Aflatoxinas em milho: importância e manejo

Por Elaine Aparecida Guimarães, Dagma Dionísia da Silva Araújo, Luciano Viana Cota, Rodrigo Véras da Costa e Fabrício Eustáquio Lanza

22.05.2023 | 15:32 (UTC -3)

O milho é um dos cereais mais importantes no mundo, sendo amplamente utilizado na alimentação humana e animal, destacando-se como uma das culturas de maior produção de grãos. No Brasil, o milho tem grande importância econômica fornecendo matéria prima para uma infinidade de produtos e subprodutos alimentícios e outros.

Entre os diversos fatores que afetam a qualidade dos grãos de milho, a contaminação por fungos toxigênicos é um dos mais importantes. Muitas espécies de fungos além de causarem danos físicos, que resultam em perda de peso, podem causar perdas qualitativas pela produção de micotoxinas, metabólitos tóxicos que causam diversos problemas à saúde humana e animal. A crescente preocupação dos países importadores quanto à presença de micotoxinas nos alimentos tem levado à elaboração de legislações cada vez mais rígidas, no que concerne aos níveis máximos de micotoxinas permitidos. Sendo assim, o Brasil poderá enfrentar dificuldades cada vez maiores para exportação de produtos agrícolas, caso estejam contaminados acima dos níveis tolerados.

Dentre os diversos gêneros de fungos produtores de micotoxinas que infectam os grãos de milho estão várias espécies de Aspergillus spp., sendo muitas delas produtoras de aflatoxinas como A. flavus, A. parasiticus, A. nominus, A. ochraceus e A. fumigatus. A. flavus é a espécie mais frequentemente encontrada e está distribuída em todo o mundo, contaminando vários alimentos, grãos e outros substratos. A. flavus pode ocorrer antes da colheita e mais comumente durante o armazenamento, sendo um dos principais produtores de aflatoxinas, que é altamente tóxica a seres humanos e aos animais. Outras espécies de fungos, Aspergillus ochraceus e o Penicillium verrucosum produzem a ocratoxina, uma micotoxina bastante tóxica, semelhante a aflatoxina.

Os sintomas de infecção por Aspergillus são espigas cobertas por estruturas do fungo de cor verde oliva, pulverulenta, e que são facilmente carregadas pelo vento, semelhante ao levantamento de poeira. Os sintomas iniciam geralmente na ponta da espiga, mas pode ser encontrado em qualquer parte dela.

No campo, a infecção por Aspergillus é favorecida pela ocorrência de clima quente e seco, durante a polinização e enchimento de grãos (Figura 1). Já a produção de aflatoxina é favorecida em condições secas, alta temperatura, sendo a temperatura ideal noturna em torno de 26 ºC.

As aflatoxinas são relatadas como hepatotóxicas, mutagênicas, imunossupressoras e neoplásicas para seres humanos e animais. A depender da quantidade ingerida, da frequência de ingestão e da idade do indivíduo, essas micotoxinas podem causar cirrose, necrose do fígado, encefalopatia e aumento da suscetibilidade a hepatite B. O consumo de doses elevadas pode ser fatal, especialmente em animais jovens e quando a imunidade estiver baixa. Esta micotoxina pode ter efeito cumulativo, passando das mães para filhotes. As aflatoxinas são classificadas como B1, G1, B2 e G2, sendo a B1 a mais tóxica. As doenças causadas pelas aflatoxinas são chamadas de aflatoxicoses e podem ser agudas ou crônicas, não havendo tratamentos específicos para combatê-las. Assim, medidas preventivas é o melhor caminho para se evitar tais doenças.

No intuito de proteger os consumidores, além de técnicas rápidas de identificação, leis têm sido adotadas em muitos países, contra o efeito nocivo das micotoxinas em alimentos. No Brasil a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) estabeleceu, Instrução Normativa - IN n° 88, DE 26 de março de 2021, estabeleceu os limites máximos tolerados (LMT) de contaminantes em alimentos, dentre as quais as aflatoxinas. Para milho em grão (inteiro, partido, amassado, moído), farinhas ou sêmolas de milho o limite máximo permitido é de 20 (µg/kg). Os Limites Máximos Tolerados de aflatoxinas em alimentos estão apresentados na Tabela1.

Diante da importância das aflatoxinas do ponto de vista econômico e dos danos à saúde que podem causar, é essencial a realização do manejo da cultura para se evitar perdas na qualidade e quantidade dos grãos e reduzir a contaminação por micotoxinas. Estratégias de manejo são relatadas e discutidas abaixo levando em consideração que a contaminação com os fungos produtores de aflatoxinas ocorre em condições de campo e é favorecida após a colheita, durante o armazenamento, especialmente nos casos de maior precariedade. Assim, como tais medidas podem ser adotadas em diferentes fases de cultivo do milho, estas foram divididas em manejo do plantio a pré-colheita, da colheita à secagem e no armazenamento.

Vale ressaltar que nem todo alimento contaminado por fungos possui micotoxinas, mas também que nem todo alimento ou grão aparentemente sadio, não esteja contaminado, pois muitas vezes a presença do fungo só é identificada se uma análise de sanidade for realizada.

Manejo do milho do plantio à pré-colheita

A contaminação do milho por micotoxinas depende da suscetibilidade do hospedeiro, de condições ambientais favoráveis para a infecção do fungo e produção das micotoxinas e pode ser favorecida pela atividade de insetos. A época de plantio tem uma importância fundamental nos eventos que levam à infecção. Assim, uma mudança na data de plantio pode afetar significativamente o acúmulo de micotoxinas em milho. Datas de plantio precoce em áreas temperadas, geralmente resultam em um menor risco de contaminação por aflatoxinas, pois a polinização pode ocorrer fora do período de altas temperaturas.

O desenvolvimento da aflatoxina no milho também pode ser afetado por várias práticas culturais, em parte, por causa da relação entre o estresse hídrico e suscetibilidade a A. flavus. Estudos demonstram que práticas culturais que expõem as plantas a um maior estresse hídrico levam a níveis mais elevados de aflatoxinas. O manejo de restos culturais através de rotação de culturas também tem sido investigado como uma estratégia para redução de micotoxinas, uma vez que os fungos toxigênicos podem sobreviver sob esses resíduos. Porém, a eliminação de restos culturais seria uma recomendação visando à eliminação de estruturas do fungo do campo, apenas se os benefícios da manutenção de palhada no solo fossem discutíveis, o que não é o caso.

Um trabalho realizado no México demonstrou que uma combinação de práticas culturais (plantio precoce, redução da população de plantas e irrigação), seleção de híbridos e controle de insetos reduziram as concentrações de aflatoxinas de 0 a 6 ng/g, em comparação com 63-167 ng/g encontrados na combinação de plantio atrasado, milho não irrigado, população de plantas elevada e sem controle de insetos. Elevados teores de aflatoxinas também têm sido associados com deficiência nutricional e stress relacionados com plantas daninhas.

A resistência genética do milho contra a infecção por Aspergillus e consequente acumulação de aflatoxina é uma importante estratégia visando redução de contaminação e perdas, havendo atualmente fontes bem caracterizadas para a resistência à infecção por A. flavus. Vale ressaltar que híbridos totalmente resistentes a podridões de espiga e produção de micotoxinas são difíceis de ser encontrados. A resistência em algumas destas fontes tem sido associada a uma ou mais proteínas do grão que inibem o crescimento de fungos ou a produção de aflatoxinas. Entre as características desejáveis em cultivares também está o bom empalhamento das espigas e a decumbência (quando a espiga se inclina), pois evitam a entrada de umidade e dificulta o ataque de pragas (Figura 2). Plantas sob estresse são geralmente mais suscetíveis aos fungos, o qual pode ser reduzido pelo plantio de híbridos adaptados regionalmente, reduzindo também o risco de estresse abiótico e contaminação por micotoxinas. A tolerância a estresses ambientais específicos, como a seca, também tem sido sugerida como um meio de reduzir a vulnerabilidade de híbridos de milho para a contaminação com aflatoxinas.

Outra estratégia de manejo de aflatoxinas em milho, pouco ou não utilizada no Brasil, que merece destaque, é o controle biológico. A maioria dos programas de controle biológico de aflatoxinas utiliza o princípio da biocompetição, uma vez que não usam parasitas ou agentes de doenças, e sim espécies de Aspergillus não toxigênicas (atoxigênicas). No mecanismo de exclusão competitiva, as cepas atoxigênicas introduzidas competem e impedem estirpes toxigênicas de colonizar os grãos, reduzindo assim a produção de aflatoxinas.

Manejo na colheita e secagem

A época de colheita pode ter consequências importantes para o acúmulo de aflatoxinas. Em geral, a colheita precoce resulta em concentrações mais baixas dessa micotoxina, porém, geralmente é preciso que os grãos sejam secos para reduzir a umidade. Na colheita tardia, os grãos secam lentamente no campo e o teor de umidade continua elevado o suficiente para permitir o desenvolvimento contínuo de fungos e produção de toxinas. Além disso, os insetos podem atacar os grãos ainda no campo, aumentando a capacidade dos fungos em infectar e colonizar os mesmos. Por outro lado, se existe pouca infecção pré-colheita a atividade de insetos não seja um problema sério e as condições climáticas sejam favoráveis para a secagem dos grãos, pode ser economicamente viável realizar a secagem no campo. É importante ressaltar que outros fungos produtores de micotoxinas como Fusarium sp. ocorrem em condições de campo, sendo assim a colheita deve ser planejada também em função da possibilidade da produção de fumonisinas.

A ocorrência de chuvas no período da colheita é também um fator que favorece o desenvolvimento dos fungos, mas neste caso, só resta esperar que as condições permitam a colheita e secagem o mais rápido possível para evitar que as perdas sejam maiores.

Danos físicos em grãos durante a colheita e transporte também contribuem para o potencial de acumulação de aflatoxinas. Além disso, o trincamento e quebra de grãos, reduzem o valor comercial e reduz a capacidade de conservação. Evitar a quebra dos grãos e descartar os danificados pode resultar em uma redução de 40-80% nos níveis de aflatoxinas. A vantagem é reduzir as concentrações de toxina para níveis seguros sem a utilização de produtos que podem degradar ou diminuir o valor nutricional dos grãos.

Após a colheita, a redução da umidade dos grãos por secagem artificial é uma ferramenta valiosa para deter o desenvolvimento de fungos e produção de micotoxinas. O objetivo da secagem do grão é reduzir o teor de umidade, uma vez que os fungos não são capazes de crescer ou permanecer fisiologicamente ativos. Quanto mais baixo o teor de umidade durante a armazenagem, menor o risco de desenvolvimento de aflatoxinas. As unidades de armazenamento também descontam no valor de compra, quando a umidade e a quantidade de grãos ardidos na entrega estão acima do ideal, 13% e 6%, respectivamente. O valor descontado varia entre as unidades de recebimento, sendo que a cada 1,5% de umidade dos grãos acima do aceito para recebimento e secagem, é cobrada uma taxa por tonelada. Por exemplo, se a umidade no recebimento estiver em 14,5% incide-se uma taxa de 0,80 por umidade e taxa de R$ 25,66 por tonelada de grão. Quanto ao valor de grãos ardidos, a Instrução Normativa MAPA nº 60 de 22/12/11, estabelece novas regras para classificação do milho, dentre elas, a porcentagem de grãos ardidos e mofados foi alterada, reduzindo de acordo com os tipos I; II; III e Fora de tipo como indicado na Tabela 2.

Se os níveis de podridão no campo estiverem baixos, a área contaminada pode ser colhida mais cedo e os grãos contaminados separados dos sadios, de forma a evitar sua infecção. Equipamentos, veículos e máquinas podem também disseminar esporos de fungos entre grãos contaminados e os sadios, pois os esporos de Aspergillus se soltam facilmente e podem acumular no fundo destes. Se, já no campo, alta infestação for observada, recomenda-se que seja avaliada a incidência de micotoxinas.

Manejo pós-colheita

Alguns fatores são importantes para a infecção e crescimento de fungos aflatoxigênicos em grãos armazenados, tais como: temperatura, atividade de água, pH, oxigênio, além de fatores físicos como injúrias nos grãos, que interferem no crescimento e produção de toxinas pelos fungos.

Os níveis mais altos de produção de aflatoxinas são associados a milho armazenado em condições inadequadas de umidade e temperatura. Assim, estratégias de manejo pós-colheita devem ser implementados para manter as condições de armazenamento adequadas. É recomendado armazenar os grãos no máximo a 13% de umidade, em local limpo, fresco, arejado e sem insetos. Além disso, é importante evitar temperaturas elevadas (acima de 20 °C) na armazenagem e preservação de sementes. Se os grãos e a silagem (contendo espigas) contaminados estiverem com umidade acima de 15%, a micotoxina pode continuar a ser produzida. Por isso a importância de manter a umidade no máximo a 13%, valor no qual os fungos cessam seu desenvolvimento. A temperatura ideal no armazenamento varia entre 16 e 18 °C, valores altos favorecem a deterioração, a reduzem a qualidade nutricional e aumenta a disseminação de fungos e insetos. Além da temperatura e umidade, a aeração deve ser adequada. A presença de A. flavus também causa um rápido aquecimento dos grãos, sendo necessária a aeração, transilagens, intra-silagem e/ou retificação de secagem.

Embora os métodos naturais sejam eficazes em termos de custos, a contaminação por fungos em grãos é muitas vezes inevitável, então há necessidade de aplicar um processo adequado para inativar a micotoxina. Enquadra-se nos meios de detoxificação dos alimentos já contaminados, a degradação física e química. Na degradação física podem ser utilizadas as técnicas de extração por solventes, tratamento térmico e irradiação (irradiação solar, raios gama e luz ultravioleta). Métodos químicos consistem em degradar ou inativar as micotoxinas, com uso de ácidos, bases, aldeídos, agentes oxidantes e gases específicos. O método mais aceito em escala industrial para a degradação química de aflatoxinas é o tratamento com amônia a pressão e temperatura relativamente baixas. Apesar de diminuir consideravelmente os níveis de aflatoxinas nos alimentos, a degradação química pode ser ineficaz ou insegura, além de diminuir os níveis nutricionais e o paladar do alimento. Assim, a prevenção no campo continua sendo a alternativa mais viável.

As micotoxinas em milho constituem um problema caro e desafiador, mas, abordagens culturais e genéticas para seu manejo estão disponíveis. As práticas culturais utilizadas no campo podem ser realizadas de forma a reduzir o risco de contaminação por micotoxinas. A resistência genética e o controle biológico são estratégias promissoras para o controle de aflatoxinas. Além disso, boas práticas no armazenamento de grãos são ferramentas essenciais na prevenção do desenvolvimento de fungos e acumulação de aflatoxinas após a colheita.

Para resumir, seguem algumas recomendações para redução das podridões de espiga e incidência de micotoxinas:

Utilizar sempre que possível, cultivares menos suscetíveis aos fungos e à produção de micotoxinas.

• Plantar de acordo com as recomendações das empresas produtoras de sementes, fugindo de climas para os quais o cultivar não foi desenvolvido.

• Plantar na época adequada, sempre que as condições climáticas permitirem.

• Colher na época e umidade adequadas para manter a qualidade, evitando o quebramento dos grãos. Se necessário, fazer a secagem, lembrando que a umidade ideal para armazenamento é de 13%.

• Evitar manter as espigas no campo por tempo desnecessário de forma a evitar o ataque de pássaros, insetos, chuvas e tombamento das plantas.

• Realizar os tratos culturais adequados, garantindo boa sanidade foliar, adubação equilibrada e estresse.

• Se possível, separar grãos ou espigas contaminadas dos sadios.

• Fungicidas não são recomendados para controle de fungos em espigas.

• Garantir que as condições de armazenamento sejam adequadas (temperaturas entre 16 e 18 °C associada a umidade ideal de 13%) para manter a qualidade dos grãos e evitar o desenvolvimento de fungos e infestação por insetos.

• Fazer expurgos quando a incidência de fungos e insetos estiver maior.

A redução das podridões de espigas e micotoxinas é tarefa que exige esforço e comprometimento, porém, deve-se fazer o possível para que seus danos sejam minimizados, pois as implicações vão além das perdas econômicas, podendo afetar o que de mais valioso temos, saúde.

Por Elaine Aparecida Guimarães, Professora de Biologia no Estado de Minas Gerais; Dagma Dionísia da Silva Araújo, Luciano Viana Cota, Rodrigo Véras da Costa, Embrapa Milho e Sorgo; Fabrício Eustáquio Lanza, Cambuhy Agrícola Ltda 

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