Quem já não ouviu falar de IBR (Vírus da Rinotraqueíte Infecciosa Bovina), BVDV (Vírus da Diarréia Viral Bovina), leptospirose ou brucelose? Estas eram as causas infecciosas de aborto bovino, mais conhecidas até então. Em meados de 1988, um parasita protozoário semelhante ao Toxoplasma gondii foi descrito pela primeira vez e nomeado Neospora caninum. Três anos após sua descoberta, este protozoário foi considerado a principal causa de aborto em bovinos leiteiros no estado da Califórnia, EUA. Desde então, Neospora tem sido descrito como uma das principais doenças relacionadas ao aborto bovino em grande parte do mundo. No Brasil, o primeiro relato de neosporose bovina ocorreu em 1999, quando o protozoário foi identificado em um feto abortado, proveniente de uma propriedade leiteira com histórico de aborto, no estado de São Paulo.
No Rio Grande do Sul, conforme dados preliminares de um estudo sobre aborto bovino que vem sendo realizado pela Faculdade de Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), dos 161 fetos bovinos analisados em um período de 1,5 anos, 23% apresentavam infecção características de Neosporose. Neospora vem sendo o principal agente etiológico encontrado em fetos bovinos abortados desde o início do estudo, em 2001. Neste mesmo projeto, foi realizada uma avaliação sorológica em 60 propriedades leiteiras situadas em duas regiões distintas do Rio Grande do Sul. Dos 1549 animais testados, encontrou-se 17,8% soropositivos (contendo anticorpos contra neospora). A doença e animais soropositivos já foram detectados em outros estados brasileiros. Assim como vem ocorrendo em diversos países, os dados encontrados nos estudos realizados no Brasil são um indicativo de que a neosporose esteja bastante difundida entre a população bovina brasileira.
Hospedeiro definitivo
Como a neosporose é uma doença recentemente descoberta, comportamento da infecção, medidas de controle e prevenção, tratamento e vacinas ainda estão sendo investigados e muito estudo ainda precisa ser realizado, a fim de que se criem medidas efetivas de manejo que minimizem os efeitos desta infecção em bovinos. Somente dez anos após a descrição da doença, descobriu-se que os cães são os hospedeiros definitivos de Neospora, servindo como reservatório da infecção. Os canídeos, por sua vez, podem eliminar o parasita (na forma de oocistos) pelas fezes, após ingerirem carcaças bovinas infectadas com Neospora. Uma vez ingerindo ração contaminada com o parasita, os bovinos podem adquirir a infecção e tornarem-se portadores assintomáticos do protozoário durante a vida inteira. Além de infectarem-se através da ingestão de oocistos presentes no ambiente, os bovinos podem adquirir neosporose via transplacentária (mãe-filho) e se o feto sobreviver a infecção intrauterina, pode nascer viável, porém estar infectado sem sintomas.
Transmissão da doença
Aparentemente, as chances de uma vaca soropositiva transmitir a infecção para o feto variam entre 45-90%. As únicas formas de transmissão da doença são da mãe para o filho ou através dos cães. Os efeitos causados pela infecção estão relacionados com as perdas reprodutivas. Aborto, principalmente entre o quarto e sexto mês de gestação é o principal sintoma clínico. A vaca que aborta não demonstra outras anormalidades, estando aparentemente saudável. Mumificação fetal, nascimentos de terneiros fracos com sinais neurológicos e indícios de mortalidade embrionária são outros possíveis sintomas da doença, embora ocorram em menor freqüência do que o aborto. Toda a vaca soropositiva tem maiores chances de abortar que vacas soronegativas e vacas que já nasceram infectadas pela mãe, e que apresentam histórico de aborto, têm maiores chances de repetir o aborto do que vacas que nascem infectadas sem histórico de aborto. Há fortes indícios de que alguns animais soropositivos repitam o aborto, provavelmente devido a uma falha do sistema imune.
Tipos de aborto
Os abortos podem ocorrer de forma esporádica ou em surtos epidêmicos. Normalmente, os surtos epidêmicos são decorrentes de uma infecção externa, através da ingestão de oocistos liberados pelos cães, fazendo com que um grande número de vacas se infectem. Ao se infectarem pela primeira vez, grande parte das vacas prenhes principalmente entre quatro e seis meses poderão abortar. Abortos causados por Neospora também podem ser decorrentes da reativação da infecção em animais cronicamente infectados. Esta reativação provavelmente é decorrente de fatores estressantes, como mudanças bruscas de temperatura, mudança de dieta ou dietas mal balanceadas, micotoxinas na ração, problemas de manejo em geral (que variam de fazenda para fazenda, afetando o bem estar animal) e doenças concomitantes como, por exemplo, BVDV.
Como os agentes infecciosos que causam aborto estão amplamente difundidos no meio ambiente, chances de infecção concomitante, ou seja, mais de um agente ao mesmo tempo, podem aumentar ainda mais as chances de aborto.
Casos de aborto bovino causados por
sp. e
já foram observados no estudo que vem sendo realizado na UFRGS. As medidas de controle e prevenção devem ser tomadas principalmente após o conhecimento do verdadeiro impacto da neosporose dentro do rebanho. Em outras palavras, nem toda a propriedade que apresente vacas soropositivas em diferentes níveis de prevalência apresentarão sérios problemas de aborto. Isto dependerá muito da forma de infecção e manejo empregado em cada propriedade. Portanto, o primeiro passo é certificar-se da presença da doença dentro da propriedade, através de evidências sorológicas e diagnóstico realizado no maior número de fetos abortados possíveis.
Medidas de controle
Os exames sorológicos devem ser realizados para uma avaliação epidemiológica, para que se verifique a situação e se avalie o impacto da neosporose no rebanho. Desta maneira, medidas de controle baseado no descarte racional de animais podem ser tomadas. É inviável descartar todos os animais soropositivos de uma propriedade com alta soroprevalência. Por outro lado, o descarte de animais soropositivos com histórico de aborto baseado no resultado sorológico de apenas um animal da propriedade também não é uma medida racional, já que muitos animais soropositivos podem ter abortado por outras causas. Novamente, uma avaliação geral da propriedade através de uma análise soroepidemiológica e histórico reprodutivo constitui-se na melhor maneira para iniciar-se um programa de controle e prevenção da doença. Compra de animais com pelo menos dois resultados negativos para Neospora caninum (entre outras doenças infecciosas, é claro) também se constitui em uma importante arma preventiva. Manter o silo coberto e a ração dos bovinos fora do alcance dos cães, também é de extrema importância no controle da neosporose. Procure manter os cães afastados dos bovinos e evite oferecer restos de carcaças de bovinos. Se possível, tente recolher a placenta após o parto. Os cães podem infectar-se ao ingerirem carcaças de bovino e restos de placenta de animais infectados, podendo transmitir a infecção.
Ainda não há um tratamento efetivo contra a neosporose bovina. Estudos utilizando drogas antiprotozoárias em terneiros infectados têm mostrado algum efeito relativo à diminuição da disseminação do parasito no animal. Porém, como é impossível prever o aborto, o tratamento de neospororose bovina não teria nenhum sentido prático e seria anti-econômico. Com relação à vacinação, há indícios de que as vacinas inativadas conferem algum efeito na prevenção da transmissão vertical (mãe-filha), porém seu resultado na prevenção do aborto é muito discutível. Portanto, ainda não se sabe sobre as vantagens econômicas de se utilizar vacinas inativadas contra Neospora.
Causas do aborto
É sempre bom esclarecer que o aborto bovino tem muitas causas, e que nem todo o aborto é decorrente de uma causa infecciosa. Há, por exemplo, plantas tóxicas que causam aborto e são muito importantes em determinadas regiões do Brasil. Portanto, temos de ter cuidado para não supervalorizar o aborto causado por Neospora. Devemos ter em mente que um monitoramento, análise das perdas reprodutivas e diagnóstico são fundamentais para minimizar os impactos causados, tanto por Neospora como por qualquer outro fator (infeccioso ou não) que possa prejudicar o desempenho reprodutivo do seu rebanho.
Análise do feto
Os abortos devem ser examinados para se saber qual a causa e poder tomar as providências necessárias. Embora um feto abortado apresente problemas com autólise, pois, freqüentemente, o feto abortado já estava morto há mais tempo no útero da vaca, antes de ser expelido, o diagnóstico de neosporose e diversas outras doenças infecciosas é bastante seguro em fetos abortados. Pela nossa experiência, é possível detectar o agente Neospora caninum em material autolisado com bastante segurança por imunoístoquímica. É importante que os fetos abortados sejam enviados inteiros e quando for possível, também a placenta, para diagnóstico de necropsia.
Luís Gustavo Corbellini, Caroline Argenta Pescador e David Driemeier
UFRGS
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