Agentes biológicos e os seus benefícios no manejo integrado de fungos e nematoides

Por Caroline Gulart, Coordenadora de Microbiologia e Tratamento de Sementes – Staphyt-RS, Paulo Sergio dos Santos, Coordenador de Nematologia – Staphyt-GO, Cristiano Bellé, Pesquisador ad hoc de Nematologia – Staphyt-GO

25.01.2024 | 15:28 (UTC -3)

Agentes biológicos no controle de fungos 

Os problemas de estabelecimento de plantas em lavouras de soja tem sido algo recorrente safra após safra, em várias regiões do Brasil. Muitos desses problemas são devido a ocorrência de podridão de sementes, morte de plântulas e podridões radiculares, causados por fungos de solo ou veiculados pelas sementes de baixa qualidade. O impacto disso é a redução de estande e de vigor de plantas, que afetam negativamente a produtividade das lavouras. Em vários dos casos, foi necessário o replantio das lavouras, o que não é conveniente ao produtor e impacta no aumento de custos de produção. Além disso, muitos produtores, por não conseguirem entrar nas áreas, tiveram atraso da época ideal para semeadura, com penalizações no potencial produtivo das lavouras. 

Diversas espécies de fungos podem estar relacionadas aos problemas de emergência, tais como: Phytophthora sojae; Pythium spp.; Fusarium spp., Rhizoctonia solani, Phomopsis sojae e Colletotrichum truncatum. Muitos desses patógenos, além de causarem problemas de estabelecimento, se não forem controlados eficientemente podem causar doenças em parte aérea em plantas adultas. É o caso, por exemplo da Phytophthora sojae, que pode atacar a cultura em qualquer estágio, desde que ocorram condições favoráveis.

Os principais fatores ambientais ocorridos na safra 2018/19 que favoreceram o ataque de fungos foram o excesso de umidade e as baixas temperaturas do solo. Áreas que apresentavam baixa capacidade de infiltração (solos compactados) tiveram problemas mais recorrentes, especialmente com os oomicetos de solo, Phytophthora sojae e Pythium spp., que são muito favorecidos pelo excesso de água. A baixa temperatura da solo causa atraso na emergência das plântulas, o que torna as mesmas mais vulneráveis à infecção por fungos. 

Figuras 1: sintomas do ataque de fungos em plantas de soja na fase inicial de estabelecimento
Figuras 1: sintomas do ataque de fungos em plantas de soja na fase inicial de estabelecimento

Dentre os fatores que afetam a qualidade da emergência e crescimento inicial de plantas, muitos estão na mão do produtor, como por exemplo o uso de sementes de qualidade, a operacionalização de uma boa prática de semeadura e o investimento em maior qualidade física, química e biológica do solo. Otimizando e ajustando esses fatores de manejo, o produtor poderá minimizar os problemas com as adversidades climáticas, as quais ele não tem o controle.  

A proteção inicial da emergência com o uso de fungicidas em tratamento de sementes é uma prática fundamental. Existem diversas opções de fungicidas específicos e formulados adequadamente para tratamento de sementes. O uso de produtos não recomendados para essa modalidade pode comprometer a eficácia de controle e causar fitotoxidade nas plantas. Para escolha assertiva de qual fungicida utilizar, é importante conhecer quais fungos se quer controlar, pois a efetividade varia conforme o alvo. A proteção proporcionada pelo tratamento de semente é relativamente curta (em torno de 12 a 14 dias). Nesse sentido, não podemos depositar toda a responsabilidade de proteção sobre os fungicidas, e sim pensar em estratégias que possam contribuir para uma proteção mais consistente e duradoura.

Nesse cenário, o controle biológico passa a ter papel fundamental no manejo integrado de doenças, visto que, hoje temos diversas opções de produtos com ação biofungicida. Espécies do fungo Trichoderma spp. e de bactérias do gênero Bacillus estão entre os principais e mais utilizados produtos biológicos na atualidade quando se trata de controle de fungos. Bacillus sp., por exemplo, são bactérias com a capacidade de formar endósporos, que são células especiais de resistência, as quais proporcionam à bactéria maior habilidade de sobrevivência em diferentes ambientes e condições adversas.

Além do controle de fitopatógenos, esses agentes de biocontrole podem atuar como promotores de crescimento em plantas, tanto do sistema radicular como de parte aérea. Dentre as vantagens desses microrganismos estão a ação sobre uma ampla gama de patógenos e a capacidade de atuar por meio de múltiplos mecanismos de ação. Dentre esses mecanismos podemos citar a competição por espaço e recursos do meio; a síntese de substâncias com ação antimicrobiana; a capacidade de parasitismo direto, especialmente no caso de Trichoderma spp., sobre estruturas de resistência de alguns fungos, como Sclerotinia sclerotiorum; síntese de compostos voláteis tóxicos; e ainda a capacidade de induzir mecanismos de resistência sistêmica nas plantas.

Conforme a imagem abaixo (Figura 2), nota-se que é possível alcançar níveis de controle satisfatórios com a utilização de agentes biológicos. Os dados são oriundos de testes em casa de vegetação, no qual foi utilizado o agente Bacillus amyloquefaciens, aplicado em tratamento de sementes de soja, visando o controle de diferentes fungos, comumente relacionados a problemas de emergência, os quais foram inoculados ao substrato. Através da avaliação de incidência, foi possível observar reduções próximas a 50% do ataque dos fungos quando na presença do agente biológico. São evidentes as vantagens da utilização de produtos biológicos dentro de um contexto de manejo integrado de doenças. A aplicação desses agentes pode se dar nos cultivos de inverno, nas culturas que antecedem a soja, com objetivo de atacar o inóculo inicial de doenças já presentes na área, sobreviventes no solo ou nos restos culturais. Posteriormente, novas aplicações deverão ser planejadas por ocasião da semeadura e pós-emergência da cultura. 

Figuras 2: eficiência de controle de Bacillus amyloliquefaciens sobre patógenos via tratamento de sementes em soja
Figuras 2: eficiência de controle de Bacillus amyloliquefaciens sobre patógenos via tratamento de sementes em soja

Agentes biológicos no manejo de nematoides

Os nematoides passam grande parte do seu ciclo de vida no solo. Vários fatores nesse ambiente influenciam no seu desenvolvimento e dinâmica populacional, como por exemplo, as plantas hospedeiras, temperatura, umidade, aeração, textura, matéria orgânica e a microbiota. O número de nematoides presente do solo aumenta com a presença de plantas hospedeiras e condições ambientais favoráveis. Em áreas bem infestadas, o ataque em culturas como soja, milho, feijão, tabaco, algodão, arroz entre outras, causam grandes perdas, chegando a inviabilizar o cultivo em determinadas áreas. Na cultura da soja, por exemplo, os mais problemáticos tem sido os nematoides-das-galhas (Meloidogyne incognita e M. javanica), o nematoide-do-cisto-da-soja (Heterodera glycines), o nematoide-das-lesões radiculares (Pratylenchus brachyurus) e o nematoide-reniforme (Rotylenchulus reniformis). 

A redução populacional desses nematoides no solo tem sido possível com a utilização, principalmente, de cultivares tolerantes/resistentes, com a rotação com culturas não-hospedeiras, com o uso de nematicidas químicos e de agentes de controle biológico. O uso de microrganismos para o controle biológico tem crescido muito, ao ponto que já temos 23 produtos registrados no Brasil. O Instituto Phytus localizado nas regiões Sul e Centro-Norte do Brasil (RS e DF), tem acompanhado através de estudos à campo, em lavouras comerciais de soja, infestadas com nematoides, os benefícios do uso de agentes biológicos no manejo desses patógenos. Tem sido verificado efeitos benéficos na redução populacional e incrementos significativos de produtividade pela utilização desses produtos (Figuras 3). Dentre as classes de microrganismos com potencial de controle biológico estão alguns fungos, bactérias, ácaros, protozoários, oligoquetas e vírus, mas os mais utilizados até então, em produtos comerciais, têm sido alguns fungos e bactérias.

Os agentes de biocontrole podem atuar sobre diferentes fases da vida do nematoide, como na fase de ovo, fases juvenis móveis no solo, ou no interior das raízes. Uma das grandes vantagens desses microrganismos é a multiplicidade dos mecanismos de ação. Esses microrganismos podem produzir compostos tóxicos, parasitar diretamente e matar os nematoides, além de competir por espaço e alimento. A concentração dos agentes de biocontrole no solo é maior onde há alimento, isto é, ao redor das raízes, pois essas liberam nutrientes em seus exsudatos. Nesse sentido, a capacidade do nematoide detectar e penetrar as raízes também pode ser alterada pelos agentes de biocontrole. Além disso, alguns fungos e bactérias podem emitir sinais para a planta que desencadeiam ativação de respostas de defesas que as tornam mais resistentes. Dessa forma a formação de células vegetais especializadas para a alimentação dos nematoides é alterada, impedindo a sua nutrição. Toxinas e enzimas líticas também são produzidas por fungos e bactérias, as quais podem degradar a parede celular de ovos ou a cutícula do corpo dos nematoides, favorecendo à sua predação e morte. 

O gênero com maior sucesso para o controle biológico de fitonematoides no momento tem sido as espécies de Bacillus, sendo as mais utilizadas B. subtilis, B. firmus, B. methylotrophicus, B. licheniformis e B. amyloliquefaciens. Essas bactérias vivem nas proximidades ou no interior das raízes, por isso são chamadas de rizobactérias, e não apresentam efeitos nocivos para as plantas, pelo contrário, podem atuar como promotoras de crescimento. 

Bactérias do gênero Pasteuria são outros exemplos que têm sido testadas no controle de nematoides. Essas bactérias são parasitas de nematoides e dependem exclusivamente deles para se multiplicarem no solo. Além dessas bactérias, alguns fungos colonizadores de raízes, podem apresentar efeitos benéficos no controle de nematoides, como por exemplo o Purpureocillium lilacinum, Pochonia chlamydosporia e espécies de Trichoderma, ambos já encontrados em produtos comerciais. Tais fungos podem parasitar os nematoides levando-os a morte, bem como podem induzir resistência sistêmica nas plantas e promover o desenvolvimento radicular e da parte aérea. 

A forma de aplicação, o momento e as condições do meio são fatores que afetam a eficácia dos biológicos. Aplicação apenas em tratamento de sementes possui efeito inferior comparado a aplicação no sulco. A combinação de sulco + tratamento de semente proporciona os melhores resultados. É importante que o solo apresente umidade e temperatura adequada para que os biológicos funcionem, pois estes precisam de condições favoráveis para germinarem, crescerem e colonizarem o solo. Quanto ao momento, diversos trabalhos têm indicado que a aplicação antecipada, durante a entressafra, pode possibilitar que os biológicos iniciem sua atividade sobre o inóculo inicial dos nematoides, principalmente em restos culturais e nos ovos no solo, propiciando uma redução da pressão de ataque na cultura de verão subsequente. O planejamento assertivo das culturas de inverno a serem utilizadas ou aquelas de cobertura para formação de palhada, com a aplicação de biológicos, pode proporcionar resultados muito positivos no manejo de nematoides. Posteriormente, novas interferências podem ser planejadas por ocasião da semeadura da cultura.

Considerando os benefícios proporcionados pelos agentes biológicos, esses se apresentam como ferramentas importantes a serem inseridas dentro de um programa de Manejo Integrado. A associação de estratégias é muito promissora, pois possibilita combinar diferentes modos e mecanismos de ação, que podem aumentar a eficácia e a consistência de controle. Associar diferentes biológicos, fungos + bactérias, por exemplo, bem como associar nematicidas químicos + biológicos, tem sido testada pela pesquisa visando maximizar o controle. Especialmente no caso de combinações de químicos + biológicos, é muito importante avaliações prévias de compatibilidade. No caso de haver compatibilidade, torna-se uma combinação interessante, podendo promover um maior efeito residual e redução populacional dos nematoides.

*Por Caroline Gulart, Coordenadora de Microbiologia e Tratamento de Sementes – Staphyt-RS, Paulo Sergio dos Santos, Coordenador de Nematologia – Staphyt-GO, Cristiano Bellé, Pesquisador ad hoc de Nematologia – Staphyt-GO

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