Acidentes com tratores

A má conservação da máquina e a improvisação para garantir o dia de trabalho podem provocar acidentes graves.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Coincidindo com o início da produção de tratores na década de 60, o trabalho manual foi sendo progressivamente substituído pelo trabalho mecanizado. O trator agrícola neste contexto passou a ser um importante elemento, servindo de fonte de potência a diversos tipos de implementos e equipamentos, podendo, por isto, ser utilizado na execução de inúmeras tarefas. O crescente emprego dos conjuntos tratorizados em substituição ao trabalho manual e à tração animal pode ser caracterizado como um evento que trouxe várias conseqüências positivas. Entre elas, convém destacar que o trator agrícola colaborou para diminuir o esforço físico necessário para a execução de determinadas tarefas. Por outro lado, trouxe alguns aspectos negativos, entre os quais destaca-se o surgimento de uma nova fonte de acidentes de trabalho, na maioria dos casos de risco superior aos que ocorriam anteriormente.

Embora haja uma carência de estatísticas oficiais bem como de trabalhos de pesquisa nesta área, não é difícil de se verificar na prática a importância dos acidentes de trabalho envolvendo tratores agrícolas, o que pode ser comprovado pela elevada freqüência e gravidade dos mesmos. Neste sentido, o presente artigo pretende trazer alguns elementos básicos a respeito de como os acidentes com tratores agrícolas se processam, de forma a embasar medidas de caráter específico e global que minimizem a ocorrência e a gravidade dos acidentes.

Definições e importância

Como ponto de partida para qualquer estudo relacionado aos acidentes de trabalho, torna-se necessário primeiramente defini-los. Legalmente, a definição é dada pelo Decreto no 2.172, de 05 de março de 1997, no “Regulamento dos Benefícios da Previdência Social”. Segundo o artigo 131 desse decreto, acidente de trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. Analisando-se outros pontos da legislação sobre acidentes de trabalho, verifica-se que são igualados os acidentes que ocorrem no local e no horário de trabalho; as doenças do trabalho, constantes ou não de relações oficiais; os acidentes que ocorrem fora dos limites da empresa e fora do horário normal de trabalho, estes sob certas condições. Da mesma forma, segundo a legislação brasileira, um determinado evento, para ser considerado acidente, deve obrigatoriamente causar lesões que prejudiquem a capacidade do trabalhador para a execução de seu trabalho.

Levando-se em consideração a especificidade da definição legal, vários estudiosos do assunto propuseram um conceito técnico de acidentes, mais amplo, com um objetivo prevencionista. Segundo este conceito, os acidentes de trabalho são todas as ocorrências não programadas que modificam a rotina normal de trabalho, podendo resultar em perdas de tempo e danos materiais ou físicos ao trabalhador. Em outras palavras, não é preciso que um determinado evento produza lesões ao trabalhador para ser considerado acidente.

A importância dos acidentes de trabalho que envolvem tratores agrícolas pode ser expressa em função de seu risco. O risco, por sua vez, é uma variável bidimensional, resultado do produto entre a freqüência e a gravidade das suas conseqüências (prejuízos). Embora careça de dados oficiais e/ou científicos, não é difícil comprovar na prática que a freqüência dos acidentes com conjuntos tratorizados é bastante elevada. Já os prejuízos abrangem os operadores, os produtores agrícolas e a sociedade em geral. Com relação aos prejuízos ocasionados aos operadores, destaca-se o dano à sua integridade física, podendo resultar na perda temporária ou vitalícia de sua capacidade de trabalho ou até mesmo em sua morte. Enquadra-se aí, também, o sofrimento subjetivo e a angústia advindos do acidente, que acabam envolvendo não somente o operador, mas toda a sua família. Os produtores agrícolas, por sua vez, têm seus prejuízos traduzidos pelo tempo em que o operador fica sem trabalhar, pelo gasto na contratação de novos empregados ou mesmo pelos danos materiais ocasionados ao equipamento. Já a sociedade em geral sofre as conseqüências através do ônus gerado aos cofres da Previdência com o pagamento de indenizações, tratamento de reabilitação profissional ou benefícios.

No Brasil, estatísticas confiáveis a respeito da freqüência e gravidade dos acidentes com tratores agrícolas, conforme já mencionada anteriormente, são bastante raras. Todavia, um trabalho recente realizado pelo Núcleo de Ensaios de Máquinas Agrícolas (NEMA), ligado à Universidade Federal de Santa Maria (RS), em parceria com o Centro de Mecanização e Automação Agrícola (CMMA), do Instituto Agronômico de Campinas (SP), demonstrou que, na região Central do Rio Grande do Sul, ocorrem três acidentes de trabalho envolvendo máquinas agrícolas a cada 200 propriedades mecanizadas.

Considerando o número total de propriedades existentes na referida região, estima-se que ocorram 340 acidentes por ano envolvendo máquinas agrícolas somente nesta região. Deste total, os dados apontam que aproximadamente 75% (255 acidentes) envolvem, de alguma maneira, tratores agrícolas.

Características dos acidentes

A caracterização dos acidentes com tratores agrícolas reveste-se de grande importância porque acidentes com características diferentes possuem causas e conseqüências específicas. Portanto, acidentes com características diferentes exigem práticas, na maioria das vezes, específicas para a efetiva minimização de seu nível de ocorrência e gravidade.

Analisando-se a literatura disponível a respeito deste assunto, pode-se inferir que não existe uma metodologia criada especificamente para caracterizar os acidentes de trabalho envolvendo tratores agrícolas, como já ocorre de longa data no caso dos acidentes ocorridos em indústrias. Embora haja tentativas de extrapolar as metodologias empregadas na indústria para o caso específico dos tratores agrícolas, o mais usual é caracterizar os acidentes com esta máquina segundo o seu tipo, cuja definição não é bem clara.

Apesar das dificuldades conceituais, pesquisas realizadas tanto no exterior como no Brasil, embora escassas, têm demonstrado que o tipo de acidente com tratores agrícolas de maior freqüência constitui-se no capotamento, ocorrido em 50 a 60% dos casos. O segundo tipo de acidente mais freqüente engloba as quedas de pessoas do trator com este em movimento que, em conjunto com os atropelamentos, respondem por 12 a 17% dos eventos. Outros tipos de acidentes envolvendo tratores agrícolas, de ocorrência comum, são as colisões do trator contra outros veículos ou obstáculos (5 a 14%), o contato com a tomada de potência (TDP) e outras partes ativas do trator (3 a 10%) e outros tipos (10 a 15%).

Além do tipo, outras características relacionadas aos acidentes com tratores agrícolas são importantes. Uma dessas características é em que ocasião o acidente ocorre. Dados apontam que em países subdesenvolvidos, como o Brasil e a Índia, entre 40 a 50% dos acidentes acontecem durante o tráfego do trator em estradas e rodovias, sendo o restante em atividades de campo (preparo do solo, semeadura, entre outras), manutenção e no engate e desengate de implementos. A tendência de maior ocorrência de acidentes com tratores em estradas e rodovias em economias subdesenvolvidas pode ser explicada em função do uso do trator em atividades extra-campo, principalmente como veículo de transporte de passageiros, em substituição aos meios convencionais de transporte, inacessíveis à maioria dos produtores. Alia-se o fato de que as condições do trator para o tráfego em rodovias, especialmente no que se refere à iluminação e sinalização, são precárias considerando a realidade da maioria das propriedades localizadas em países periféricos.

Outra informação freqüentemente disponibilizada refere-se à idade. Trabalhos realizados nos EUA indicam que a probabilidade de morte, considerando os acidentes envolvendo tratores e máquinas agrícolas, é cerca de 17 vezes superior para os operadores com idade igual ou superior a 65 anos, comparativamente aos com idade entre 16 e 64 anos. Tempos de resposta mais lentos e menor capacidade de visão e coordenação motora são características que podem contribuir para o maior risco de acidentes com tratores agrícolas observado para os operadores com mais de 65 anos de idade.

Causas dos acidentes

As causas dos acidentes com tratores agrícolas são definidas como sendo as condições ou atitudes inseguras que, se corrigidas a tempo, teriam evitado o acidente. O ato inseguro é a maneira como as pessoas se expõem, consciente ou inconscientemente, a acidentes. Condições inseguras, por sua vez, são as características do meio onde o trabalho é executado que comprometem a segurança do trabalhador ou, em outras palavras, as falhas, defeitos e carência de dispositivos de segurança, que põem em risco a integridade física das pessoas. Atitudes e condições inseguras são consideradas como sendo causas genéricas de acidentes de trabalho, haja visto que cada uma delas engloba diversas causas específicas.

Vários estudos têm indicado que aproximadamente 15 e 85% dos acidentes, respectivamente, são causados por condições e atitudes inseguras, independente do setor produtivo considerado. Dados referentes aos acidentes de trabalho envolvendo tratores agrícolas que ocorrem na região central do Rio Grande do Sul confirmam a tendência apontada anteriormente. Segundo os referidos dados, cerca de 80% destes acidentes são causados por atitudes inseguras, enquanto 20% englobam condições inseguras, normalmente representadas por problemas inerentes ao trator agrícola.

Na prática, o conhecimento das causas genéricas dos acidentes é de pouco valor em termos de segurança do trabalho. Com o intuito de delinear estratégias efetivas para a prevenção dos acidentes com tratores agrícolas, torna-se necessário conhecer as causas propriamente ditas. Em outras palavras, deve-se determinar com precisão quais condições e/ou atitudes inseguras que, se eliminadas, não teriam provocado o acidente-meio (ou evento perigoso). Cabe salientar que estas informações dificilmente encontram-se disponibilizadas. Novamente, dados obtidos pelo NEMA/UFSM apontam que aproximadamente 75% dos acidentes que envolvem tratores agrícolas na região central do Rio Grande do Sul são frutos de 6 causas principais:

• Operação do trator em condições extremas: refere-se ao uso do trator em situações além dos limites para os quais foi projetado. Dentre estas situações, destacam-se o trabalho em terrenos de declividade acentuada e a aproximação excessiva da máquina em relação a valos, barrancos ou outros obstáculos;

• Perda de controle em aclives/declives: pode ser desdobrada nas seguintes causas: insucesso na mudança de marcha com o trator em movimento, tração de carretas agrícolas com excesso de peso e sem sistema próprio de freios, acionamento do freio de apenas uma das rodas traseiras do trator e a descida em declives acentuados com o trator em marcha neutra;

• Ingestão de bebidas alcóolicas;

• Permissão de passageiros junto ao posto de operação dos tratores agrícolas;

• Falta de proteção das partes móveis do trator e do implemento a ele conectado, entre as quais destacam-se o eixo da TDP, cardãs e dispositivos do tipo rosca sem-fim, muito comum em carretas graneleiras;

• Engate inadequado: relaciona-se ao engate do implemento em local inadequado, como por exemplo o fato de implementos, veículos ou objetos que deveriam ser engatados na barra de tração, serem acoplados no terceiro ponto do sistema hidráulico. Isto culmina no capotamento do trator para trás.

Portanto, pode-se inferir que a observação de apenas seis cuidados básicos pode reduzir a probabilidade de ocorrência do acidente em mais de 70%.

Condições de segurança

As condições de segurança na operação de tratores agrícolas devem ser avaliadas mediante a análise do fator homem (operador), fator máquina (trator), a organização do trabalho e o ambiente externo. Em conjunto, eles são os responsáveis pela ocorrência dos acidentes de trabalho envolvendo conjuntos tratorizados. Dentre os fatores citados anteriormente, merecem destaque os operadores e os tratores agrícolas. Os operadores de tratores agrícolas são caracterizados por diversas limitações humanas, as quais podem ser de natureza física, fisiológica, psicológica ou técnica. Quando estas limitações são ultrapassadas, ocorrem as falhas humanas que, conforme já especificado anteriormente, são as principais responsáveis pela ocorrência dos acidentes envolvendo tratores agrícolas. Cabe destacar que as limitações humanas dependem de características próprias do operador (peso, idade, medidas corporais, força, condição emocional, experiência, conhecimento a respeito da atividade, entre outras), mas são diretamente influenciadas pelas condições inerentes ao trator, à organização do trabalho e ao ambiente externo.

As pesquisas conduzidas pelo NEMA/UFSM têm mostrado que mais de 80% dos operadores de tratores agrícolas nunca participaram de cursos de treinamento operacional referentes a esta máquina. Apesar disso, os operadores demonstram conhecer as regras de segurança mais importantes, relacionadas às seis causas majoritárias anteriormente citadas. Porém, na prática, os próprios operadores confessam não adotar as referidas medidas de segurança. Por exemplo, os dados obtidos mostram que cerca de 80% dos operadores permitem a presença de passageiros junto ao posto de operação. Disto, depreende-se que a ação prioritária, além da maior disponibilização de cursos de treinamento operacional e em segurança, é a conscientização dos operadores a respeito do elevado risco ligado ao trabalho com tratores agrícolas.

No que se refere aos tratores agrícolas, pode-se destacar três problemas básicos que o tornam limitante quando se fala de acidentes de trabalho. Primeiramente, em países em desenvolvimento como o Brasil, os projetos dos tratores são normalmente importados de outros países, especialmente da Europa e dos Estados Unidos. Para reduzir custos e encontrar mercado numa agricultura em crise, os fabricantes são obrigados a retirar diversos componentes relacionados à ergonomia (definida como a ciência que visa adaptar o trabalho às limitações humanas) e segurança, tais como cabinas, estruturas de proteção contra o capotamento, proteção das partes ativas, escadas adequadas para o acesso ao posto de operação, requisitos para o tráfego em rodovias, entre outros. Assim, na maioria dos casos, os tratores em comercialização no Brasil não satisfazem plenamente os princípios de ergonomia e segurança, embora atualmente é justo destacar que os fabricantes têm dado maior atenção ao tema. Principalmente em modelos de maior porte, pode-se observar melhorias consideráveis nestes aspectos.

Em segundo lugar, a maioria dos usuários dá pouca importância aos elementos de ergonomia e de proteção nos tratores agrícolas. Dados de pesquisa mostram que a ergonomia e segurança não são levadas em consideração como fator de escolha no momento da aquisição do trator. Além disso, os agricultores negligenciam a manutenção de itens relacionados ao conforto e à segurança, por não serem imprescindíveis ao funcionamento da máquina.

Por último, a frota de tratores, na maior parte do país, pode ser considerada bastante envelhecida. Neste sentido, cabe salientar que os tratores agrícolas encontrados na região central do Rio Grande do Sul possuem um tempo médio de uso superior a 17 anos. Máquinas antigas são mais perigosas que as mais modernas, levando-se em consideração o desgaste natural da máquina, o que aumenta a possibilidade de ocorrência de falhas mecânicas que podem culminar em um acidente, e o fato de que máquinas mais modernas possuem características ergonômicas e de segurança superiores às antigas.

Em função dos problemas anteriormente expostos, pesquisas têm apontado que os tratores agrícolas em uso no Brasil, na maioria dos casos, são muito inseguros além de não oferecer conforto ao operador. Por exemplo, na região central do Rio Grande do Sul, apenas 3% dos tratores são equipados com cabinas, sendo que quase 70% não possuem estruturas de proteção contra o capotamento. Cabe destacar ainda que o NEMA/UFSM, através de um trabalho de dissertação de mestrado, criou o coeficiente parcial de ergonomia e segurança em tratores agrícolas usados (COPES), que consiste num valor de 0 a 100 atribuído em função da presença e estado de conservação de 57 itens relacionados à ergonomia e segurança. Os tratores analisados na pesquisa obtiveram um COPES médio inferior a 35. Isto indica que, em média, os tratores analisados não atenderam a 35% dos requisitos previstos pelo COPES.

Considerações finais

Com base no que foi brevemente apresentado e discutido anteriormente, a minimização do risco de acidentes de trabalho envolvendo tratores agrícolas, de uma maneira genérica, deve abranger três aspectos principais. Em primeiro lugar, é necessário que sejam oportunizados com maior freqüência cursos de treinamento na operação de tratores agrícolas, que abordem também o tema segurança, dando ênfase, sob este aspecto, à conscientização do operador. Outro aspecto de fundamental importância centra-se na melhoria dos projetos dos tratores no que se refere às condições de ergonomia e segurança, juntamente com a continuidade programas que incentivem a renovação da frota, como o Moderfrota. Por último, mas não menos importante, está a formulação e aplicação imediata de legislação específica sobre assunto, que cobre, tanto dos fabricantes quanto dos proprietários e operadores, a observação de medidas que visem à redução da freqüência e gravidade dos acidentes. Um exemplo desta legislação é o Código de Trânsito Brasileiro; porém, a parte referente às máquinas agrícolas ainda não foi regulamentada, de forma que ela, na prática, não vem sendo aplicada.

Henrique Debiasi e José Fernando Schlosser

NEMA – UFSM

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