Safra 2020/21 se aproxima do plantio com expectativa de novo recorde para o Brasil
Coluna Mercado Agrícola, com Vlamir Brandalizze
Pulverizar fungicidas à noite, quando o clima se mostra mais ameno, pode ser uma boa alternativa no combate a doenças como a ferrugem asiática, em soja. A partir do final do dia, os extremos climáticos se atenuam, o que proporciona condições muito interessantes para a produção de gotas e posicionamento nos tecidos foliares. Contudo, a operação deve ser evitada em finais de madruga e quando há previsão de chuva no dia seguinte.
O Brasil possui uma larga faixa territorial, posicionada nas regiões tropicais e subtropicais do globo terrestre. Do ponto de vista biológico, não existe outro local no planeta que contemple melhores condições para um ser vivo se abrigar, se alimentar e se reproduzir. Desta forma, os cultivos agrícolas são alvos constantes dos mais intensos ataques bióticos já registrados. Especialmente a cultura da soja, pela sua representatividade espacial e econômica, sofre o impacto negativo da ferrugem asiática que acelera a queda da folha, prejudicando a formação e enchimento dos grãos. Frente a isso, a alternativa é lançar mão das aplicações com fungicidas para evitar o avanço descontrolado dessa enfermidade.
A aplicação por pulverização é um processo complexo e pode ser drasticamente influenciado pelos elementos do clima como temperatura, umidade relativa do ar, velocidade do vento e luminosidade. É notório que essas condições influenciam na qualidade da tecnologia de aplicação, ainda mais com intenso desenvolvimento foliar e fechamento de entrelinha, que consequentemente afetam a eficácia dos fungicidas utilizados pelos produtores.
Sabe-se que durante boa parte do dia, as condições de clima são adversas para a aplicação. Vale ressaltar que, no momento da aplicação a temperatura deve estar abaixo de 30°C, velocidade do vento entre 3km/h a 10km/h e umidade relativa do ar acima de 55% (ANDEF, 2004). Desta forma, é necessário buscar momentos que apresentem estas condições e que favorecerão o aumento da vida da gota na superfície foliar. Assim, a aplicação em períodos noturnos surge como uma estratégia para aplicações em condições de clima mais amenas. Na grande maioria das vezes, a partir do final do dia, os extremos climáticos se atenuam, apresentando condições muito interessantes para que o produtor produza gotas e posicione-as nos tecidos foliares.
Em relação às aplicações noturnas, existe um fenômeno climático que precisa ser levado em consideração. Este fenômeno é a inversão térmica que poderá prejudicar a aplicação. O mesmo ocorre especialmente no final da tarde e início da noite em regiões mais baixas e próximas a matas. (FIGURA 1). A inversão térmica ocorre pela ausência de vento e convecção do calor que é armazenado e refletido para a superfície, formando uma camada de calor que evita a penetração de gotas no dossel inferior da cultura. Por isso, é fundamental a presença de vento leve para remover esta camada de calor e evitar a perda das gotas para o ambiente (FIGURA 2).
Ao se analisar a planta, nota-se que existem particularidades muito importantes para serem observadas na qualidade da aplicação noturna, em especial na cultura da soja, a nictinastia. Este é o nome dado ao movimento foliar que as folhas exercem durante o período da noite e que podem prejudicar a aplicação, se não levados em consideração. Este termo deriva do grego “nyctos” = noite e nastos = fechar, e produz respostas não direcionais a estímulos exógenos provocados pela presença ou não de luz. O movimento foliar é responsabilidade do pulvino, conjunto de células localizadas na base do pecíolo de cada folíolo responsivo a turgescência (FIGURA 3). Desta forma, conseguem perder água rapidamente, devido ao movimento dos íons cloro e potássio através das membranas, causando movimento da água para dentro ou para fora da célula, que proporciona mudança de turgor na célula (Taiz e Zeiger, 2014). Durante o dia, as plantas de soja posicionam as suas folhas abertas para captação de radiação solar e, à medida que a noite avança até o final da madrugada, este movimento vai lentamente fechando e apontando as folhas para o solo (FIGURAS 4a1 – 16hs, 4a2 – 23hs e 4a3 – 4hs; 4b1 – 16hs, 4b2 – 23hs e 4b3 – 4hs).
Analisando esse contexto, é possível observar a dicotomia dos dois momentos, em relação ao dia, condição climática em determinados horários quase sempre adversa, mas estatura de plantas com folhas eretas e à noite, condição climática adequada e movimento foliar sendo direcionadas para baixo. A grande vantagem deste último é que o movimento do pulvino é lento, e isso permite que as aplicações de fungicidas possam ser realizadas até um momento da madrugada.
Diversos trabalhos de pesquisa e acompanhamentos de campo tem direcionado para isso. Nas situações em que a logística da aplicação não pode ser atingida nas melhores condições do dia, ou especialmente em condições de estresse hídrico por falta de água, as aplicações noturnas com fungicidas são uma estratégia fundamental para a proteção da planta. No entanto, em aplicações noturnas, é preciso considerar e evitar algumas situações como o final da madrugada, chuva no dia seguinte e adjuvantes tensoativos (organosiliconados). Estes últimos podem ser evitados, nestas condições, pois irão quebrar a tensão superficial dos líquidos e, aí sim, pode haver alguma movimentação adversa, seja por escorrimento ou em direção ao pecíolo ou haste da planta.
Em todos os ensaios conduzidos, no final da madrugada (entre 3h e 6h) as eficiências das aplicações para o controle de doenças não ficaram satisfatórias, permanecendo abaixo dos melhores momentos, 9h, 18hs e 23hs (FIGURA 5 e 6). Este baixo desempenho não está diretamente ligado com o orvalho, como é atribuído, mas sim pela nictinastia das folhas de soja que, se posicionando para baixo, evitam captar as gotas da aplicação (FIGURA 7).
Outro aspecto que demanda atenção é a precipitação após a aplicação. Por exemplo, aplicações noturnas que não sofrem o impacto da chuva no dia seguinte, atingem eficácias muito próximas às realizadas durante o dia (FIGURA 8). No entanto, se ocorrer chuva após a aplicação noturna, haverá remoção de boa parte do fungicida e a eficácia será baixa. Isso ocorre porque a penetração do fungicida no interior dos tecidos foliares é lenta à noite, e precisa de mais tempo que as condições de luz.
Portanto, a decisão do momento adequado da aplicação precisa ser tecnicamente acompanhada, para evitar possíveis perdas de eficácia. A tomada de decisão para a aplicação noturna é extremamente positiva e de alto nível técnico, devido às observações necessárias, podendo otimizar o operacional e em situações de estresse hídrico.
Marcelo Gripa Madalosso, Instituto Phytus e URI/Santiago; Marlon Tagliapietra Stefanello, Leandro Nascimento Marques, Pedro Cadore, Ricardo Silveiro Balardin, Universidade Federal de Santa Maria
Artigo publicado na edição 214 da Cultivar Grandes Culturas.
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