Adubação nitrogenada em taxa variável em milho e trigo no Sul do Brasil

Por André Luis Vian, Christian Bredemeier (UFRGS); João Leonardo Fernandes Pires (Embrapa Trigo); Alexandre Alan Cassinelli (UFRGS); Marcos Caraffa (SETREM)

07.03.2024 | 13:19 (UTC -3)

O nitrogênio (N) é o nutriente, juntamente com o potássio (K), exigido em maiores quantidades pelas culturas do milho e do trigo durante o ciclo. O N é um elemento muito dinâmico no solo e na planta, sendo que inúmeros fatores, como o teor de matéria orgânica e sua taxa de mineralização, condições meteorológicas, relevo, cultura antecessora, umidade do solo e fonte do fertilizante, entre outros, podem afetar essa dinâmica.

A adubação nitrogenada em regiões tropicais e subtropicais representa um desafio, devido à dinâmica do N no ambiente e à sua mobilidade no solo e na planta, que podem reduzir a eficiência da prática. Atualmente, a eficiência na absorção do N varia de 50 a 70% do total aplicado na adubação. Quando se fala de N na planta, observa-se que, para cada 1 tonelada de grãos de milho, as plantas absorvem cerca de 28 kg de N por hectare (ha), enquanto, na cultura do trigo, esse valor é de aproximadamente 22 kg de N/ha.

Devido à complexidade das interações que envolvem o aproveitamento de N, a adubação nitrogenada necessita ser manejada da maneira mais eficiente e sustentável possível. A escolha correta das fontes nitrogenadas, o estádio de melhor resposta à adubação e doses condizentes com as necessidades da planta no momento da aplicação são alguns pontos a serem observados. Portanto, cada vez mais, é necessário utilizar ferramentas que possibilitem a maximização da eficiência do uso do N, com o objetivo de aumentar o rendimento de grãos e a rentabilidade das culturas e reduzir as perdas de N e o impacto ambiental da atividade agrícola.

A adubação nitrogenada para cereais no Rio Grande do Sul (RS) e em Santa Catarina (SC) é recomendada com base em três critérios: expectativa de rendimento de grãos, teor de matéria orgânica do solo e cultura antecessora (Manual de Calagem e Adubação para os estados do RS e SC, da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo). Esta forma de definir a dose total a ser recomendada, apesar de ser uma prática consolidada e largamente usada pelos produtores rurais, desconsidera a variabilidade espacial existente na lavoura no momento da adubação, ou seja, realiza a adubação em taxa fixa. Foi idealizada anteriormente ao crescimento do uso das práticas e ferramentas da Agricultura de Precisão (AP) e, portanto, pode ser aprimorada, conciliando princípios robustos sobre o comportamento do N nas condições de cultivo do Sul do Brasil, com os princípios que consideram a variabilidade espacial e temporal propostos pela AP.

Quando se considera a variabilidade espacial de uma lavoura, começa-se a entender que a demanda nutricional é variável dentro de um talhão. Levando em consideração, também, a variabilidade temporal da dinâmica do N e a complexidade das interações com fatores de solo, planta e ambiente, é possível melhorar a eficiência da adubação nitrogenada pelas culturas, em função de ajustes na dose ou estratégia de aplicação de nitrogênio (estádio da cultura, condição do solo, previsão meteorológica, entre outros) de acordo com a demanda real das plantas (Figura 1). Com esse entendimento, a adubação nitrogenada em taxa variável passa a ser realizada levando em consideração o estado nutricional das plantas e sua variabilidade na área.

<b>Figura 1 -</b> variabilidade espacial da demanda de nitrogênio pelas plantas em uma lavoura. Fonte: Vian et al. (2021)
Figura 1 - variabilidade espacial da demanda de nitrogênio pelas plantas em uma lavoura. Fonte: Vian et al. (2021)

A filosofia de adubação em taxa variável utilizada pela AP deve ser sempre complementar à realizada com base nos manuais de adubação de cada região, valorizando os princípios e o acúmulo de conhecimento sobre o tema ao longo do tempo. O objetivo da AP, nesse sentido, é agregar ferramentas e indicadores dinâmicos que ajustem a dose de N de acordo com as características de variabilidade da área, da necessidade da cultura e do andamento das condições ao longo do ciclo, especialmente nos estádios críticos para aproveitamento do N. Com isso, nem sempre é necessário aumentar a “dose alvo” em relação ao sistema de recomendação tradicional, mas ajustá-la, com variações para mais ou para menos, com base, por exemplo, em indicadores captados pela análise não destrutiva do dossel de plantas.

Um exemplo das possibilidades de uso de ferramentas de AP para manejo de N é a utilização da informação fornecida por índices de vegetação obtidos por meio de sensores embarcados em diferentes plataformas (sensor proximal, drones e satélites). O Índice de Vegetação por Diferença Normalizada (NDVI), o qual pode ser utilizado na estimativa da biomassa da parte aérea e da quantidade de N absorvido pelo dossel, possibilita estimar o “status nutricional” da lavoura e sua variabilidade. Com essas informações, é possível estimar os teores de N no tecido vegetal, inferir a quantidade de N acumulado na biomassa e indicar a dose necessária a ser aplicada na cultura em taxa variada (Figura 2).

<b>Figura 2 -</b> estimativa da quantidade de N acumulado (kg/ha) na cultura do trigo por meio do Índice de Vegetação por Diferença Normalizada (NDVI). Fonte: Vian et al. (2021)
Figura 2 - estimativa da quantidade de N acumulado (kg/ha) na cultura do trigo por meio do Índice de Vegetação por Diferença Normalizada (NDVI). Fonte: Vian et al. (2021)

Pensando na viabilização da adubação nitrogenada em taxa variada, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a Embrapa Trigo e a Sociedade Educacional Três de Maio (SETREM) uniram esforços nas últimas safras de trigo e de milho e desenvolveram modelos matemáticos para ajustar a recomendação de adubação de trigo e de milho, considerando a variabilidade espacial e os índices de vegetação. Os modelos, também chamados de “Algoritmos”, foram desenvolvidos pensando nas condições edafoclimáticas da região Sul do Brasil.

Os algoritmos propostos permitem realizar uma recomendação que realiza a redistribuição mais adequada do nitrogênio na lavoura, em relação à forma tradicional de aplicação de dose uniforme ou taxa fixa. O emprego desses algoritmos de adubação nitrogenada em cobertura para o trigo e o milho resultaram em rendimento de grãos igual ou superior à forma tradicional de recomendação e com economia de N.

Para o trigo, os dados foram coletados desde 2015 nas Regiões Homogêneas de Adaptação de Cultivares de Trigo (RHACT) 1 (Coxilha e Vacaria – região fria e úmida) e 2 (Eldorado do Sul e Três de Maio – região moderadamente quente e úmida). O algoritmo foi construído com a expectativa de rendimento de grãos de 5.000 kg/ha e a realização da adubação nitrogenada em cobertura no estádio de seis folhas completamente expandidas (Estádio V6 – HAUN, 1973), sendo este o período anterior ao de maior demanda de nitrogênio pela cultura.

Para o milho, a utilização do algoritmo de adubação possibilitou melhor redistribuição da dose de N aplicada em cobertura (Estádio V8). Quando se avalia o rendimento de grãos da testemunha (sem N), que não recebeu nitrogênio durante o ciclo, este foi 46% e 40% inferior aos métodos de adubação do algoritmo e pelo método tradicional padrão, conforme preconizado pelo Manual de Adubação e Calagem, respectivamente. Quando avaliados os métodos de adubação, foi verificado aumento de 10 % no rendimento de grãos quando a adubação nitrogenada em cobertura foi realizada com base no método do algoritmo, em relação ao padrão (Figura 3).

<b>Figura 3 -</b> rendimento de grãos de milho em função de diferentes métodos de adubação nitrogenada em cobertura (testemunha – sem N, algoritmo e padrão). *Médias seguidas por letras distintas diferem significativamente pelo Teste de Tukey (p&lt;0,05)
Figura 3 - rendimento de grãos de milho em função de diferentes métodos de adubação nitrogenada em cobertura (testemunha – sem N, algoritmo e padrão). *Médias seguidas por letras distintas diferem significativamente pelo Teste de Tukey (p<0,05)

Um dos principais benefícios em utilizar métodos de adubação por algoritmos é possibilitar a minimização da variabilidade espacial das lavouras, caso seja o N o responsável pela maior parte da variabilidade e, assim, potencializar o rendimento de grãos e otimizar o uso de insumos e o retorno econômico.

Os algoritmos apresentam facilidade de implementação a campo, devido à relação direta da quantidade de N com o NDVI e com a condição nutricional das plantas, possibilitando aplicar N à taxa variada, utilizando sensores de vegetação nas culturas de milho e trigo.

Esses estudos serviram para gerar conhecimento técnico-científico, com potencial para dar aporte técnico para produtores rurais que utilizam sensores de vegetação e para embasar as futuras melhorias nos algoritmos de adubação nitrogenada em cobertura à taxa variada no Sul do Brasil nas culturas de milho e trigo.

Por André Luis Vian, Christian Bredemeier (UFRGS); João Leonardo Fernandes Pires (Embrapa Trigo); Alexandre Alan Cassinelli (UFRGS); Marcos Caraffa (SETREM)

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