Apesar das raras estatísticas e do pouco que se toca no assunto, os acidentes no meio rural acontecem. Atingem pessoas de diferentes idades, independentemente da experiência de campo e ocorrem nas mais diversas situações. Os fatores potenciais de risco são também os mais diversos: falta de conhecimento, falta de atenção, de consciência sobre o perigo, hábitos, métodos equivocados de trabalho, uso de equipamentos tecnicamente inadequados, estresse, uso de máquinas que não atendem os princípios ergonômicos e fora do padrão de segurança, trabalho em condições insalubres (pouca iluminação, poeira, extremos de temperatura etc.) e ausência de equipamentos de proteção individual. Contribuem também para a ocorrência de acidentes, operações em terrenos inclinados, velocidade alta durante as operações, imprudência do operador ao trafegar em estradas, despreparo do operador, além do uso de bebidas alcoólicas.
Normalmente, são os operadores de máquinas os principais envolvidos (72,1%). Levantamento realizado no Estado de São Paulo, no ano de 2001, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa, mostrou, entretanto, que em 28,9% dos casos, os acidentes também ocorrem com "terceiros", isto é, com pessoas não diretamente envolvidas com a operação (parente, outro empregado, vizinho, amigo). Não escapam nem crianças (ver relatos de acidentes no final do texto). As figuras 1 e 2 mostram a distribuição das classes de idade dos operadores e "terceiros" envolvidos com acidentes.
É de se esperar que um bom nível de instrução e a experiência do operador sejam fatores que favoreçam uma operação segura. Um operador que saiba ler e escrever certamente compreenderá melhor as instruções do manual de operação, bem como os avisos de advertência e a simbologia utilizada na máquina. Um operador mais experiente deveria saber evitar o acidente. A figura 3 mostra, entretanto, que é alta a porcentagem (55,6%) de pessoas com mais de 10 anos na função, envolvida em acidentes. Excesso de confiança, imprudência e, principalmente, o treinamento informal, onde nem sempre a informação é correta, poderiam ser apontadas como justificativas para este fato. O baixo número de operadores em cursos formais de treinamento (ver figura 4) oferecidos por sindicatos rurais, órgãos de extensão, fabricantes e revendedores de máquinas e instituições públicas pode ser um indício de que a oferta de cursos ainda é pequena ou de que os operadores não são incentivados a fazê-los.
A atividade agrícola é uma tarefa que expõe o operador a condições insalubres: calor/frio, sol, poeira, ruído e vibrações de máquinas e esforço físico demasiado. Em qualquer tipo de operação agrícola é possível ocorrer acidentes, em maior ou menor grau (ver figura 5), os quais afetam distintas partes do corpo, principalmente os membros inferiores e superiores (ver figura 6), que são os mais expostos, e provocam diversos tipos de lesões (ver figura 7).
Os acidentes relatados no levantamento de campo são geralmente associados ao uso de maquinaria agrícola, estando o trator envolvido em mais da metade dos casos (60,5%) conforme se vê na Figura 8, sendo expressivo o índice de tombamento de tratores agrícolas (Figura 9).
Conhecer as características da ocorrência de acidentes no meio rural e discuti-las em cursos de treinamento operacional e de segurança, é uma forma de conscientizar os operadores para o potencial de riscos da atividade agrícola. O operador ao associar ocorrências semelhantes às situações do seu dia-a-dia, pode ajudar a prevenir os acidentes. Os relatos de acidentes fatais e não fatais, colhidos no levantamento em propriedades agrícolas e apresentados a seguir, pedem uma reflexão sobre o assunto:
• ao ajudar no transporte de feno, o empregado caiu da carreta e esta passou por cima do seu peito;
• vizinho (de 15 anos) estava de carona sobre o trator durante gradeação quando caiu sobre a grade, provocando lesão permanente em seu pé;
• ao acoplar implemento, o cardan caiu sobre seu pé;
• foi verificar a bomba do pulverizador e enrolou a camisa no cardan em movimento, ao tentar rasgá-la, esfolou a mão;
• acendeu o isqueiro perto da boca do tanque de combustível do trator, que explodiu, queimando-lhe o rosto;
• desceu do trator para descarregar a carreta com uva quando o trator se deslocou, prensando-lhe o peito contra o caminhão próximo, fraturando-lhe a clavícula;
• ao descer do trator, caiu e quebrou o tornozelo;
• ao subir em barranco, o trator tombou e a roda pegou sua perna esquerda, quebrando-a;
• ao passar sobre uma curva de nível durante a aplicação de defensivo, o trator tombou e o operador caiu sob um dos pneus, quebrando uma costela;
• estava de carona sobre o trator quando escorregou o pé entre o pneu e o pára-lama, vindo a cair e morrer;
• um pneu de trator estava encostado no muro, quando uma menina de 7 anos de idade sentou sobre ele; o pneu caiu em cima dela, matando-a;
• o operador caiu do trator e a roçadora de arrasto passou sobre ele, matando-o;
• foi intoxicado com produto químico durante tratamento de semente, o que causou a sua morte.
Muitos dos acidentes relatados poderiam ser evitados com a aplicação de medidas de segurança, máquinas com dispositivos de segurança incorporados (ex. proteção de partes móveis, estruturas de proteção contra capotagem e outras), bem como com o uso de equipamentos de proteção individual.
SUGESTÕES E/OU RECOMENDAÇÕES
Para minimizar ou evitar a ocorrência ou gravidade dos acidentes rurais, diversas ações podem ser realizadas, entre elas:
a) Incentivar, junto às universidades federais e estaduais, a introdução de disciplinas ou tópicos específicos sobre segurança e ergonomia de máquinas agrícolas no currículo dos cursos de agronomia, engenharia agrícola e cursos de pós-graduação dessas áreas. A disseminação desses conceitos contribuirá para a formação de profissionais com visão crítica do problema;
b) Fazer gestões junto ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural - SENAR e outros órgãos ministradores de cursos de treinamento operacional para que, além das regras de segurança normalmente enfocadas, seja dada ênfase aos requisitos/dispositivos de segurança existentes ou desejáveis na máquina agrícola, destacando-se as diferenças entre um dispositivo eficiente de um ineficiente. A percepção correta da função de determinados dispositivos ou configurações técnicas presentes na máquina agrícola e dos pontos ou locais de maior perigo, auxiliarão o operador a tomar as atitudes prevencionistas adequadas;
c) Promover, junto aos órgãos de pesquisa e de ensino universitário, o desenvolvimento de estudos de tecnologia de segurança em máquinas agrícolas, particularmente no que se refere à configuração de projetos e materiais empregados, na proteção das fontes de riscos;
d) Conscientizar o usuário de tratores e máquinas agrícolas da importância de exigir certificação da estrutura de proteção, seja ela atestada pelo fabricante ou por órgãos credenciados para tal;
e) Implementar a figura do operador certificado, isto é, aquele operador que, tendo recebido treinamento específico para uma atividade agrícola, seja submetido a provas de avaliação de conhecimento e práticas, coordenadas por meio de um sistema de certificação institucional que, certamente, deverá contemplar os aspectos de segurança operacional em seu conteúdo programático.
Ila Maria Corrêa
e
Hamilton Humberto Ramos,
IAC
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