a velocidade de trabalho, o que explica o aumento do consumo horário de combustível quando se aumentam a força e a velocidade de operação.
A patinagem apresentada pelos rodados motrizes do trator sofreu influência linear e positiva da força de tração (Figura 2). O aumento da velocidade proporcionou acréscimo no percentual de patinagem, porém de forma menos pronunciada que a força de tração. O percentual de patinagem é um parâmetro fortemente influenciado pela força de tração realizada pela máquina. A redução de 1m/s na velocidade (marcha com mais torque) proporciona uma diminuição de 0,4053% no percentual de patinagem das rodas motrizes, aumentando a eficiência de tração e otimizando o consumo de combustível.
Já no segundo teste foi avaliado o efeito da marcha selecionada e da rotação do motor no consumo horário de combustível. Foram testadas as combinações entre três marchas (3ª A, 1ª B e 2ª B) e quatro regimes de rotação do motor (1.000rpm, 1.500rpm, 2.000rpm e 2.500rpm), com o trator exercendo uma força de tração constante de 5kN.
Em todas as marchas avaliadas o consumo horário de combustível aumentou com a aceleração do motor (Figura 3), o que é basicamente explicado pelo maior fluxo de óleo diesel para o interior dos cilindros para assegurar o funcionamento do motor em determinada rotação.
Em uma operação agrícola é possível combinar marchas e rotações que forneçam a mesma velocidade operacional para o trator, o que pode garantir a mesma capacidade operacional para o conjunto mecanizado e potencialmente reduzir o gasto com combustíveis. Tal recurso já é conhecido pelos agricultores, principalmente em operações agrícolas mais leves, onde é possível combinar marchas mais elevadas (mais rápidas) com baixa rotação no motor e produzir a velocidade adequada para a operação com menor consumo de combustível. A utilização dessas combinações econômicas pode proporcionar reduções que variam de 10% a 40% do consumo horário de combustível, mas ressalta-se que apenas operações agrícolas leves e moderadas admitem a adoção desse procedimento.
Um inconveniente da utilização da “marcha para cima e rotação para baixo” é o decréscimo da faixa utilizável da reserva de torque do motor, sendo, por isso, o procedimento mais aplicado em operações leves e moderadas. Utilizando menos da reserva de torque total, o operador pode ter que realizar muitas mudanças de marchas para passar por terrenos mais duros e resistentes, perdendo dessa forma eficiência operacional.
Os resultados dos testes apresentados ressaltam que é de suma importância a utilização de marchas adequadas para cada operação realizada e que a utilização de rotações mais reduzidas no motor pode reduzir os custos com combustível em operações leves/moderadas.
No experimento, a força de tração foi monitorada por meio de uma célula de carga da marca Alfa Instrumentos, com capacidade para 50kN. A velocidade real de deslocamento foi monitorada por um radar de efeito Doppler da marca Dickey John, modelo Radar II, fixado ao chassi do trator. O consumo de combustível foi mensurado com um fluxômetro da marca oval, modelo LSF II. A rotação dos eixos motrizes do trator foi monitorada por meio de transdutores indutivos associados a um sistema referencial. A patinagem das rodas motrizes do trator foi obtida através do cálculo da diferença percentual entre a velocidade teórica e a efetiva. A instrumentação utilizada no experimento foi conectada a um sistema de aquisição de dados da marca Hottinger Baldwin Messtechnik(R) (HBM), modelo Spider8, sendo utilizada uma taxa de aquisição de 50 dados por segundo (50Hz).
Marconi Ribeiro Furtado Júnior, Instituto Federal Goiano; Haroldo Carlos Fernandes, Anderson Candido da Silva, Universidade Federal de Viçosa; Daniel Mariano Leite, Universidade Federal do Vale do São Francisco
Artigo publicado na edição 172 da Cultivar Máquina
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